José Carlos Abissamra Filho
Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos
Autor: Alexandra Lebelson Szafir
A aprazível cidade de Bragança Paulista só conta com dois defensores públicos. Este é, provavelmente, o motivo pelo qual eles não atuam no Tribunal do Júri (somente em Varas Criminais e das Execuções Criminais).
Assim, os casos de competência do Tribunal do Júri ficam a cargo de advogados integrantes do convênio com a OAB. O problema é que, até o início deste ano, este convênio tinha um único advogado inscrito, o qual cuidava de todos os casos de réu sem defensor, até que, talvez por conta do excesso de trabalho, esse advogado se desvinculou do convênio.
A diretora do Cartório do Júri, compreensivelmente, ficou desesperada e saiu à procura de advogados que pudessem atuar pelo convênio em defesa dos réus necessitados.
Para a sorte de alguns acusados, o presidente da OAB local conhecia a exímia advogada Juliana Furukawa e expôs a situação a ela.
A Dra. Juliana preferiu atuar pro bono em alguns casos, em vez de se vincular ao convênio e ser obrigada a advogar em todos. Então, ela foi “apresentada” ao caso de Marcos Roberto dos Santos.([1] )
Natural de Sergipe, Marcos, seguindo o caminho de tantos outros, estava em São Paulo havia quatro anos para trabalhar. Morava em um alojamento de uma empresa de frigorífico e não tinha ninguém da família em São Paulo.
Um dia, bebendo com um colega de trabalho, com quem já tivera alguma desavença, travaram uma discussão e Marcos acabou lhe dando uma facada. Foi preso em flagrante e denunciado por tentativa de homicídio simples. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva. A denúncia foi recebida e era necessário citar o réu.
Daí, ocorreu o primeiro de uma série de descasos. Embora se tratasse de nome comum,([2] ) o escrevente responsável não checou os dados do réu e certificou que Marcos estava no Centro de Progressão Penitenciária (CPP) de Bauru I.
Caso estivesse minimamente interessado, o funcionário teria se dado conta do equívoco, pois os CPPs, como se sabe, são para presos em regime semiaberto, incompatível com a prisão preventiva a que Marcos se submetia.
O erro do funcionário custou a Marcos quase dois meses de prisão, tempo que a Carta Precatória demorou para ser expedida e voltar sem cumprimento.
Expediu-se nova Carta Precatória, desta vez para o Centro de Detenção Provisória de Jundiaí, onde, como de costume, ficam os presos de Bragança Paulista. Esta precatória levou nada menos que três meses para ser cumprida.
Leitor, faça as contas: CINCO MESES só para citar o réu!
Mas Marcos cometeu o maior dos pecados: o de ser pobre e não ter dinheiro para constituir um advogado. Diante de tal informação, oficiou-se à OAB local para que indicasse um defensor. Isso feito, intimou-se o advogado a oferecer a defesa preliminar. O causídico, no entanto e surpreendentemente, manteve-se inerte. Ele foi novamente intimado e mais uma vez nada fez.
Essa desídia custou a Marcos mais três meses de prisão, período em que o processo permaneceu parado!
Determinada a substituição do advogado, desta vez nomeou-se um defensor inscrito no convênio entre a Defensoria Pública e a Subsecção de Atibaia. O defensor aceitou a nomeação e requereu cópia dos autos, mas, intimado a neles se manifestar, nada fez. Isso custou a Marcos mais três meses de prisão.
O processo estava nesse pé quando chegou às mãos da Dra. Juliana Furukawa. Marcos estava preso havia um ano e um mês sem que houvesse sequer defesa preliminar (e muito menos pedido de liberdade). Um escárnio!
Quando foi visitá-lo, ele fez a pergunta para a qual não havia resposta satisfatória: “Doutora, por que eu ainda não fui chamado para ir ao Fórum?”.
A Dra. Juliana peticionou, expôs os fatos (ou a ausência deles) e requereu a liberdade de Marcos em razão do manifesto excesso de prazo. Contou com a concordância do Ministério Público. O juiz, sensível à dramática situação, determinou a soltura de Marcos.
Juliana foi acompanhar a soltura, que se deu em uma sexta-feira à noite. Demonstrando rara sensibilidade, levou uma muda de roupas do marido dela, pois Marcos foi solto apenas com o uniforme do presídio.
A história de Marcos acabou bem, mas quatro perguntas ficam no ar:
E se Marcos não tivesse contado com a Dra. Juliana?
Quem paga pelo tempo que ele passou na cadeia?
Quantos existem Brasil afora na mesma situação, presos por serem pobres demais para constituir advogado?
Por fim, o que o CNJ e a Corregedoria, órgãos que além das atribuições punitivas, têm o de planejar, estão fazendo para que fatos como esses não se repitam?
Alexandra Lebelson Szafir
Advogada.
[1] ( ) Os leitores da coluna “Descasos” sabem que temos por hábito trocar os nomes de seus “personagens”. No decorrer do texto, os leitores entenderão por que isso não foi feito neste caso específico.
[2] ( ) Basta uma simples consulta ao site do Tribunal de Justiça de São Paulo para verificar que existem cerca de 40 execuções em nome de Marcos Roberto dos Santos.
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