INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 286 - Setembro/2016





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

O DIREITO POR QUEM O FAZ

Supremo Tribunal Federal

Direito Penal. Tráfico internacional de drogas / entorpecentes. Criminalização primária do porte de drogas / entorpecentes para consumo próprio. Direito à intimidade. Sistemas prisionais. Superlotação. Bem jurídico. Inexpressiva lesão ao bem jurídico protegido.

Monocrática HC 131.310 j. 22.02.2016 – public. 25.02.2016 Cadastro IBCCRIM 3496

1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de concessão de liminar, impetrado contra acórdão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, da Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (...).

2. Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática dos crimes previstos nos artigos 28, caput, e 33, caput, da Lei

nº 11.343/06, acusado de importar pela internet “matéria prima e insumo destinado à preparação de drogas, especificamente 0,10 (dez decigramas) de sementes de Cannabis SativaLinneu (maconha), bem assim adquirido, para consumo pessoal, 0,52 (cinquenta e dois centigramas) de drogas, Sálvia x, (Salvironina A’), substância psicotrópica de uso proscrito no Brasil...”.

3. Em seguida, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, pleiteando a aplicação, no caso, do princípio da insignificância penal.

4. Denegada a ordem, foi interposto recurso ordinário no Superior Tribunal de Justiça. O recurso não foi provido.

5. Neste habeas corpus, a parte impetrante insiste na aplicabilidade, ao caso, do princípio da insignificância. Alega que a quantidade de droga “seria incapaz de afetar ou comprometer a livre volição do Paciente ou a saúde pública, o que afasta qualquer possibilidade de lesão ou mesmo de ameaça de lesão à saúde pública”. Daí o pedido de concessão da ordem para que a denúncia oferecida em desfavor do paciente seja rejeita por atipicidade material da conduta.

Decido.

6. A liminar deve ser deferida.

7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou, no dia 20.08.2015, o julgamento do RE 635.659-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, no ponto em que se criminaliza o porte de pequenas quantidades de entorpecentes para uso pessoal.

8. Na oportunidade, votei pelo provimento do extraordinário, em voto assim ementado:

“Direito Penal. Recurso Extraordinário. art. 28 da Lei nº 11.343/2006. Inconstitucionalidade da Criminalização do Porte de Drogas para Consumo Pessoal. Violação aos Direitos à Intimidade, à Vida Privada e à Autonomia, e ao Princípio da Proporcionalidade. A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é medida constitucionalmente legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas. Entre as razões pragmáticas, incluem-se (i) o fracasso da atual política de drogas, (ii) o alto custo do encarceramento em massa para a sociedade, e (iii) os prejuízos à saúde pública. As razões jurídicas que justificam e legitimam a descriminalização são (i) o direito à privacidade, (ii) a autonomia individual, e (iii) a desproporcionalidade da punição de conduta que não afeta a esfera jurídica de terceiros, nem é meio idôneo para promover a saúde pública. Independentemente de qual­quer juízo que se faça acerca da constitucionalidade da criminalização, impõe-se

a determinação de um parâmetro objetivo capaz de distinguir consumo pessoal e tráfico de drogas. A ausência de critério dessa natureza produz um efeito discriminatório, na medida em que, na prática, ricos são tratados como usuários e pobres como traficantes. À luz dos estudos e critérios existentes e praticados no mundo, recomenda-se a adoção do critério seguido por Portugal, que, como regra geral, não considera tráfico a posse de até 25 gramas de Cannabis. No tocante ao cultivo de pequenas quantidades para consumo próprio, o limite proposto é de 6 plantas fêmeas. Os critérios indicados acima são meramente referenciais, de modo que o juiz não está impedido de considerar, no caso concreto, que quantidades superiores de droga sejam destinadas para uso próprio, nem que quantidades inferiores sejam valoradas como tráfico, estabelecendo-se nesta última hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação e órgãos julgadores. Em qualquer caso, tais referenciais deverão prevalecer até que o Congresso Nacional venha a prover a respeito. Provimento do recurso extraordinário e absolvição do recorrente, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “É inconstitucional a tipificação das condutas previstas no artigo 28 da Lei no 11.343/2006, que criminalizam o porte de drogas para consumo pessoal. Para os fins da Lei nº 11.343/2006, será presumido usuário o indivíduo que estiver em posse de até 25 gramas de maconha ou de seis plantas fêmeas. O juiz poderá considerar, à luz do caso concreto, (i) a atipicidade de condutas que envolvam quantidades mais elevadas, pela destinação a uso próprio, e (ii) a caracterização das condutas previstas no art. 33 (tráfico) da mesma Lei mesmo na posse de quantidades menores de 25 gramas, estabelecendo-se nesta hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação e órgãos julgadores.”

9. Muito embora tenha ocorrido a suspensão do julgamento (diante do pedido de vista do Ministro Teori Zavascki), penso que o pronunciamento da Corte pode interferir na solução deste habeas corpus.

10. No caso de que se trata, o paciente, primário e de bons antecedentes, está sendo processado por importar da Holanda, pela internet, 05 (cinco) sementes de maconha e 0,52g de substância psicotrópica de uso proscrito no Brasil (“Sálvia ‘x’ - Salvironina ‘A’”). Além disso, tendo em conta que o paciente importou em seu próprio nome e endereço tais substâncias pois “não tinha noção de que estava importando produto proibido”, o próprio magistrado da causa considerou que as condutas se subsumem, unicamente, ao art. 28 da Lei de Drogas.

11. Diante do exposto, considerando as particularidades da causa, sobretudo a reduzida quantidade de substância entorpecente para uso próprio, defiro a liminar para suspender a tramitação da ação penal na origem.

(...)

Publique-se.

Comunique-se.

Luís Roberto Barroso
Relator.



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