INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 280 - Março/2016





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

O DIREITO POR QUEM O FAZ – Tribunal de Justiça

Execução Penal. Mulher. Singularidade no tratamento da mulher presa. Condenada gestante. Parto em estabelecimento prisional. Uso de algemas.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo I Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes 13.a Vara da Fazenda Pública Processo 0035475-04.2013.8.26.0053 j. 30.07.2014 – public. 02.10.2014

D. C. C. move ação indenizatória contra a Fazenda do Estado de São Paulo. Alega, em síntese, que foi presa em flagrante em 25 de setembro de 2011 em estado de gravidez e deu à luz a seu filho algemada pelos pés e mãos, sem a presença de um familiar, o que lhe causou os danos morais apontados, cuja reparação pretende nos moldes expostos.

A ré contestou a fls. 380/385. Argumentou, em síntese, que a investigação acerca do episódio é inconclusiva quanto aos fatos alegados pela autora, além do que seria impossível realizar um parto com a gestante algemada.

Réplica a fls. 437/452.

É o relatório.

Fundamento e decido.

O feito comporta julgamento no estado (art. 330, I, do Código de

Processo Civil).

A demanda é procedente e não há necessidade de testemunhos presenciais para se reconhecer que a autora deu à luz nas circunstâncias relatadas na petição inicial.

Nos autos da apuração preliminar n° 487/2012, instaurada pela Vara de Execuções Criminais de Franco da Rocha, apurou-se que até a edição do Decreto Governamental n° 57.783/2012 era usual o emprego de algemas nas custodiadas durante o trabalho de parto. Afirmou a autoridade apuradora, em longo relatório, que “não havia um parâmetro direcionador a ser seguido pelo corpo funcional tampouco pela própria Escolta Militar, tudo estava muito associado à pessoa (presa) e contenção (algema) sem que fosse efetuada qualquer distinção, até mesmo seguindo-se a premícia de que todos são iguais perante a Lei, e a Lei que se tinha conhecimento por parte do corpo funcional era a de se algemar” (sic! _ fls. 356/357).

No caso específico da autora, confirmou o citado servidor público que ela permaneceu com algemas ao leito hospitalar depois do parto, “embora já exaustivamente esclarecido seus motivos” (sic! _ fls. 365).

Não há falar, portanto, em versão isolada e inverossímil da requerente, tampouco de sua mãe, que provocou a citada apuração preliminar. Possível ou não a realização de parto com a gestante algemada, custa a crer que alguém crie versão tão fantasiosa acerca de fatos que foram filmados, exibidos e amplamente noticiados. Some-se a isso todos os trechos de relatos destacados na petição inicial e na réplica, os quais estão em sintonia com o alegado e não impugnado especificamente.

Inegáveis, por outro lado, as sensações negativas de humilhação, aflição e desconforto, entre outras, a que foi submetida a autora diante da cruel, desumana e degradante manutenção de algemas durante o seu trabalho de parto. São danos morais indenizáveis e guardam nexo com a ação estatal, de modo que avulta o dever de ressarcimento almejado.

No arbitramento da indenização por danos morais leva-se em consideração a culpabilidade do agente, as condições sociais e econômicas dos envolvidos, a gravidade e a extensão da lesão. Conquanto não existam valores previamente determinados na legislação para a situação relatada nos autos, de rigor o arbitramento da indenização conforme o sugerido na petição inicial e não impugnado de modo específico, valor que se considera condigno com o sofrimento experimentado pela autora.

Destarte, a demanda é acolhida integralmente, arcando a ré com a reparação dos danos morais experimentados pela parte contrária. Tratando-se de ato ilícito, os juros moratórios de 0,5% são devidos desde o evento danoso, enquanto que a correção monetária será computada a partir desta sentença, uma vez já fixada a indenização em moeda corrente.

Necessário frisar que a correção monetária obedece a metodologia de cálculo da Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para os débitos judiciais e o disposto no art. 1°-F, da Lei n° 9.494/97, mas sem a redação dada pela Lei n° 11.960/09, pois foi declarada inconstitucional, por arrastamento, pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (ADINs 4.357 e 4.425) e, desde já, deve ser reconhecida a sua ineficácia, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade acarreta efeitos repristinatórios, tornando sem efeito a lei inconstitucional revogadora de lei anterior.

Ante o exposto, julgo procedente a ação para condenar a ré ao pagamento de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) à autora, com correção monetária e juros de mora na forma da fundamentação desta sentença. Não cabe a condenação nas verbas de sucumbência, porquanto a requerente é representada por órgão do próprio Estado.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

P.R.I.

Fausto José Martins Seabra
Juiz de Direito.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040