INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 322 - Setembro/2019





 

Coordenador chefe:

Luigi Barbieri Ferrarini

Coordenadores adjuntos:

Ana Maria Lumi Kamimura Murata, Bernardo Pinhón Bechtlufft, Daiane Ayumi Kassada, Danilo Dias

Conselho Editorial

Editorial

Seminário Internacional: um espaço de resistência democrática

Neste ano, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) organiza a 25ª edição de seu Seminário Internacional, não por acaso com o tema “As Ciências Criminais como resistência dos valores democráticos”. É certo que referido evento é destinado ao debate dos mais variados temas atrelados ao sistema de justiça criminal e já é tido como tradicional, estando inscrito no calendário dos grandiosos e mais respeitados eventos da América Latina, reunindo os melhores e mais consagrados professores, especialistas, estudiosos e profissionais militantes da área das Ciências Criminais, tanto do Brasil como de todas as partes do globo. Com isso, visa – dentre outras finalidades – arejar o ambiente de produção acadêmica brasileira, sempre buscando oferecer à comunidade jurídica um pensamento crítico, na esteira da defesa e respeito dos valores democráticos.

Os assuntos mais tradicionais da dogmática penal, do processo penal, da criminologia e da política criminal, bem como os mais candentes e inovadores são trazidos à reflexão daqueles que participam durante quatro dias do evento em data e local já tradicionais e sabidos por todos que aguardam de maneira ansiosa as mesas com seus respectivos palestrantes. É sabido pela comunidade que é necessário preparar a agenda de trabalho e compromissos, pois na última semana do mês de agosto de todos os anos ocorrerá o Seminário Internacional. 

Os números que envolvem o evento são grandiosos. Dezenas de funcionários, parceiros, fornecedores e colaboradores participam da minuciosa organização que vai desde a escolha de uma simples pasta – que, podem acreditar, é motivo de muito debate – até a definição de palestrantes nacionais e internacionais. Isso sem falar em transporte aéreo e terrestre, alimentação, hospedagens e a mais variada gama de necessidades específicas que se pode imaginar, dos participantes assim como dos patrocinadores, apoiadores e conferencistas. São quatro dias com centenas de pessoas transitando diariamente.

O engajamento das pessoas envolvidas direta e indiretamente é intenso, pois é importante destacar que o sucesso financeiro do Seminário Internacional é condição fundamental para a continuidade das atividades do IBCCRIM,cuja produção envolve a organização de cursos transmitidos para todo o Brasil, publicação de seus materiais, tais como monografias e boletim, e demais atividades de formação, reflexão e crítica acadêmica.

Nesta edição de 2019, alguns números já podem ser comemorados. A comissão organizadora, com a imprescindível dedicação do corpo de funcionários, sobretudo daqueles do núcleo de educação, bateu a marca histórica do número de escritórios patrocinadores, demonstrando que, não obstante as dificuldades econômicas atravessadas pelo país, os protagonistas do sistema de justiça criminal estão unidos em defesa dos valores democráticos e que o IBCCRIM se mantém fortalecido em defesa de suas bandeiras e princípios estatutários.

Um Seminário Internacional forte, com a maciça participação dos operadores críticos do sistema de justiça criminal, representa e muito neste recorte histórico do país, quando direitos e garantias fundamentais são atacados diariamente, a disputa de narrativas a respeito de fatos históricos é travada no cotidiano, e na medida em que institutos consagrados na Constituição Federal de 1988 são sistematicamente vilipendiados. Este é o período histórico em que se faz mais necessário estar unido em defesa dos direitos humanos, dos mais vulneráveis e das maiorias invisibilizadas, clientes preferenciais do sistema punitivo.

Essas populações vulnerabilizadas, por sua vez, não podem ser consideradas meros “objetos” inertes dos debates travados. Suas formulações teóricas e vivências concretas devem estar no centro das preocupações de qualquer evento de Ciências Criminais que se preze, sob pena de reprodução de práticas excludentes e francamente epistemicídas. É nesse sentido que atual gestão do IBCCRIM mantém compromisso inabalável com a promoção da diversidade em seu Seminário Internacional – compromisso este legado de diretorias anteriores –, seja com a cuidadosa construção da grade de palestrantes e temas debatidos, seja com uma agressiva política de bolsas e parcerias com organizações representativas da sociedade civil.

Em um mundo em que viver nele, como bem disse Ortega y Gasset, “tornou-se escandalosamente temporário”(1), o pensamento crítico é de importância estratégica para um necessário salto de qualidade que busque a superação do estado de inconstitucionalidades que permeia a cidadania. Neste período em que instituições e representantes de poderes democráticos flertam com posturas e narrativas autoritárias, eventos como o Seminário Internacional passam a ter ainda mais relevância como foco de resistência e irradiação do pensamento democrático.

Um dado concreto da sociedade tecnológica(2) da angústia é a busca por soluções “enlatadas”, medidas que sejam capazes de encurtar caminho. Nesse cenário surgem pacotes – ou embrulhos – divorciados da boa técnica constitucional, propondo recrudescimento e expansão punitiva; ou, como outra face da moeda, uma ampliada possibilidade de negociação e acordos penais, em que direitos elementares de defesa e devido processo são transigidos das formas mais escancaradas, levianas e desavergonhadas.

Acordos penais, lawfare, o fenômeno contemporâneo das fakenews, criptomoedas, revangeporn, racialidades e corrupção são alguns dos temas tratados nesta 25ª edição com os melhores e mais respeitados especialistas de cada tema do Brasil e exterior. É importante frisar que a maioria das mesas propostas foram extraídas dos questionários e pesquisas de satisfação respondidas por participantes de edições anteriores, estatísticas de pesquisa na biblioteca IBCCRIM e sugestões de associados membros da comissão organizadora. Esse é o modo de construção coletiva, visando agregar as mais variadas visões e experiências das escolas que integram a atual gestão IBCCRIM.

É certo que, segundo Morin,(3) aquilo que valia como conhecimento e tido como verdade não vale mais nesta época, séculos XX e XXI, em que a ciência e o desenvolvimento tecnológico produzem distâncias cada vez menores.(4) Essa é a lógica que informa a construção coletiva do Seminário Internacional, a consciência de que o conhecimento se renova e que para novas perguntas é necessária a elaboração de inovadoras respostas que sejam capazes de romper com as obviedades e o senso comum teórico. Essas são as vicissitudes de um mundo que se encontra como nas precisas palavras de Costa Andrade aberto à centrifugicidade e à surpresa dos problemas”.(5)

Por óbvio, em 25 anos de evento, muitas histórias curiosas e de irreverência são colecionadas. São participantes que perdem seus aparelhos celulares e entram em profundo desespero, são pessoas que disputam o último exemplar de respectiva obra na prateleira da editora, pois desejam o autógrafo do autor que está presente no evento, e que até solicitam tradução simultânea do português (de Portugal) para o português (do Brasil).

Ademais, momentos históricos são forjados desde o primeiro Seminário. Todos se recordam de uma polêmica vigorosa, no 1º Seminário Internacional, envolvendo o professor René Dotti e o catedrático alemão Klaus Tiedemann, com direito a sucessivas réplicas e tréplicas, momento este marcado como um dos melhores e mais instigantes debates ocorridos na história do evento. Tantos outros ocorreram e todos os associados podem ter acesso a este material – gravado em DVD – na biblioteca do Instituto.

Ademais, a trajetória luminosa deste evento, que chega em sua 25ª edição, não teria sido possível sem o empenho e as contribuições das diversas gestões que conduziram o IBCCRIM por tempos tomentosos e de consolidação democrática. À todas e todos que participaram dessa história, rendemos nossos mais sinceros agradecimentos.

Em tempos de profundo vazio e crise de alteridade, como já sublinhou Comte-Sponville,(6) eventos como o Seminário Internacional, além de servir para o reencontro de amigos a quem muitas vezes a geografia impede o convívio mais aproximado, cumprem a função de recarregar as baterias daqueles que diuturnamente lutam pelos direitos mais comezinhos em uma democracia, direitos estes, como já dito e sabido, constantemente ameaçados por uma política de extermínio da população socialmente marginalizada, sintoma/consequênciade um capitalismo necessariamente seletivo e excludente.

É com esse sentimento, em um mundo de aceleração sem limites,(7) que o IBCCRIM constrói a sua história, com mulheres e homens que lutam por um sistema de justiça capaz de reduzir sua violência, que seja apto a cumprir com os valores e princípios orientadores de uma democracia que tenha por base o respeito à Constituição, o desenvolvimento da cidadania plena e os Direitos Humanos.

Notas

(1)  Baumer, Franklin L. O pensamento europeu moderno. Rio de Janeiro: Edições 70, 1977, v. II. p.168.

(2)  Bruckner, Pascal. Filhos e vítimas: O tempo da inocência. In: Morin, Edgar; Prigogine, Ilya (org.). A sociedade em busca de valores: para fugir à alternativa entre o cepticismo e o dogmatismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.p. 51.

(3)  Morin, Edgar. O método 6: Ética. Trad. Juremir Machado da Silva. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.p. 69.

(4)  Virilio, Paul; Lotringer, Sylvere. Guerra Pura: militarização do cotidiano. Trad. Elza Miné e Laymert Garcia. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.71.

(5)  Andrade, Manuel da Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra, 1992.p. 19.

(6)  Comte-Sponville, André. Uma moral sem fundamento. In: Morin; Prigogine, op. cit., p. 142.

(7)  Virilio, Paul. Velocidade e Política. Trad. Celso M. Paciornik. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p. 123-125.



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