INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 252 - novembro/2013





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho e Matheus Silveira Pupo.

Conselho Editorial

O DIREITO POR QUEM O FAZ - Direito Processual Penal. Embargos infringentes. STF - Supremo Tribunal Federal Ação penal 470

Confira abaixo a íntegra dos votos dos Min. Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello sobre o cabimento de embargos infringentes na AP 470:
1º Ministro Luis Roberto Barroso
2º Ministro Gilmar Mendes
3º Ministro Marco Aurélio de Mello
4º Ministro Celso de Mello

Voto sobre o cabimento de embargos infringentes

I. Introdução

Nos últimos meses, todos nós convivemos com a manifestação de opiniões as mais diversas acerca da decisão que devemos tomar hoje. Vieram pela imprensa, pelas revistas e sítios especializados, em pareceres jurídicos, discursos políticos. Na rua e em casa, de amigos e de desconhecidos, todos escutamos variados pontos de vista, muitas vezes enunciados como uma verdade revelada. É maravilhoso viver em uma sociedade livre e aberta. Pessoalmente, ouvi a todos com respeito e consideração, porque acho que é assim que a vida deve ser vivida.

Mas o momento de decisão é um momento solitário. A nós cabe, no meio da turbulência das paixões, encontrar o ponto de equilíbrio. A única paixão legítima, aqui, é pelo que é certo e justo. O problema é que na vida, por vezes, há mais de um ponto de observação sobre o que é certo e justo. A verdade não tem dono. A única coisa que um juiz pode fazer, em meio ao vendaval, é ser leal a si mesmo e ao Direito tal como ele o compreende. À sua consciência. Está em Fernando Pessoa:

“Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras por própria.
Manda no que fazes,
Nem de ti mesmo servo.
Ninguém te dá quem és.
Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
Cumpre alto.
Sê teu filho”.
Com o respeito próprio por todas as opiniões diferentes, esse é o meu voto.

Parte I

Os embargos infringentes no direito brasileiro

I. Breve notícia histórica

1. Os embargos infringentes têm origem no direito português, destinando-se à revisão de determinadas decisões não unânimes proferidas por tribunais. No Brasil, esse recurso foi introduzido ainda na fase colonial, nas Ordenações do Reino.(1) O primeiro diploma legislativo nacional a cuidar dos embargos infringentes foi o Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei n° 1.608, de 18.09.1939), que previu seu cabimento para a impugnação de decisões não unânimes proferidas em segunda instância.(2) A despeito de inúmeras posições contrárias à sua manutenção,(3) o recurso foi preservado no Código de Processo Civil de 1973, estando ainda hoje previsto no art. 530, com a redação dada pela Lei n° 10.352, de 26.12.2001.(4) O Projeto de Código de Processo Civil, atualmente em tramitação perante o Congresso Nacional, na sua versão original, propunha a supressão dos embargos infringentes.(5) Vale notar que o mecanismo há muito foi abolido em Portugal, seu país de origem, e tampouco encontra paralelo em outros sistemas de que se tenha notícia no direito comparado.

II. Os embargos infringentes no Código de Processo Penal

2.Sendo, como visto, um instituto originário do direito processual civil, os embargos infringentes foram introduzidos no Código de Processo Penal por meio da Lei n° 1.720-B, de 3.11.1952, que deu nova redação ao art. 609. O parágrafo único deste artigo disciplina os embargos infringentes em matéria penal, com a seguinte redação:

“Art. 609. [...]

Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência”.

3. Assim, nos termos do Código de Processo Penal, os embargos infringentes são oponíveis contra a decisão não unânime de segunda instância desfavorável ao réu. Ou seja: serão cabíveis sempre que, ao julgar uma apelação ou recurso em sentido estrito, a Câmara ou Turma de um Tribunal decidir contra o réu por decisão majoritária. Nos casos em que a divergência verse sobre matéria estritamente processual, capaz de tornar inválido o processo, os embargos são denominados “de nulidade” e se destinam a possibilitar a renovação do julgamento.

III. Os embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal

4. Conforme referido, o Código de Processo Penal somente previa a possibilidade de embargos infringentes em segundo grau de jurisdição. Seu cabimento pressupunha o julgamento por maioria da apelação ou do recurso em sentido estrito, não existentes na jurisdição do Supremo Tribunal Federal. A despeito disso, a matéria foi versada no Regimento Interno da Corte já em 1940,(6) sendo posteriormente objeto de nova previsão no Regimento editado em 1970(7). É irrelevante investigar a validade de tais previsões, substituídas por novo dispositivo constante do Regimento Interno atualmente vigente, publicado no Diário Oficial de 27 de outubro de 1980, que também previu o cabimento de embargos infringentes em determinadas hipóteses.

5. Esse último Diploma, como se sabe, foi editado já sob a vigência da Emenda Constitucional n° 7, de 13 de abril de 1977, que alterou a Constituição de 1969 e conferiu ao Supremo Tribunal Federal atribuição normativa primária para dispor, em seu Regimento Interno, sobre “o processo e o julgamento dos feitos da sua competência originária e recursal”.(8) Nesses termos, inexiste dúvida quanto à validade formal do dispositivo regimental em questão. Vale dizer: o Regimento atual tratou da matéria com base em delegação legislativa efetuada pela própria Constituição, admitindo a figura dos embargos infringentes já em sua redação originária.

6. Pouco à frente, a Emenda Regimental n° 2, de 1985, redefiniu as hipóteses de cabimento dos embargos infringentes, estabelecendo que, em relação a decisões do Plenário, o recurso é condicionado à existência de pelo menos quatro votos divergentes. Confira-se a dicção expressa do art. 333, tal como consta atualmente do Regimento Interno:

“Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:

I - que julgar procedente a ação penal;

II - que julgar improcedente a revisão criminal;

III - que julgar a ação rescisória;

IV - que julgar a representação de inconstitucionalidade;

V - que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado.

Parágrafo único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em sessão secreta”.

7. A Constituição de 1988 não reproduziu a delegação normativa para que este Supremo Tribunal Federal disponha sobre matéria processual, submetida integralmente à competência legislativa da União.(9) Disso não decorre, porém, que tenha ocorrido a revogação imediata das antigas normas regimentais. Como é de conhecimento corrente, o Direito brasileiro não admite a inconstitucionalidade formal superveniente, devendo os atos jurídicos ser avaliados – quanto ao aspecto procedimental – segundo as exigências vigentes ao tempo da sua edição. Nesse sentido, é fora de dúvida que as previsões do Regimento consideram-se mantidas, desde que haja compatibilidade material com a nova Constituição e não venham a ser revogadas por ato posterior. A ocorrência ou não de revogação, no caso, será objeto de análise adiante.

8. Antes disso, contudo – e completando a narrativa da sequência de atos normativos relevantes para a discussão –, destaca-se a edição da Lei n° 8.038, de 28.05.1990, que instituiu normas sobre determinados processos perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Essa lei não faz menção ao cabimento de qualquer recurso contra a decisão proferida pelo Tribunal em ação penal originária. Diante disso, surge a discussão, materializada no presente recurso, relativa ao cabimento ou não de embargos infringentes. Vale dizer: diante do silêncio da lei, cumpre saber se subsiste ou não o recurso de embargos infringentes previsto no art. 333 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Posta a questão, passo a analisar os argumentos que dão suporte a cada uma das duas posições contrapostas na matéria.

Parte II

Cabimento ou não de embargos infringentes na Ação Penal 470

I. Cabimento de embargos infringentes: a presunção de validade do dispositivo constante do Regimento Interno e aplicado em reiterados precedentes do Tribunal

9. A revogação de uma norma que continua nos livros não se presume. Justamente ao contrário, milita a seu favor a presunção de vigência. Esse ponto de vista é reforçado por algumas especificidades da situação em exame. Três pontos merecem especial destaque:

10. Em primeiro lugar, o Tribunal já editou inúmeras emendas regimentais após a Constituição de 1988, inclusive em relação ao processamento das ações penais originárias. Apesar disso, manteve o dispositivo de que se trata.

11. Em segundo lugar, há diversas decisões monocráticas e acórdãos do Tribunal, posteriores à edição da Lei n° 8.038/90, nos quais se discute o âmbito de incidência do art. 333, do RI/STF, sem que se tenha suscitado a suposta ocorrência de revogação. Embora nenhum desses julgados tenha resultado no conhecimento de embargos infringentes em ação penal originária, muitos deles adotaram como premissa expressa a vigência do art. 333 do RI/STF, afirmando que os casos então em exame não se enquadravam nas hipóteses taxativas daquele dispositivo. Ainda que se venha a entender que tais decisões não caracterizam precedentes quanto ao tema específico do cabimento, é fato inequívoco que a subsistência do art. 333 constou das razões de decidir em diversas oportunidades, sem qualquer questionamento.

12. Em terceiro lugar, o exame dos debates legislativos que antecederam a edição da Lei n° 8.038/90 não indica que o legislador teria pretendido, de forma deliberada ou mesmo implícita, uma substituição global dos dispositivos contidos no Regimento desta Corte a respeito dos processos de sua competência. Em verdade, o projeto original tratava somente dos processos de competência originária do Superior Tribunal de Justiça, o que foi alterado por substitutivo. Mesmo depois disso, porém, os debates se concentraram com muito maior intensidade nos processos perante aquela outra Corte, instituída pela Constituição de 1988. O parecer da Comissão de Constituição e Justiça, por exemplo, não contém qualquer passagem alusiva à necessidade de afastamento em bloco das disposições regimentais vigentes neste Tribunal. E o texto final da lei, como visto, incorporou a previsão de que o julgamento das ações penais originárias continuaria a se processar na forma determinada pelo regimento.

13. Ainda que não se quisesse considerar tais elementos conclusivos, a verdade é que, posteriormente, houve manifestação expressa por parte dos Poderes Executivo e Legislativo no sentido de que o art. 333 do RI/STF não foi revogado pela Lei n° 8.038/90. A esse propósito, o Congresso Nacional rejeitou de forma explícita uma proposta de supressão dos embargos infringentes. Com efeito, em 1998, o Poder Executivo encaminhou Projeto de Lei ao Congresso Nacional – autuado como Projeto de Lei n° 4.070/98 –, propondo diversas mudanças na legislação processual com o objetivo de racionalizar a atuação dos tribunais superiores. Dentre as inovações, propunha-se a introdução de um art. 43 na Lei n° 8.038/90, justamente para o fim de suprimir os embargos infringentes nos processos de competência do Supremo Tribunal Federal. Veja-se a redação do dispositivo então proposto:

“Art. 43. Não cabem embargos infringentes contra decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal”.

14. O relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Deputado Djalma de Almeida Cesar, proferiu voto acolhendo a proposta de alteração. De forma sintomática, o referido voto reafirmou a vigência dos embargos infringentes previstos no art. 333 do RI/STF, já após a edição da Lei n° 8.038/90, defendendo a conveniência de sua extinção. Transcrevo a seguinte passagem do voto proferido pelo Deputado na ocasião:

[...]

15. Na sequência, porém, o Deputado Jarbas Lima apresentou voto em separado, acolhendo boa parte das mudanças então propostas, mas defendendo a manutenção dos embargos infringentes. Disso resultou a apresentação de um substitutivo, que viria a se transformar no texto afinal aprovado. Apenas para que não reste dúvida quanto ao debate específico realizado sobre o tema, confira-se o seguinte trecho da fundamentação contida no mencionado voto:

“(...) a possibilidade de embargos infringentes contra decisão não unânime do plenário do STF constitui importante canal para a reafirmação ou modificação do entendimento sobre temas constitucionais, além dos demais para os quais esse recurso é previsto. Perceba-se que, de acordo com o Regimento Interno da Suprema Corte (artigo 333, par. único), são necessários no mínimo quatro votos divergentes para viabilizar os embargos. Se a controvérsia estabelecida tem tamanho vulto, é relevante que se oportunize novo julgamento para a rediscussão do tema e a fixação de um entendimento definitivo, que depois dificilmente chegará a ser revisto. Eventual alteração na composição do Supremo Tribunal no interregno poderá influir no resultado afinal verificado, que também poderá ser modificado por argumentos ainda não considerados ou até por circunstâncias conjunturais relevantes que se tenham feito sentir entre os dois momentos. Não se afigura oportuno fechar a última porta para o debate judiciário de assuntos da mais alta relevância para a vida nacional”.

16. Esse ponto de vista prevaleceu sem maior questionamento e o substitutivo foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, sem o dispositivo que suprimia os embargos infringentes contra decisões proferidas pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal. Esse texto viria a se tornar definitivo, tendo sido sancionado pelo Presidente da República na forma da Lei n° 9.756/98. Em outras palavras, embora os embargos infringentes ainda se encontrem previstos em disposição regimental, a verdade é que a decisão política de manter esse recurso no âmbito desta Corte partiu do Poder Legislativo.

17. Em suma: a vigência do art. 333 do RI/STF tem sido considerada um fato incontroverso, mesmo após a edição da Lei n° 8.038/90. Em verdade, os três Poderes da União produziram manifestações explícitas nesse sentido, a ponto de ter havido proposta de revogação rejeitada em deliberação específica do Congresso Nacional. Ainda que não se queira atribuir um valor absoluto a essa constatação, é inequívoco que os elementos descritos reforçam intensamente a presunção de vigência do dispositivo regimental de que se trata. Por isso mesmo, e como é natural, o ônus argumentativo para desfazer essa premissa recai sobre quem pretenda demonstrar que não vale o que está escrito e foi confirmado por decisão expressa do Congresso Nacional. Passo a enunciar os fundamentos que têm sido invocados com esse objetivo.

II. Argumentos contrários ao cabimento de embargos infringentes

18. O eminente Relator, Ministro Joaquim Barbosa, em decisão monocrática e no voto apresentado em Plenário, considerou inadmissíveis os embargos infringentes interpostos por Delúbio Soares, negando-lhes seguimento. Em seu pronunciamento, articulou um conjunto de fundamentos que podem ser assim resumidos:

(i) o fato de o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal ter sido recepcionado como lei ordinária não dá a ele característica de eternidade nem impede que ele seja alterado pela própria Corte, como de fato já o foi, existindo 48 emendas regimentais;

(ii) a Lei n° 8.038/90, ao instituir normas procedimentais para a ação penal originária perante o STJ e o STF, teve como consequência a revogação global das normas regimentais que cuidavam da matéria no âmbito da Corte;

(iii) além disso, ao dispor sobre os processos de competência originária, a Lei n° 8.038/90 especificou quais os recursos cabíveis, não tendo previsto o cabimento de embargos infringentes em ação penal originária. Logo, eles são incabíveis;

(iv) a razão de ser dos embargos infringentes é propiciar o reexame das decisões proferidas pelos órgãos fracionários dos Tribunais, por composição diversa e ampliada,. No caso em apreciação, porém, a questão seria submetida ao mesmo órgão: o Plenário do STF;

(v) há precedente do próprio STF, relatado pelo Ministro Celso de Mello, considerando descabidos embargos infringentes em ação penal originária perante Tribunal Regional Federal. De acordo com esse precedente, embargos infringentes somente são cabíveis em caso de apelação ou de recurso em sentido estrito, nos termos do art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal;

(vi) o Superior Tribunal de Justiça não admite embargos infringentes em ação penal originária de sua competência. De modo que o STF seria a única Corte brasileira a admitir esse recurso contra decisões proferidas pelo seu órgão jurisdicional pleno;

(vii)   por fim, não haveria que se falar na ausência de duplo grau de jurisdição como justificativa informal ou implícita para admissão dos embargos infringentes, porque ser julgado na mais alta Corte é “privilegiadíssima prerrogativa” dos acusados;

(viii)  na ADI 1.289, o Plenário desta Corte entendeu que o art. 333, IV, do Regimento Interno, que previa o cabimento de embargos infringentes nas representações de inconstitucionalidade, foi revogado pela Lei n° 9.868/99, que disciplinou as ações diretas de inconstitucionalidade e “não previu a hipótese de embargos infringentes”.(10)

Raciocínio análogo se aplicaria em relação à Lei n° 8.038/90 e à ação penal originária.

19. Por fim, o Ministro relator afirmou que reconhecer o cabimento dos embargos infringentes significaria “eternizar” a presente ação penal. A despeito de seu caráter essencialmente metajurídico, esse argumento diz respeito à importância simbólica e efetiva da AP 470 para a sociedade brasileira, pelo que justificará comentários adicionais.

III. Análise dos argumentos contrários aos embargos infringentes

20. A despeito do seu mérito intrínseco, nenhum dos argumentos contrários ao cabimento dos embargos infringentes me parece capaz de superar os elementos, inicialmente enunciados, que indicam a subsistência do art. 333 do RI/STF. Examino cada um deles.

21. Quando ao ponto (i), é fato que o Regimento Interno não tem característica de eternidade. Como consequência, pode ser – e tem sido – alterado por emendas regimentais (48 até esta data) e por lei ordinária. A esse propósito, tenho dúvida – mas isso não é diretamente relevante para a presente discussão – sobre ser possível afirmar que o Regimento Interno tenha sido recepcionado como lei ordinária pela Constituição de 1988. Caso fosse assim, e tendo o Supremo Tribunal Federal perdido sua capacidade normativa primária, emendas regimentais sequer poderiam suprimir dispositivos anteriores à Constituição que tratassem do processo na Corte. Não é essa a praxe que se observa nas sucessivas alterações do Regimento e seria inadequado produzir esse tipo de congelamento. Em vez disso, entendo que as normas regimentais continuam a ostentar natureza infralegal, com a ressalva de que uma parte delas ainda pode tratar de matéria processual nos termos das balizas formais vigentes ao tempo da sua edição.

22. De toda forma, no ponto que interessa à questão em exame, é fora de dúvida que as normas regimentais podem ser alteradas, na linha do que sustentou o Ministro Joaquim Barbosa. E por isso mesmo me parece que não se pode ignorar o fato de que o Regimento, nessa parte, não foi modificado. Em vez disso, as sucessivas emendas regimentais trataram de temas variados, incluindo a ação penal originária, e não suprimiram o dispositivo relevante.

23. Quanto ao ponto (ii), é fato que a Lei n° 8.038/90 instituiu normas procedimentais para a ação penal originária no Supremo Tribunal Federal. Alguém poderia imaginar, diante disso, que o capítulo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que trata da ação penal originária tenha sido inteiramente revogado (art. 230 e seguintes). Em verdade, porém, não foi essa a compreensão do próprio Supremo Tribunal Federal. De fato, diversos dispositivos deste capítulo foram “atualizados” pela Emenda Regimental n° 44/2011, inclusive com acréscimo de novos artigos. Isso demonstra que a Corte não assumiu, até aqui, a premissa de que teria havido revogação de sistema.

24. Em rigor, essa premissa seria incompatível com a própria Lei n° 8.038/90, cujo art. 12 determina que, terminada a fase de instrução, a ação penal perante esta Corte seja processada na forma do Regimento Interno.(11) Ainda que se possa argumentar no sentido de que a lei teria ressalvado apenas normas procedimentais – e não propriamente processuais –, essa seria uma construção que não decorre do sentido literal do seu enunciado.

25. Mas a questão central quanto à Lei n° 8.038/90 nem é esta, mas outra, referida no item (iii) acima: saber se a nova lei impactou o sistema de recursos em geral e os embargos infringentes em particular. De acordo com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 2°, § 1°, “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Pois bem: a Lei n° 8.038/90 não revogou explicitamente quaisquer das normas do RI/STF, embora tenha revogado textualmente diversas outras regras, na previsão expressa do seu art. 44. Não há, igualmente, qualquer incompatibilidade entre a Lei n° 8.038/90 e o art. 333 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que trata dos embargos infringentes. Resta saber se a lei regulou inteiramente a matéria, vale dizer, se instituiu um sistema exauriente para o processamento de ações penais originárias perante este Supremo Tribunal Federal, notadamente em matéria de recursos.

26. De novo, a resposta não é inequívoca como seria exigível para se poder falar, de forma consistente, em uma revogação implícita na hipótese. Em primeiro lugar, ainda sob perspectiva geral, o mencionado art. 12 da Lei n° 8.038/90 impede que se assuma o pressuposto de revogação genérica do RI/STF na parte referente à ação penal originária. Em segundo lugar, o capítulo do RI/STF dedicado à ação penal originária não cuidava de recursos, o que enfraquece a tese de que o art. 333 teria se perdido quando a lei pretendeu efetuar um novo regramento geral daquela classe processual. os embargos infringentes, por exemplo, são tratados em outro título, dedicado especialmente aos recursos. Não é intuitivo e óbvio, portanto, que a Lei n° 8.038/90 tenha revogado os embargos infringentes por substituir o bloco normativo da ação penal originária.

27. Em terceiro lugar, seria impreciso afirmar que a Lei n° 8.038/90 teria tratado exaustivamente dos recursos cabíveis nas ações penais originárias. Basta constatar, como já mencionado, que o diploma também não faz referência a embargos de declaração. Isso não legitimou eventuais dúvidas quanto ao seu cabimento, tendo o Supremo Tribunal Federal investido diversas sessões na análise desses recursos na AP 470. A Corte, ademais, conhece rotineiramente de habeas corpus substitutivo de recurso contra decisões do Superior Tribunal de Justiça, inclusive em ações originárias. Tampouco há qualquer referência a isso na Lei n° 8.038/90. Não se trata de igualar os embargos infringentes aos embargos de declaração e ao habeas corpus, e sim de constatar que é no mínimo discutível o argumento de que a Lei n° 8.038/90 teria instituído, de modo exauriente, o sistema de recursos e impugnações às decisões proferidas em processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal.

28. Seguindo adiante, o argumento (iv) pode ser assim enunciado: os embargos infringentes deveriam propiciar o reexame da questão por órgão de composição diversa, embora integrante do mesmo Tribunal. Tal argumento não procede. O art. 333 e seu parágrafo único do RI/STF admitem, desde a sua redação originária, embargos infringentes contra decisão do Plenário. A competência para julgá-los sempre foi, naturalmente, do próprio Plenário. Vale dizer: o sistema foi concebido assim e esta sempre foi a prática do Tribunal. A eventual redundância pode justificar – e acho que justifica – uma proposta de alteração da previsão regimental, mas não que se cogite de uma revogação retroativa.

29. Ademais, não se discute o cabimento de embargos infringentes contra decisões proferidas pela Corte em ações rescisórias ajuizadas contra seus próprios julgados.(12) Também aqui, a competência originária é do Plenário,(13) que também será responsável pelo exame dos embargos. A bem da verdade, nos termos expressos do art. 530 do CPC, o cabimento dos infringentes nessa hipótese sequer é condicionado à verificação de divergência significativa no julgamento inicial, bastando que tenha havido um único voto vencido.(14) Vale dizer: a legislação facilita o cabimento dos embargos em ação rescisória, a despeito de já se tratar de um mecanismo excepcional de impugnação a decisões transitadas em julgado. Não é preciso concordar com essa opção legislativa; basta constatar que o regime instituído para as ações penais originárias, tal como previsto no art. 333 do RI/STF, está longe de constituir hipótese única na ordem jurídica brasileira.

30. Quanto ao ponto (v), não se discute que os embargos infringentes previstos no Código de Processo Penal aplicam-se tão somente aos recursos em sentido estrito e às apelações – consoante previsão expressa do seu art. 609, parágrafo único –, e não às ações penais originárias. No Supremo Tribunal Federal, contudo, os embargos infringentes sempre foram regidos pelo Regimento Interno e não pelo Código de Processo Penal. De modo que dizer que o CPP não prevê os embargos infringentes em ação originária no STF é passar ao largo do problema.

31. Quanto ao ponto (vi), é fato que o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não prevê embargos infringentes em ação penal originária. Ou seja: trata do tema de maneira diversa da que consta do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Há uma razão para que isso sequer pudesse ser diferente: o Regimento Interno do STJ é posterior à Constituição de 1988 – até porque o próprio órgão não existia anteriormente. Quando da criação daquele Tribunal, já não havia qualquer possibilidade de disciplina processual por meio de Regimento. A questão ora em debate é fruto da delegação normativa efetuada ao Supremo Tribunal Federal sob a ordem constitucional anterior. Portanto, o fato de o RI/STJ não tratar dos embargos infringentes não tem qualquer repercussão sobre a discussão de direito intertemporal aqui travada.

32. Quanto ao ponto (vii), relativo ao duplo grau de jurisdição, o STF realmente entendeu que não existe um direito constitucional ao reexame da decisão por instância superior. Essa constatação não é relevante para o tema em exame, já que a eventual apreciação de embargos infringentes pelo próprio STF não significará reexame do julgado por instância diversa. Em rigor, a excepcionalidade do julgamento único somente poderia servir como reforço à tese de que não se deve presumir a revogação dos embargos infringentes. Não considero, porém, que o argumento impressione, para qualquer dos lados.

33. Quanto ao argumento (viii), é fato que o STF, no julgamento da ADI 1.289, entendeu não serem cabíveis embargos infringentes nas ações diretas disciplinadas pela Lei n° 9.868/99. Disso não resulta que eles seriam incabíveis em ação penal originária. A razão é simples e acaba reforçando a tese contraposta: é que o art. 26 da Lei n° 9.868/99 afirma, de modo peremptório, que a decisão em ação direta é “irrecorrível”, ressalvando, sintomaticamente, o cabimento de embargos de declaração.(15) Ou seja: aqui, ao contrário do que se alega ter ocorrido na Lei n° 8.038/90, o legislador achou por bem ser explícito quanto à irrecorribilidade e, portanto, quanto à insubsistência de qualquer dispositivo anterior em sentido contrário.

34. Por fim, o argumento relativo à suposta “eternização” da AP 470 justifica alguns comentários. Em primeiro lugar, não se trata propriamente de um fundamento jurídico, sendo antes um convite a que o Tribunal reflita sobre o cabimento dos embargos infringentes a partir da conveniência de sua resposta. Ainda que as conseqüências sociais das decisões sejam um elemento importante a ser considerado, não é comum que esse tipo de raciocínio seja empregado para o fim de se negar aos acusados em processo penal um tipo de recurso que se encontre previsto em diploma normativo válido. O direito penal e processual penal, mais do que quaisquer outros ramos do Direito, devem conciliar o exercício da pretensão punitiva estatal com o Estado de direito e o devido processo legal.

35. De toda sorte, não me parece correta a afirmação de que os embargos infringentes tenham, no caso, o poder de eternizar a ação penal. Não apenas porque poderiam ser manejados por menos da metade dos condenados, mas também e sobretudo porque permitiriam nova discussão em relação a somente dois dos sete tipos penais discutidos no processo: lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. De forma ainda mais concreta, apenas 11 das 68 condenações específicas poderiam ser objeto de discussão. E mesmo em caso de eventual reversão integral desses pontos, os réus continuariam condenados por outras condutas não suscetíveis de revisão pela via dos embargos infringentes.

36. Na maior parte dos casos, os embargos sequer seriam capazes de afastar o regime inicial fechado, ainda quando providos integralmente. Apenas para três dos réus, eventual provimento total resultaria na possibilidade de se fixar o regime inicial semiaberto, mas não de afastar a imposição de penas restritivas da liberdade individual. Ou seja, caso a Corte reconheça o cabimento dos embargos, as condenações continuariam mantidas em qualquer cenário e, em relação a parte significativa das penas, a própria execução poderia ter início.

37. E mesmo em relação às imputações suscetíveis de rediscussão, há uma boa dose de exagero na afirmação de que o julgamento seria retomado do começo. Ao contrário, a instrução encontra-se pronta, já tendo sido objeto de exame por nove dos onze Ministros. Mesmo os dois novos julgadores – o Ministro Teori Zavascki e eu mesmo – já tiveram de iniciar o exame da matéria, ainda que de forma pontual, para o julgamento dos embargos de declaração. Todo esse esforço pode e deve ser aproveitado, permitindo que os embargos infringentes eventualmente opostos sejam julgados com a máxima celeridade possível, respeitadas as exigências básicas do devido processo legal.

38. Não se trata, portanto, de um recomeço, e sim de um capítulo final quanto a parte das imputações, previsto na própria ordem jurídica, o que impede a sua desconsideração por um órgão jurisdicional. A compreensível frustração social pelo adiamento da conclusão definitiva, quanto a essa parcela do julgamento, pode e deve ser objeto de atenção do Tribunal. Mas isso não autoriza que um órgão jurisdicional ignore um dispositivo que sempre considerou vigente – e que o Poder Legislativo decidiu manter – com o objetivo de suprimir um recurso previsto em norma válida. O que o Tribunal pode e deve fazer – e aqui limito-me a repetir o que já afirmei em Plenário, no voto oral que proferi – é assumir o compromisso de julgar os eventuais embargos infringentes de forma célere.

IV. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

39. Cumpre, por fim, examinar como a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão, sobretudo após a edição da Lei n° 8.038/90. O que se vai verificar é a existência de inúmeros pronunciamentos no sentido de que o art. 333 do RI/STF continua em vigor. De forma textual, diversos precedentes afirmam que os embargos infringentes seriam cabíveis nas hipóteses taxativas enunciadas no referido art. 333, incluindo as ações penais originárias em que tenha havido condenação por maioria e pelo menos quatro votos divergentes. Pela importância do tema, confiram-se, a título de exemplo, as seguintes transcrições de trechos de ementas e votos:

[...](16/17/18/19/20/21/22/23/24/25/26/27)

40. Nessas condições, é a jurisprudência atual da Corte que se mostra incompatível com a tese que o art. 333 teria sido objeto de revogação em 1990. Ainda que se quisesse afirmar que as menções não teriam integrado o dispositivo de um julgado específico, a reiteração de tantas referências à vigência do referido dispositivo não podem ser simplesmente ignoradas pela Corte. Sobretudo quando se constata que não se tratou apenas de obiter dicta, e sim da própria razão de decidir expressa, prevalente em algumas dezenas de decisões monocráticas e acórdãos, inclusive do Plenário.

41. É certo que cada um dos Ministros, incluindo os que tenham produzido manifestação escrita individual, pode fazer a opção legítima de modificar seu pronunciamento anterior, como acontece eventualmente pela natural evolução de entendimentos. No entanto, com todas as vênias às opiniões em sentido contrário, entendo que elementos constitucionais como os princípios do Estado de Direito, da segurança jurídica, do devido processo legal e da própria legalidade impedem o Tribunal de ignorar dispositivo que sempre se considerou vigente a fim de abreviar o desfecho de processo penal determinado. Em outras palavras, pode-se revogar o dispositivo regimental – e há boas razões para que isso seja feito –, mas não se justifica que a Corte ignore seus próprios pronunciamentos recentes para, na reta final de um julgamento emblemático, sustentar que ele se encontra revogado desde 1990.

42. Essa constatação me parece suficiente para divergir do entendimento de que o Supremo Tribunal Federal poderia e deveria, neste momento, entender que a Lei n° 8.038/90 teria efetuado uma revogação de sistema, superando o mencionado art. 333.

V. Conclusão

43. O exame empreendido até aqui conduz às seguintes conclusões objetivas principais:

(i) Os embargos infringentes foram introduzidos no RI/STF em um período em que a Corte dispunha de competência para legislar sobre os processos de sua competência. A posterior supressão dessa atribuição não tornou inválidas as disposições assim editadas, tendo em vista que a regularidade formal se verifica segundo as exigências vigentes ao tempo em que o ato é produzido;

(ii) Os embargos infringentes no STF não são incompatíveis com qualquer disposição material da Constituição, de modo que foram recepcionados;

(iii) O dispositivo que trata dos embargos infringentes não foi objeto de revogação expressa quer por norma regimental, quer por lei posterior. Ao contrário, tem sido reproduzido em todas as versões divulgadas do RI/STF até o tempo presente. Nessa mesma linha, as 48 Emendas Regimentais editadas até o momento deixaram esse ponto intocado, a despeito de já haverem alterado disposições referentes à ação penal originária;

(iv) Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional, em 1998, com o fim específico de suprimir os embargos infringentes, foi expressamente rejeitado pela Casa Legislativa. Vale dizer: os Poderes Executivo e Legislativo manifestaram o entendimento de que os embargos infringentes não foram revogados pela Lei n° 8.038/90. Em deliberação específica e realizada sem a pressão de um processo rumoroso, o Congresso Nacional tomou a decisão expressa de manter esse recurso na ordem jurídica. Assim, embora estejam formalmente previstos em disposição regimental, a decisão política de manter os embargos infringentes contra decisões do Plenário desta Corte foi tomada pelo Poder Legislativo;

(v) No âmbito do Supremo Tribunal Federal, todas as manifestações produzidas após a Constituição de 1988 apontam no mesmo sentido. De fato, há diversos pronunciamentos do Tribunal – posteriores à edição da Lei n° 8.038/90 – que trataram do tema dos embargos infringentes, afirmando o seu cabimento nas hipóteses taxativas previstas no art. 333 do RI/STF. Essa constatação confronta o Tribunal com a sua própria jurisprudência e com os riscos de alterá-la justamente no curso de uma ação penal tão significativa;

(vi) As circunstâncias descritas nos itens anteriores, somadas ao fato de que se trata de recurso colocado à disposição do condenado em processo criminal, desaconselham que se cogite de revogação implícita. Menos ainda no âmbito de um processo criminal in concreto. Nesse contexto, o que se presume é a manutenção do dispositivo expressamente constante do Regimento e dos pronunciamentos judiciais existentes. O ônus argumentativo de demonstrar a ocorrência de revogação exige argumentos inequívocos;

(vii)   Dentre os argumentos suscitados para defender que a revogação teria ocorrido, o mais significativo é o de que a Lei n° 8.038/90 teria efetuado uma revogação de sistema, substituindo a disciplina da ação penal originária constante do RI/STF;

(viii)  No entanto, mesmo esse argumento não se revela conclusivo por um conjunto de razões: (a) a própria Lei n° 8.038/90 ressalvou expressamente a aplicação do RI/STF após a fase de instrução; (b) o próprio STF não tem considerado que as disposições regimentais pertinentes teriam sido revogadas em bloco, tendo inclusive editado emenda regimental recente sobre a matéria (Emenda Regimental n° 44/2011); (c) a Lei n° 8.038/90 não tratou de forma inteiramente exaustiva dos recursos cabíveis nos processos de competência originária da Corte; (d) a Lei n° 9.868/99, ao introduzir novo regramento para a ação direta de inconstitucionalidade, explicitou a irrecorribilidade das decisões produzidas nessa via, ressalvados os embargos de declaração. Vale dizer: o afastamento dos embargos infringentes, nesse caso, decorreu de disposição expressa.

45. Como já disse anteriormente, o julgamento da Ação Penal 470 é um marco simbólico e efetivo para reduzir o trágico caráter seletivo do direito penal no Brasil, que, no geral, sempre alcançou apenas os mais pobres. Pode também representar uma virada institucional, se contribuir para a mudança do modo como se faz política no País. Não há porque sujeitar um processo tão emblemático a uma decisão casuística. O que nós podemos fazer é assumir o compromisso de tratar os embargos infringentes que eventualmente venham a ser propostos com a máxima celeridade permitida pelo devido processo legal.

46. Ao concluir, gostaria de dizer, a bem da verdade, que a exemplo de toda a sociedade brasileira, estou exausto deste processo. Ele precisa chegar ao fim e as decisões precisam ser executadas em sua totalidade. Temos de virar esta página. Creio que à exceção dos 11 (onze) acusados que ainda podem interpor embargos infringentes, mais ninguém deseja o prolongamento desta ação. Mas eles têm direito previsto em ato normativo válido, tido como vigente por manifestação do Poder Legislativo e por algumas dezenas de julgados deste Supremo Tribunal Federal. É para isso que existe uma Constituição: para que o direito de onze pessoas não seja atropelado pelo interesse de milhões.

47. Por essas razões, voto pelo cabimento dos embargos infringentes nos casos em que tenha havido, pelo menos, quatro votos pela absolvição.

Notas:

(1)  V. Jose Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, v. 4, Forense, 1960.

(2)  Decreto-Lei n° 1.608/39, art. 833: “Além dos casos em que os permitem os arts. 783, § 2°, e 839, admitir-se-ão embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não fôr unânime a decisão proferida em grau de apelação, em ação rescisória e em mandado de segurança. Se o desacôrdo fôr parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência”. (Redação dada pelo Decreto-Lei n° 8.570, de 1946).

(3)  V. Araken de Assis, Embargos infringentes. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos, vol. 9, 2005. p. 13-58: “(...) nenhum outro recurso, dentre os generosamente previstos no art. 496, do CPC, viu-se tão ameaçado por opiniões tão desfavoráveis”; e Alfredo Buzaid, Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código de Processo Civil, de 1973: “A existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação do recurso; por que pela mesma razão se deve admitir um segundo recurso de embargos sempre que no novo julgamento subsistir um voto vencido; por esse modo poderia arrastar-se a verificação do acerto da sentença por largo tempo, vindo o ideal de justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão”.

(4)  Código de Processo Civil: “Art. 530. Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

(5)  Exposição de motivos do Novo Código de Processo Civil: “Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento”. Com efeito, o texto da Câmara (2008, p. 101) diz expressamente: “[...] defendemos a abolição total dos embargos infringentes, não nos parecendo adequado que o mero fato de ter havido voto divergente em um julgamento colegiado deva ser capaz de permitir a interposição de recurso contra a decisão proferida”.

(6)  RI/STF (1940), art. 194: “Admitem-se embargos de nulidade ou infringentes do julgado às decisões terminativas do feito, proferidas: I. Pelo Tribunal Pleno: a) nas ações cíveis ou criminais originárias; b) nas rescisórias de seus julgados ou dos das Turmas; c) nas homologações de sentença estrangeira; d) nas revisões criminais. (...)”.

(7)  RI/STF (1970), art. 310: “Caberão embargos à decisão não unânime do Plenário: I - que julgar procedente a ação penal (art. 223); II - que julgar improcedente a revisão criminal (art. 245); III - que julgar a ação rescisória (art. 241); IV - que julgar a representação inconstitucionalidade, se houver três ou mais votos divergentes; V - que, em recurso criminal ordinário (art. 286), for desfavorável ao acusado”.

(8)  CF/1969, art. 119, § 3°: “O regimento interno estabelecerá: a) a competência do plenário, além dos casos previstos nas alíneas a, b, c, d, i, j, l e o do item I dêste artigo, que lhe são privativos; b) a composição e a competência das turmas; c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal e da argüição de relevância da questão federal; d) a competência de seu Presidente para conceder o exequatur a cargas rogatórias e para homologar sentenças estrangeiras” (Redação dada pela Emenda Constitucional n° 7, de 13 de abril de 1977).

(9)  CF/88, art. 22: “Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (...)”.

(10) V. Lenio Luiz Streck, Não cabem embargos infringentes no Supremo. In: http://www.conjur.com.br/2012-ago-13/mensalao-nao-cabem-embargos-infringentes-supremo.

(11) Lei n° 8.038/90, art. 12: “Finda a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, na forma determinada pelo regimento interno, observando-se o seguinte: I - a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nessa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação; II - encerrados os debates, o Tribunal passará a proferir o julgamento, podendo o Presidente limitar a presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir.

(12) STF, QO na EI na AR 1178/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, unânime, julgada em 16/12/1996: “Ação Rescisória. 2. Embargos infringentes. 3. Regimento Interno do STF, art. 333 e § único. 4. Lei n° 8038/1990, art. 24. 5. Código de Processo Civil, art. 530. 6. Desde o advento da Lei n° 8038/1990, art. 24, não cabe exigir o número mínimo de quatro votos dissidentes, previsto no parágrafo único do art . 333 do RISTF, para a admissão de embargos infringentes, contra acórdão do Plenário do STF, em ação rescisória. Bastante se faz não seja o aresto unânime. 7. Questão de Ordem que se resolve no sentido de não ser mais aplicável às ações rescisórias o disposto no parágrafo único do art. 333 do RISTF, mas, sim, o art. 530 do Código de Processo Civil”.

(13) RI/STF, art. 6°: “Também compete ao Plenário: I - processar e julgar originariamente: (...) c) a ação rescisória de julgado do Tribunal;

(14) CPC, art. 530: “Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência” (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).

(15) Lei n° 9.868/99, art. 26: “A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível, ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória”.

(16) STF, AgRg no AgRg no HC 88.247, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 17.09.2009. No mesmo sentido, com redação quase idêntica, v. Embargos no RE 172.004 AgRg, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 27.05.1998.

(17) STF, ED na AO 1.046/RR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão de 28.11.2007.

(18) STF, EI na ADI 171/MG, Plenário, Rel. Min. Moreira Alves, decisão de 14.09.1994. Observação: “Por votação unânime o Tribunal conheceu dos embargos e por maioria de votos os rejeitou, vencidos os Ministros Francisco Rezek, Marco Aurélio, Carlos Velloso, Celso de Mello e Néri da Silveira, que acolhiam os embargos”.

(19) STF, EI no AgRg no AI 828.792/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, decisão unanime de 28.06.2011.

(20) STF, HC 71.124/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, decisão unanime de 28.06.1994.

(21) EI no RE 172.004 AgRg, Rel. Min. Celso de Mello, decisão de 27.05.1998, trecho do voto proferido pelo relator.

(22) STF, EI na AP 409/CE, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática de 16.04.2012.

(23) STF, ED no HC 104.075/SE, Rel. Min. Luiz Fux, decisão monocrática de 29.02.2012.

(24) STF, EI no RHC 97.473/DF, Rel.a Min.a Ministra Cármen Lúcia, decisão monocrática de 16.04.2010.

(25) STF, AgR no HC 83.678/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, decisão monocrática de 23.02.2006.

(26) STF, HC 71.124/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, decisão unânime de 28.06.1994, trecho do voto proferido pelo relator.

(27) STF, AgR nos EI no HC 72.664/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, decisão unânime de 19.02.1998, trecho do voto proferido pelo relator.

Luís Roberto Barroso
Ministro.



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