INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 322 - Setembro/2019





 

Coordenador chefe:

Luigi Barbieri Ferrarini

Coordenadores adjuntos:

Ana Maria Lumi Kamimura Murata, Bernardo Pinhón Bechtlufft, Daiane Ayumi Kassada, Danilo Dias

Conselho Editorial

A departamentalização das funções diretivas como parâmetro de responsabilização criminal dos dirigentes das sociedades anônimas e limitadas

Autores: Paulo Henrique Guilman Tanizawa, Rafael Fernandes Caldeirão e Andre Po Sheng Yu

A Teoria Geral da Administração projeta o desenho departamental de uma entidade corporativa como a seara responsável por confeccionar a dinâmica de organização dos departamentos da empresa, no afã de promover a execução das tarefas funcionais designadas a cada repartição da companhia (CHIAVENATO, 1982, p. 315). A implementação do referido esboço departamental calca-se em um fenômeno intitulado “diferenciação”, que, por sua vez, se desenvolverá em dois aspectos, quais sejam: i) a diferenciação vertical, a qual se dá a partir da instituição de uma roupagem hierárquica entre os estabelecimentos corporativos (filiais e matriz) e a própria cadeia escalar da corporação (hierarquia stricto sensu), ao passo que a ii) diferenciação horizontal tem o intento de capilarizar as atividades exercidas por uma determinada plataforma hierárquica da companhia, isto é, ocorre o processo de especialização entre parcelas temáticas do mesmo nível da empresa, que receberão a alcunha de “departamentos” (CHIAVENATO, 1982, p. 315-316).

À vista disso , entende-se como “departamento” o segmento destinado a um administrador, que, no plano diretivo, será denominado “Diretor”, a quem se delega a autoridade para desempenhar as atividades diretivas do respectivo departamento (CHIAVENATO, 1982, p. 315). Como se verá adiante, o diretor avocará a posição de garante (artigo 13, § 2º, do Código Penal) acerca das condutas perpetradas pelo departamento por ele conduzido (ESTELLITA, 2017, p. 61). Ademais, faz-se necessário salientar que esse processo de diferenciação horizontal por meio de “departamentos” congrega a possibilidade de sua implementação a partir de seis modelos, compreendendo-os: i) a departamentalização por funções, ii) a departamentalização por produtos e serviços, iii) a departamentalização por base territorial, iv) a departamentalização por stakeholders,(1) v) a departamentalização por processo e vi) a departamentalização por projeto (CHIAVENATO, 1982, p. 318).

No desenho departamental por funções há alocação das atividades e tarefas que comungam de um eixo funcional, de modo que a departamentalização por funções acaba  por viabilizar a diferenciação, de maneira lógica e temática, das funções exercidas pela diretoria no intuito de concentrar a especialização ocupacional da cúpula da companhia em um dirigente que comandará setores como finanças, recursos humanos, produção e a própria presidência (CHIAVENATO, 1982, p. 318). Trata-se, portanto, de uma espécie de divisão horizontal de funções, que limitam o controle de monitoramento exercido, por cada diretor, ao seu respectivo departamento.

Com isso, instaurando a delegação das pastas diretivas entre os integrantes da cúpula corporativa, está-se diante de uma pulverização da posição geral de garantidor dos bens jurídicos alvos de eventuais danos provindos de ações ou omissões da companhia (outputs lesivos). Por conseguinte, cada dirigente possuiria uma relação de causalidade e de garante com os bens e com as fontes de perigo dos bens jurídicos estritamente vinculados às atividades do respectivo departamento cuja condução lhe fora designada, carregando-lhe, nessa ocasião, o dever especial de intervenção para proteger e mitigar os referidos perigos (ESTELLITA, 2017, p. 61).

Ao tratar sobre as dimensões de lesão do bem jurídico monitorado, à luz do dever especial de intervenção, pelo diretor do departamento, deve-se, prima facie, levar em consideração aquilo que SCHÜNEMANN (2018) cognominou, para legitimar  referido  dever,de “princípios da relação meio-fim”, na qual o “meio” se refere à prevenção geral ameaçadora atribuída a qualquer sujeito, à medida que o “fim” se destina aos agentes que “dominam o acontecimento que leva à lesão do bem jurídico” (SCHÜNEMANN, 2018, p. 76; GRECO, 2018, p. 29), ou seja, o dirigente portador de poderes diretivos e de dever de agir.

Diante disso, quando outorgado ao dirigente o dever especial de intervenção, a omissão para obstar a violação do bem jurídico equiparar-se-ia ao agir típico da conduta monitorada, uma vez que o agente deveria evitar a lesão devido ao domínio das fontes de perigo do bem jurídico. Tal equiparação entre o desvalor e a ação do agente será pautada no “domínio sobre o fundamento do resultado”, compreendendo este denominador como o domínio de vigilância imposto ao dirigente, sendo que esse domínio se manifestará em dois aspectos, quais sejam: i) o poder de direção e informação exercido, por intermédio do dever de vigilância (Aufsuchtspflichten), sobre os subordinados do departamento dirigido pelo garante, e a ii) custódia fática de objetos de propriedade da companhia vinculados às atividades do departamento dirigido pelo garante, cujo dever chancelado nesta faceta será o de asseguramento (Verkehrspflichten) dos efeitos colaterais provenientes do aludido objeto provocador de perigo (ESTELLITA, 2017, p. 61-62).

Vê-se, a partir da divisionalização das funções diretivas, que se afasta o modelo de mera gestão geral da empresa, ou seja, aquele agenciamento comum (entre os dirigentes da entidade corporativa) das fontes de perigo provenientes de todos os bens jurídicos envoltos na atividade econômica da empresa, designando-se-lhes, nessa hipótese, o dever de vigilância recíproca. Em linhas gerais, a gestão geral acarretaria na administração comum das fontes de perigo por todos os diretores que deveriam, cumulativamente, monitorar as decisões tomadas por todos os integrantes do plano diretivo (ESTELLITA, 2017, p. 177).

Ao efetivar o modelo de departamentalização funcional, os integrantes da direção da companhia não adquiririam o dever de vigilância mútua acerca das condutas criminalmente relevantes perpetradas por outro(s) membro(s) da cúpula diretiva, posto que ocorreria, como aventado anteriormente, a distribuição das fontes de perigo entre os dirigentes da companhia e seus respectivos departamentos.

Portanto, a responsabilização criminal de cada diretor se calcará nas atribuições estatutárias de seu exercício funcional (ESTELLITA, 2017, p. 177). Delineada a esfera de atuação departamental do dirigente no estatuto ou contrato social da companhia, não subsiste o dever de intervenção do diretor nos casos de agenciamento perigoso (Reckless) de bens jurídicos pertencentes a outro departamento cuja a direção não lhe fora conferida .

Constata-se que a mera posição hierárquica do dirigente no plano diretivo da atividade empresarial não enseja participação presumida em suposta organização criminosa instalada no organismo corporativo, bem como em crimes conexos à estrutura macrocriminal perpetrados por outros membros da cúpula diretiva. Ao atribuir responsabilização criminal meramente às posições dos integrantes da cúpula diretiva estaria a persecução estatal descambando em uma “personalização” da prática punitiva, opondo-se, portanto, à estrutura ontológica que legitima o Direito Penal (ESTELLITA, 2017, p. 60). Assim, o dirigente só poderá ser acusado de participação de atos delitivos perpetrados pelo autor direto, caso descortine a relação entre o fato punível perpetrado por este com as atividades daquele.

Referências

Chiavenato, Idalberto. Administração de empresas: uma abordagem contingencial. São Paulo: McGraw Hill do Brasil, 1982.

Estellita, Heloisa. Responsabilidade penal de dirigentes de empresa por omissão: Estudo sobre a responsabilidade omissiva imprópria de dirigentes de sociedades anônimas, limitadas e encarregadas de cumprimento por crimes praticados por membros da empresa. São Paulo: Marcial Pons, 2017.

Greco, Luís; Leite, Alaor; Teixeira, Adriano; Assis, Augusto. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

Greco, Luís. Problemas de causalidade e imputação objetiva nos crimes omissivos impróprios. São Paulo: Marcial Pons, 2018.

Roque, Pamela Romeu. Governança corporativa de bancos e a crise financeira mundial: análise comparativa de fontes do cenário brasileiro. São Paulo: Almedina, 2017.

Rossetti, José Paschoal; Andrade, Adriana. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2014

Schünemann, Bernd. Ensaio sobre os conceitos de crime e pena e de bem jurídico e do delito. In.:_______. Direito penal, racionalidade e dogmática: sobre os limites invioláveis do direito penal e o papel da ciência jurídica na construção de um sistema penal racional. Trad. Adriano Teixeira. São Paulo: Marcial Pons, 2018.

Notas

(1)    A Governança Corporativa de orientação stakeholder projeta como objetivo da companhia a construção de prognoses de atuação corporativa no mercado visando atender aos interesses dos grupos, direta ou indiretamente, afetados pelas decisões do negócio. Tradicionalmente, esse universo de stakeholders alberga: os acionistas, os empregados, os clientes, os administradores, os fornecedores e até a comunidade na qual a companhia atua. Roque, Pamela Roque. Governança corporativa de bancos e a crise financeira mundial: análise comparativa de fontes do cenário brasileiro. São Paulo: Almedina, 2017, p. 34-35. Ainda no mesmo sentido, vide: Rossetti, José Paschoal; Andrade, Adriana. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento e tendências. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 111.

Paulo Henrique Guilman Tanizawa
Doutor em Direito pela PUCSP. Mestre em Direito Negocial pela UEL. Professor de Direito da PUCPR. Advogado.
ORCID: 0000-0002-7385-300x
paulohenrique.guilmant@gmail.com

Rafael Fernandes Caldeirão
Pós-graduando em Direito Penal Econômico e Processo Penal pela PUCPR. Bacharel em Direito pela PUCPR. Advogado.
ORCID: 0000-0003-3776-2730
rafael.c.puc@hotmail.com.br

Andre Po Sheng Yu
Graduando em Direito pela PUCPR. Estagiário da Defensoria Pública do Paraná.
ORCID: 0000-0002-9601-8955
poshengyu@gmail.com
Recebido em: 09.07.2019
Aprovado em: 05.08.2019
Versão final: 08.08.2019



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040