INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 286 - Setembro/2016





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

Direito Penal. Tráfico de drogas/entorpecentes. Tráfico de drogas/entorpecentes privilegiado. Afastamento da hediondez. Redução da pena quando o agente for primário, tenha bons antecedentes e não se dedica à atividade criminosa ou integre organização criminosa. Direito subjetivo do réu. Princípio da proporcionalidade. Princípio da razoabilidade. Relação equilibrada entre gravidade do fato e a gravidade da pena.

Vara de Execuções Criminais da Comarca de Londrina Processo 038123- 8.2016.8.16.0014 j. 28.06.2016 – public. 29.06.2016

Vistos

O sentenciado J. O. S., atualmente cumprindo pena em regime fechado, em decorrência de condenação pela prática de crime previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, à pena de 04 anos e 02 meses de reclusão (...), requer à seq. 12.1, o afastamento da hediondez do delito perpetrado, eis que em sede de condenação foi reconhecida a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, §4º da Lei de Drogas. Para tanto, sustenta que o Supremo Tribunal Federal assim decidiu no HC. 118.533/MS.

(...)

Decido.

Recentemente, em 23.06.2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC sob n. 118.533/MS, por maioria dos votos entendeu que o delito tráfico de drogas, quando aplicada a causa de diminuição de pena prevista no §4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, qual seja, a modalidade privilegiada – conferida aos agentes primários, de bons antecedentes criminais e desde que não se dediquem à atividade criminosa, nem integrem organização criminosa – afasta, necessariamente a hediondez do delito.

Acordaram da seguinte maneira:

“O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, concedeu a ordem para afastar a natureza hedionda do tráfico privilegiado de drogas”.

Muito embora o acórdão não possua efeito vinculante, tampouco erga omnes, eis que proferido em sede de Habeas Corpus, não se pode ignorá-lo, porquanto emanado da mais alta Corte do país.

Inicialmente, em que pese a doutrina e jurisprudência denominar a causa de diminuição da pena prevista no §4º do artigo 33, da Lei 11.343/06, de tráfico privilegiado, “tecnicamente não se trata de privilégio, porquanto o legislador não inseriu um novo mínimo e um novo máximo de pena privativa de liberdade. Limitou-se apenas a prever a possibilidade de diminuição de pena de um sexto a dois terços. Logo, não se trata de privilégio, mas sim de verdadeira causa de diminuição de pena”.(1) Todavia, valer-me-ei, nesta decisão, do termo privilegiado para descrever a caracterização da causa de diminuição de pena.

O crime de tráfico de drogas, previsto no artigo 33 e seguintes da Lei 11.343/06, em suas inúmeras modalidades e condutas tipificadoras, nos termos do inciso XLIII do artigo 5º da Carta Política e artigo 2º da Lei 8.072/90, são considerados equiparados a hediondo para todos os fins. Tal rotulação se estende também ao tráfico de drogas na sua modalidade privilegiada, tanto é que inúmeras vezes foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, que decidiu da seguinte maneira:

(...) 2. A minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, não retirou o caráter hediondo do crime de tráfico de entorpecentes, limitando-se, por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a abrandar a pena do pequeno e eventual traficante, em contrapartida com o grande e contumaz traficante, ao qual a Lei de Drogas conferiu punição mais rigorosa que a prevista na lei anterior. (...) (HC 114452 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 16/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-220 DIVULG 07-11-2012 PUBLIC 08-11-2012) (grifo nosso).

(...)

Como se nota, são extensos os efeitos decorrentes da equiparação a crime hediondo do delito de tráfico ilícito de entorpecentes na modalidade privilegiado, efeitos estes que muitas vezes se mostram demasiadamente desproporcionais à luz da pena imposta, que, ressalto, não raras vezes atingem o patamar de 01 ano e 08 meses de reclusão em decorrência da causa de diminuição de pena oriundo do reconhecimento do tráfico privilegiado.

Partindo desse pressuposto, somado à intenção do legislador, consoante extrai-se da Exposição de Motivos da Lei 11.343/06, que entendeu pertinente e necessário dar tratamento diferenciado aos traficantes profissional e ocasional, este último, via de regra, dependente de droga, com a possibilidade de redução da pena e tratamento mais brando se comparado ao primeiro, “de forma a lhe proporcionar uma oportunidade mais rápida de ressocialização”,(2) desde que preenchidos inúmeros requisitos cumulativos, os quais, segundo o §4º, do artigo 33, da aludida Lei, consubstanciam-se em; a) agente primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; d) nem integre organização criminosa; soa-me demasiadamente desproporcional (art. 5º, LIV, CF/88) exigir os mesmos requisitos e impor as mesmas vedações constitucionais e legais ao traficante ocasional e profissional.

(...)

Não se pode olvidar, ademais, que grande parte dos reclusos, seja preventivamente, seja em cumprimento de pena, são, além dos traficantes ocasionais, incluindo-se as “mulas”, as mulheres que adentram ou tentam adentrar nos presídios na posse de substância entorpecentes visando entregar ao familiar que se encontra preso, fato que evidencia, mais uma vez, a desproporcionalidade da equiparação a delito hediondo, no que tange a esses sujeitos.

Não só na aplicação da pena deve prevalecer o tratamento mais brando ao traficante ocasional. Entendo que deva também incidir na Execução Penal e no próprio cumprimento da pena do sentenciado tal individualização, eis que somente dessa maneira dar-se-á efetiva aplicação ao privilégio conferido ao traficante ocasional, ou seja, à finalidade da previsão legal, em especial razão, que muito “embora, com a prática delitiva, nasça, para o Estado, a pretensão punitiva pelo vilipêndio ao bem jurídico tutelado pela norma penal, é com a execução da sentença que se dá vida à sanção social”.(3)

Nada obstante, a medida que vinha até então sendo adotada, de considerar o crime de tráfico de drogas privilegiado, previsto no §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06, equiparado a hediondo, confronta sobremaneira a própria benesse conferida pelo legislador ao agente que satisfaz os requisitos cumulativos para tanto.

Uma vez preenchidos os requisitos caracterizadores do tráfico privilegiado, e dessa forma condenado, exigir deste sentenciado o cumprimento de montante superior da pena para a progressão de regime e livramento condicional, bem como vedar a concessão das benesses de indulto e comutação de pena, é medida demasiadamente desproporcional, bem como, contrária à própria Lei de Drogas, eis que, malgrado o crime por ele praticado, não estão presentes circunstâncias delitivas que pontuam a gravidade do delito, tampouco pessoais que exprimem a necessária segregação do apenado por maior prazo ao criminoso comum, que, muitas vezes, perpetra crime com violência ou grave ameaça à pessoa, muito pelo contrário, a constatação desses requisitos demonstra que se trata de fato isolado na vida do agente.

(...)

A interpretação dada à legislação se tornou abusiva, pois passou a tratar sujeitos desiguais de mesma forma. Assim, evidencia-se o necessário controle difuso de constitucionalidade porquanto a previsão legal de equiparação do delito em apreço a hediondo ofende o princípio constitucional da proporcionalidade.

O crime de tráfico de drogas privilegiado não constitui tipo penal autônomo, é considerado, doutro modo, causa de diminuição de pena sui generis, de modo que torna a conduta perpetrada pelo beneficiário do §4, do artigo 33, da Lei 11.343/06, imbuída com o mesmo desvalor penal da conduta praticada pelo traficante profissional, contudo, consoante o exaustivamente exposto, o tratamento diferenciado é necessário em decorrência do sujeito, e não da conduta que pratica.

Além disso, “cumpre assinalar que o crime de associação para o tráfico, que reclama liame subjetivo estável e habitual direcionado à consecução da traficância, não é equiparado a hediondo.

Ou seja, afirmar que o tráfico minorado é hediondo significaria que a lei ordinária conferiria ao traficante ocasional tratamento penal mais severo que o dispensado ao agente que se associa de forma estável para exercer a traficância de modo habitual”. (5)

Dessa forma, em sede de controle difuso de constitucionalidade, e com respaldo no princípio da proporcionalidade, em harmonia com o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no HC 118.533/MS, DEFIRO o pedido e DETERMINO a retificação do relatório da situação processual executória do sentenciado para não mais considerar o crime de Tráfico de Drogas na modalidade Privilegiado, por ele praticado, como equiparado a hediondo.

(...)

Notas

(1)  LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. V. único, 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016. p.756.

(2)  LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. V. único, 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2016. p.756.

(3)  PRADO, Luiz Regis, et. al. Direito de Execução Penal, 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 35.

(...)

(5)  Voto Ministro Luis Edson Fachin, HC 118.533/MS.

Katsujo Nakadomari
Juiz de Direito.



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