INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 290 - Janeiro/2017





 

Coordenador chefe:

Fernando Gardinali Caetano Dias

Coordenadores adjuntos:

Daniel Paulo Fontana Bragagnollo e Danilo Dias Ticami

Conselho Editorial

Alexandra Szafir: um exemplo de dedicação na luta pelo fortalecimento das garantias fundamentais

Conforme amplamente noticiado pelos meios de comunicação da área e também pelos veículos tradicionais, no último dia 4 de novembro a comunidade jurídica brasileira, profundamente entristecida, deparou-se com a notícia do falecimento da advogada criminalista e associada emérita do IBCCRIM, Alexandra Szafir, aos 50 anos de idade.

Diante da magnitude de tão irreparável perda, não se poderia deixar de prestar mais do que merecida homenagem a esta profissional que, com certeza absoluta, foi uma das maiores e mais importantes defensoras dos princípios basilares abraçados pelo Instituto. Daí o presente artigo, assinado com muito carinho por todos os membros da nossa Diretoria Executiva.

O caminho percorrido por Alexandra acaba se confundindo com o do próprio IBCCRIM à medida que ela era a personificação de vários predicados caros aos seus associados, como, por exemplo, o esforço por uma sociedade mais harmônica e menos violenta, a consolidação dos Direitos Humanos e dos instrumentos de limitação ao arbítrio estatal, além da defesa intransigente do sagrado direito de defesa e do devido processo legal.

A combatividade na atuação diária da advocacia criminal, o brilhantismo de suas peças e artigos jurídicos, a clareza de raciocínio nas sustentações orais e nos debates no Tribunal do Júri, a honestidade intelectual, o engajamento pela realização de justiça, a capacidade de provocar inconformismo com o estado de coisas, a participação em diversos espaços de cidadania (entre outros, o IDDD, de que foi sócia-fundadora), os incontáveis trabalhos voluntários (v.g., organização de mutirões carcerários) e a busca pelo respeito aos direitos de minorias, principalmente das mulheres. Essas eram algumas de suas habilidades que ficarão como exemplo eterno a ser seguido por todos.

A propósito, era fato notório a sua invejável facilidade em despertar respeito e admiração, inclusive por ”adversários” no mundo forense. Para aqueles que tiveram o privilégio de compartilhar o tempo e experiências com Alexandra, era comum observar elogios sinceros a respeito daquela defensora tecidos por Delegados de Polícia, Procuradores da República, Promotores de Justiça e Desembargadores conhecidos por seu rigor.

Em outras palavras, é verdadeiro afirmar que durante toda sua vida Alê (como ela gostava de ser chamada) conseguiu transcender o papel de mera advogada ou jurista, despertando nos outros uma autêntica vontade de enxergar a realidade de maneira mais humana e digna. Ela tratava a todos de modo igualmente generoso, pouco importando a posição social, o poderio econômico e/ou a capacidade intelectual dos sortudos que cruzavam o seu caminho. Mostra-se sintomático o fato de ela despender ainda mais energia para defender os diretos justamente dos menos favorecidos e mais pobres. Modelo de tratamento a ser imitado nesses tempos de egoísmo e individualismo.

Outro fator que justifica tamanha comoção com sua morte repousa na circunstância de ela ter lutado bravamente contra uma neuropatia degenerativa (ELA – Esclerose Lateral Amiotrófica) por mais de onze anos, dez deles com restrição total de movimentos. E o mais incrível: durante esse período, além de ser agraciada com diversos prêmios e homenagens (dentre as quais estão a linda cerimônia realizada no nosso 20º Seminário Internacional ou a premiação de Advocacia Solidária do TJSP), Alexandra conseguiu escrever e publicar dois livros com uma compilação de ‘causos’ de sua vasta experiência advocatícia pro Bono.(1) Ambos redigidos por meio de programas de computadores.

Ou seja, nem mesmo uma doença gravíssima e com tamanho grau de incapacitação foi suficiente para limitar a atuação ativa tanto no campo da literatura quanto no dia a dia forense, afinal ela continuava fazendo questão de se deslocar a todos os lugares para defender suas ideias e influenciar pessoas. Isso sem falar no trabalho de auxílio aos portadores da mesma enfermidade e conscientização da população em geral acerca das características da ELA.(2)

Não por acaso, era muito comum ouvir relatos de Professores e alunos de várias Faculdades de Direito que utilizavam seus livros como parte do programa didático e como inspiração para os que estavam iniciando sua caminhada profissional. É um alento saber que futuros atores jurídicos já terão tido acesso à sensibilidade social e à humanidade exaladas de suas obras.

A doação de Alexandra para as causas em que acreditava era tamanha que, nos últimos anos, ela se dedicou a colaborar com uma coluna mensal neste Boletim – chamada, como não poderia deixar de ser, Descasos – na qual narrava as situações de desrespeito à dignidade e às garantias processuais dos mais pobres. Sempre por meio do sistema de digitação num teclado virtual que captava o seu olhar. Que fibra, que vontade de viver e de ajudar as pessoas!

Assim, chega a ser curioso que Alexandra tenha nos deixado justo num ano em que todos assistimos estupefatos ao recrudescimento do sistema de penas e dos abusos e arbítrios praticados por agentes do Estado, em inegável detrimento das garantias fundamentais e do direito de defesa do cidadão. Pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que a turba que clama por justiçamento a qualquer custo não agiria dessa forma se tivesse tido contato com a obra ou a praxis da Alê.

Então, com dor no coração e ainda chorando a privação do contato físico com ela, é que o IBCCRIM deseja que, durante o ano que se inicia, coloquemos em prática seu legado no propósito de colaborarmos para o fortalecimento do Estado Constitucional de Direito, além do viés humanista desse exemplo de ser humano. Que isso nos dê forças para seguirmos no caminho dos princípios encartados em nosso Estatuto. E fica o nosso recado: obrigado por tudo, Alexa!

Notas

(1)São as obras ‘Descasos I e II – uma advogada às voltas com o direito dos excluídos’, lançados pela editora Saraiva.

(2) A título de exemplo, cabe lembrar que a renda decorrente da venda dos livros e dos últimos aniversários foram destinadas à ABRELA (Associação Brasileira dos Portadores de ELA).

DIRETORIA EXECUTIVA
Gestão 2015/2016

Andre Pires de Andrade Kehdi
Alberto Silva Franco
Cristiano Avila Maronna
Fábio Tofic Simantob
Eleonora Rangel Nacif
Fernanda Regina Vilares
Cecília de Souza Santos
Carlos Isa



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