INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 281 - Abril/2016





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

Presunção de inocência: jurisprudência anotada - Execução provisória da pena

Autor: Geraldo Prado

Ementa

Recurso Especial. Embargos de Declaração. Alegação de omissão, fraude ao caráter competitivo e corrupção passiva. Atipicidade. Não ocorrência. Objetivo de prequestionamento de matéria constitucional. Impossibilidade. Pedido do Ministério Público para início da execução provisória. Presunção de não culpabilidade. Marco definidor. Réu condenado pelo Tribunal de origem. Prerrogativa de função. Recurso especial já analisado. Ausência de efeito suspensivo. Novas diretrizes do STF. Possibilidade.(STJ – 6.ª T. – EDcl no REsp 1.484.415 – rel. Rogerio Schietti Cruz – j. 03.03.2016 – public. 07.03.2016 – Cadastro IBCCRIM 3411)

Anotação

1. Introdução

Trata-se da análise de acórdão proferido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no âmbito dos Embargos de Declaração em Recurso Especial( [1] ) supramencionados.

A apreciação estará circunscrita à decisão do órgão colegiado relativamente ao deferimento de pleito do Ministério Público pelo imediato início da execução penal, na esteira do decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ocasião do julgamento do HC 126.292/SP, em 17.02.2016, que modificou a orientação sobre o tema definida pelo STF na oportunidade do julgamento do HC 84.078-7/MG, em 05.02.2009.

Releva notar que, no que concerne ao tema da execução provisória da pena, pronunciei-me no Boletim n. 277, em dezembro último, em artigo intitulado “O trânsito em julgado da decisão condenatória”,( [2] ) para o qual remeto o leitor.

Em linhas gerais os argumentos empregados no acórdão apreciado foram os seguintes: a) incidência imediata do novo posicionamento do STF, sem prejuízo do fato de o acórdão paradigmática ainda pender de publicação; b) afirmação de que o direito é disciplina prática, de que decorreria, segundo o voto condutor, a legitimidade de se buscar ancoragem na realidade, tal seja, validade prática; c) em consequência, o tribunal contabiliza o número de 20 (vinte) meios de impugnação da revisão de ato jurisdicional, quantidade definida no voto como assustadora; d) este conjunto de meios de impugnação seria algo originalmente brasileiro, acrescido de uma elástica interpretação e aplicação do instituto do habeas corpus; e) do diagnóstico da indesejável multiplicidade de meios de impugnação o acórdão adere à tese de que ao STF compete papel decisivo de nova arrumação do sistema recursal, compatibilizando os interesses individuais e sociais que permeiam tanto a persecução quanto a punição de autores de condutas criminosas. Assentada nessas premissas, a Sexta Turma do STJ deliberou aplicar imediatamente a nova orientação do STF e acolheu o requerimento do Ministério Público para determinar a pronta expedição de mandado de prisão do embargante.

Releva advertir que o colegiado ressalvou a não aplicação do novo entendimento, com fundamento no poder geral de cautela do tribunal, em casos de verossimilhança das alegações deduzidas pela parte, em hipóteses de manifesta contrariedade com a jurisprudência da Corte a que se destina a impugnação.

À partida hão de ser observados os limites da análise no Boletim do IBCCRIM, em matéria complexa e de graves consequências. Temas delicados como a eficácia vinculante das decisões em controle de constitucionalidade justificam abordagem sistemática e aprofundada, incabível na espécie, razão pela qual seguem tão somente alguns apontamentos, com as respectivas indicações bibliográficas.

2. Da incidência imediata de julgado ainda provisório

As primeiras considerações ponderam o fato de o julgado paradigmático pender de publicação. Releva notar que a matéria decidida no HC 126.292/SP, pelo STF, pode ser impugnada por Embargos de Declaração, o que é razoável pois, como sublinha o voto condutor no STJ, o que se têm são os votos orais dos ministros do STF e há questão a respeito da qual o Supremo deverá se confrontar, acerca da declaração de inconstitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal (CPP).( [3] )

Isso é assim porque a decisão anterior, em relação a qual o STF diverge, foi tomada em habeas corpus, todavia com declaração de inconstitucionalidade da execução provisória da pena.

Não custa reproduzir trecho da ementa do acórdão do julgamento de 2009:

“Ementa: Habeas Corpus. Inconstitucionalidade da chamada ‘execução antecipada da pena’. Art. 5.º, LVII, da Constituição do Brasil. Dignidade da Pessoa Humana. Art. 1º, III, da Constituição do Brasil”.

Como é sabido, no contexto amplo das modalidades de controle de constitucionalidade, com as variantes do controle judicial repressivo, difuso ou concentrado, por via incidental ou de ação direta e também por meio da interpretação conforme à Constituição, os efeitos que resultam do reconhecimento da declaração de inconstitucionalidade não são equiparáveis aos da declaração de constitucionalidade.

Certo que a doutrina, apoiada no entendimento esposado pelo jurista Teori Zavascki, sustenta a eficácia vinculante da declaração de inconstitucionalidade. ( [4] ) Como acentua Ana Paula Oliveira Ávila, “a declaração de inconstitucionalidade de uma norma importa a sua exclusão do ordenamento jurídico”. ( [5] ) E acrescenta: “Não há mais norma válida ou vigente, a norma é tornada um ‘nada’ (vernichten) ou, como dizem alguns, é expulsa do ordenamento”. ( [6] )

Justifica-se, portanto, a prudência, relativamente à imediata adoção de posição revisora de declaração de inconstitucionalidade, em especial porque no que concerne ao objeto da citada declaração não há dúvida, bastando ler o voto do e. ministro Eros Grau, de que o Supremo deliberou pela inconstitucionalidade da norma decorrente de preceito dispositivo (art. 637 do CPP) ( [7] ) que disciplinava a não incidência de efeito suspensivo em recurso extraordinário, em matéria penal.

A nova orientação do STF, portanto, não configura questão simples. Admitindo-se a validade da revisão, estar-se-á diante da repristinação do mencionado art. 637 do CPP, algo que a toda evidência reclama a cautela de aguardar o resultado definitivo do recente julgamento.

Convém aqui ressaltar que até que se tenha consolidado o julgamento do HC 126.292 do Supremo, a real condição da decisão do STJ é de desafio à decisão do Supremo, pois que, nas palavras de Ana Paula Oliveira Ávila, em concreto se está a aplicar uma “não lei”. Salienta a jurista: “a eficácia vinculante [da declaração de inconstitucionalidade] impõe-se em termos absolutos: nada mais há para ser discutido a respeito da norma, pois não há mais norma enquanto tal”. [8]

A propósito da eficácia erga omnes na declaração de inconstitucionalidade, proferida em ação direta de inconstitucionalidade, Gilmar Mendes leciona que “aceita a ideia de nulidade da lei inconstitucional, sua eventual aplicação após a declaração de inconstitucionalidade equivaleria à aplicação de cláusula juridicamente inexistente”. [9] Não há no ponto distinção entre interpretação conforme, controle abstrato ou concreto de constitucionalidade.

O problema que o STF há de enfrentar diz com a possibilidade de revisão do seu próprio entendimento, à luz das considerações anteriores. A questão posta ao STJ é outra: enquanto não definida pelo Supremo a mudança de posição, qualquer decisão do Superior Tribunal de Justiça que discrepe da orientação de 2009 importa aplicação de uma “não lei”.

Releva notar que a matéria reapreciada pelo STF não decorreu de superveniência de lei de teor idêntico à do art. 637 do CPP. Ao revés, o que ocorreu foi a revisão do entendimento – ainda aguardando a comunidade a revelação completa dos novos fundamentos – motivo pelo qual, sem o acórdão definitivo, a solução adotada pelo STJ fere o art. 28, parágrafo único, da Lei 9.868/1999, [10] que dispõe que mesmo a interpretação conforme tem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. [11]

A dificuldade anterior é potencializada quando são enfocados os argumentos aduzidos no voto condutor do acórdão do STJ. Lembra uma vez mais Gilmar Mendes a problemática dos limites objetivos do efeito vinculante, no que concerne aos “fundamentos determinantes” da decisão. [12]

Contrariar a decisão proferida no HC 84.078-7/MG significa contrariar também seus fundamentos, em especial o que aduz, segundo o ministro Eros Grau, que “a comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço [da antecipação da execução penal – item n. 6 da ementa]”.

A argumentação pragmática empregada pela Sexta Turma do STJ – a contabilidade de 20 (vinte) meios de impugnação da revisão de ato jurisdicional e a suposta interpretação elástica do instituto do habeas corpus – está ao abrigo dos fundamentos determinantes da decisão do HC 84.078-7/MG. Aguardar a norma decisória concreta, que depende da publicação do acórdão do HC 126.292 e de eventual decisão de Embargos de Declaração, é imprescindível porque por ora a pragmática – motivos determinantes – está do lado da decisão de 2009.

O STJ está sujeito “à amplitude transcendente ao caso concreto” dos efeitos vinculantes da decisão do HC 84.078-7/MG. Se é controverso possa o próprio STF rever seu entendimento, na hipótese de anterior declaração de inconstitucionalidade, é incontroverso que o STJ não pode rever o entendimento do STF a partir da desconsideração dos motivos determinantes da decisão anterior.

No que se refere ao Supremo, a questão posta não é apenas de autovinculação aos motivos determinantes da anterior declaração de inconstitucionalidade, mas da (im)possibilidade de repristinação do art. 637 do CPP, particularmente porque lei posterior à decisão de 2009 incorporou ao Código de Processo Penal regra que condiciona a prisão ao trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 283).

Por fim, remeto o leitor ao texto publicado no Boletim 277 (dezembro de 2015), para insistir em alguns pontos, que foram mencionados no acórdão da Sexta Turma do STJ: a) há imensa diferença entre a dimensão prática do direito – o direito como conjunto de práticas sociais – e a experiência extraída do mundo da vida em contrariedade a preceito dispositivo expresso. O direito é prática social, mas esta análise é própria da sociologia, que investiga as questões e contradições que decorrem disso. Não pode o tribunal, insatisfeito com a prática, violar a separação dos poderes e ignorar os preceitos dispositivos para elaborar a sua própria lei. A obra de Gustavo Zagrebelsky, citada no acórdão da Sexta Turma, não leva à conclusão albergada na decisão do STJ; b) o modelo brasileiro de presunção de inocência não pode ser comparado a outros cujos fundamentos constitucionais são distintos. Como realcei no artigo mencionado, a culpabilidade no direito norte-americano é fática; no brasileiro é jurídica, condicionada ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Há razões históricas para o tratamento diferenciado. Isso, todavia, não importa, porque não faz sentido querer aplicar a interpretação da Constituição norte-americana (e de suas emendas) ao direito brasileiro em contrariedade ao texto expresso da nossa Constituição.

3. Conclusão

Em linhas gerais e muito sinteticamente não vejo apoio jurídico à decisão proferida pela Sexta Turma do STJ. Aguardar a publicação do acórdão do STF e a consolidação de sua decisão é imprescindível.

Geraldo Prado
Professor de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Investigador do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Universidade de Lisboa.
Consultor Jurídico.

Notas

[1] Notícia de julgamento e acórdão disponíveis no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça: disponível em: , acesso em: 25 mar. 2016.

[2] Publicado em: . Acesso em: 25 mar. 2016.

[3] Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (Redação dada pela Lei n. 12.403, de 2011).”

[4] Zavascki, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 40-58.

[5] Ávila, Ana Paula Oliveira. A face não-vinculante da eficácia vinculante das declarações de constitucionalidade:Uma análise da eficácia vinculante e o controle concreto de constitucionalidade no Brasil. Fundamentos do Estado de Direito. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 202.

[6] Idem, ibidem.

[7] Art. 637. O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.”

[8] Ávila, Ana Paula Oliveira. A face não-vinculante da eficácia vinculante das declarações de constitucionalidade cit., p. 203.

[9] Mendes, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 477.

[10] Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão. Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”

[11] Mendes, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha cit., p. 482.

[12] Idem, ibidem, p. 483.



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