INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 281 - Abril/2016





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

Denúncia genérica baseada em procedimento fiscal: a indispensável necessidade de diligências pré-processuais

Autor: Filipe Knaak Sodré

Já se tornou parte comum do cenário jurídico, tratando-se de crimes tributários praticados em atividade empresarial, o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público contra os sócios ou administradores da sociedade sem a individualização da conduta praticada por cada denunciado, a chamada “denúncia genérica”.

Tal modalidade de denúncia, que a nosso ver flerta perigosamente com a responsabilização objetiva, inadmissível em Direito Penal, tem reiteradamente encontrado abrigo na jurisprudência sob o argumento de existirem “reconhecidas dificuldades da Polícia Judiciária para apurar a autoria daquelas infrações penais praticadas no âmbito societário”,([1] ) o que terminaria por inviabilizar a persecução penal.

Entretanto, o que se vê cada vez mais são denúncias nessas condições amparadas única e exclusivamente no procedimento administrativo fiscal que culminou no lançamento do tributo devido pela empresa irregular ou em representação fiscal para fins penais assinada por auditor da receita. Há casos mesmo em que não há sequer testemunhas arroladas ou qualquer outro tipo de meio probatório requerido pelo órgão acusatório.

Em nosso entendimento, oferecer-se a denúncia tão somente com este lastro retira a plausibilidade do argumento antes citado, devendo o juiz rejeitá-la.

Isso porque o procedimento fiscal baseia-se em outros pressupostos, insuficientes ao Direito Penal. Ali, a preocupação principal é simplesmente a existência ou não de um valor devido à administração. Sendo objetiva a responsabilidade tributária do sócio/administrador, pouca atenção merecem ali os conceitos de autoria, dolo ou culpa que, por outro lado, são absolutamente essenciais para a verificação sobre a configuração de uma conduta típica penal.

Ora, é indispensável ao menos a tentativa de esclarecimento em relação à autoria por parte do órgão ministerial, como parte do correto exercício de suas funções institucionais, tendo à sua disposição amplos poderes:

Art. 7.º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:

(...)

II – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas”.

Há de ser lembrado, logo, que o Código de Processo Penal, em seu art. 4.º, estabelece que a Polícia Judiciária tem justamente como uma de suas atribuições a apuração de autoria de infrações penais, e que as dificuldades na investigação de crimes societários não podem ser presumidas, mas sim observadas concretamente. Com efeito, não se pode pretender existirem os mesmos obstáculos na investigação de uma empresa de pequeno ou médio porte que existiriam em uma corporação multinacional. A mera invocação da possiblidade de existência de crime societário não pode ser uma autorização para que a acusação se exima do mínimo esforço em dar substância à denúncia por meio da realização de diligências pré-processuais.

Nem se diga que haveria qualquer prejuízo à persecução penal ao adotar esse entendimento, vez que o risco de prescrição é baixíssimo. A denúncia só pode ser oferecida em crimes tributários após o lançamento definitivo do tributo, considerado momento de consumação do crime pela jurisprudência consolidada,([2] ) sendo o prazo prescricional, com base na pena máxima cominada aos crimes de sonegação fiscal (art. 1.º da Lei 8.137/1990) e de apropriação indébita previdenciária (art. 168/A do CP), de doze anos, tempo muito mais que suficiente para uma investigação sobre a autoria dos fatos.

Repetimos: não se trata de obrigar o Ministério Público a esclarecer completamente os fatos, mas sim de compromissá-lo a esgotar todos os meios possíveis para a consecução desse fim antes de aceitar uma denúncia genérica que fatalmente trará enormes prejuízos à defesa dos réus, além do próprio peso inegável que o processo penal traz à vida de todo acusado.

Portanto, nada mais correto do que a rejeição da denúncia em casos como esses, até porque não obstará a apresentação de nova inicial, dispondo-se o Parquet a realizar o mínimo de diligências preparatórias. E o Estado de Direito sai fortalecido.

Filipe Knaak Sodré
Mestrando em Ciências Criminológico-Forenses na Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES (Buenos Aires – ARG).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Advogado.

Notas

[1] Malan, Diogo Rudge. Considerações sobre os crimes contra a ordem tributária. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, v. 865, p. 450-481, São Paulo: RT, 2007.

[2] STF – Súmula Vinculante 24: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1.º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040