José Carlos Abissamra Filho
Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos
É com satisfação que apresentamos o Boletim especial do mês de março, publicação que representa uma de uma série de medidas que visam a aumentar a participação de mulheres nos espaços e atividades do IBCCRIM. Não se trata de uma homenagem ao dia das mulheres ou de uma excepcionalidade. Pelo contrário, trata-se de forma de problematizar a assimetria e a desigualdade de gênero que segue patente na sociedade brasileira, com claríssimos reflexos no mercado de trabalho, na academia, na política e na vida privada.
Basta lembrar alguns dados para ilustrar tamanha disparidade. No índice de Desigualdade de Gênero produzido pelo PNUD em 2014, que leva em consideração critérios de saúde reprodutiva, autonomia e atividade econômica, o Brasil ocupa a 79.ª posição do ranking dos 187 países analisados. Recentemente, pesquisas nacionais apontaram que apesar do crescimento do número de mulheres no mercado de trabalho, estas recebem salários 30% mais baixos que homens no exercício das mesmas funções. Já no que tange à representatividade política os números são alarmantes: apesar de as mulheres representarem 52,1% do eleitorado, apenas 28,7% das candidaturas eram femininas nas eleições de 2014; o Senado é atualmente composto por 12 mulheres e 69 homens; a Câmara Federal por 51 mulheres e 462 homens; as assembleias estaduais por 115 mulheres e 920 homens; e os governos estaduais por 1 mulher e 26 homens.
No IBCCRIM, apesar de internamente haver equiparação numérica e representativa de homens e mulheres nos núcleos e na diretoria, e uma clara sensibilidade com a temática de gênero – a considerar, por exemplo, o curso Maria, Marias e o curso Gênero, Sistemas de Justiça e Direitos Humanos voltado para diferentes carreiras jurídicas –, as publicações refletem o oposto.
Identificamos que entre 2011 e 2015 apenas 23,5% dos artigos publicados na Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) foram escritos por mulheres, enquanto a participação masculina foi de 68,3%, havendo 8,2% de textos mistos, escritos em coautoria. Vale ressaltar que nesse período 24,6% dos artigos enviados para avaliação eram de autoria feminina. Já o Boletim recebeu, nesse mesmo intervalo de tempo, uma porcentagem de 17,5 dos textos escritos por mulheres, sendo baixa a quantidade de textos de autoria feminina publicados mensalmente. Contando com a sessão Descasos, – coluna fixa mensal escrita por Alexandra Szafir – foi possível contabilizar 20% de textos escritos por mulheres e 74,8% por homens, sendo 5,2% dos artigos escritos em coautoria.
Os dados acima apontam para um primeiro diagnóstico – a baixa participação de mulheres nas publicações tem direta ligação com o desequilíbrio no envio de textos. Por que as mulheres mandam tão menos textos que os homens? Certamente a desigualdade estrutural de gênero está refletida nesses números, e é importante agora levantarmos novas questões na busca de uma análise mais elucidativa. Também levantamos outra questão: por que pouco se debatem questões pertinentes à desigualdade de gênero em um espaço aberto à participação especialmente de pesquisadores, profissionais do direito e das ciências sociais, militantes dos movimentos sociais como é o Boletim? Perguntas como estas desembocaram na iniciativa do Núcleo de Pesquisas do Instituto de mapear os gargalos e propor saídas para reverter esse quadro.
A presente publicação compõe antes parte do diagnóstico que da saída. Isso porque bastou divulgar nas redes sociais e mídias do IBCCRIM a convocação ao envio de artigos para o Boletim especial de março, para recebermos 104 artigos de diversas temáticas enviados por 137 mulheres (25 em coautoria) de todas as regiões do país, inseridas em diferentes áreas profissionais e de produção de conhecimento. Tal participação feminina é três vezes maior que a do ano de 2015 inteiro. Por que apenas mediante uma chamada especial houve tão significativa quantidade de textos enviados por mulheres? Quais são as barreiras que as impedem de enviarem textos e publicarem?
Do total de textos recebidos, 46 tratavam de temáticas estritamente técnicas sob perspectivas criminológicas, penais e processuais, enquanto 58 abordavam questões relacionadas a gênero, em especial à participação feminina no Direito e na academia, sistema de justiça criminal e mulheres, criminologia feminista, violência de gênero e feminismo negro. Foram selecionados 13 textos para publicação – dado o limite de caracteres padrão do Boletim – e 25 classificados para publicação futura, caso seja este o desejo das autoras. Os demais podem ser reenviados para a apreciação da comissão permanente de avaliação do Boletim.
Ainda que de maneira não intencional – uma vez que os artigos enviados foram analisados por meio do padrão duplo cego que oculta todos os dados capazes de identificar a autoria – a presente publicação apresenta grande diversidade temática, regional e profissional, garantindo a presença de mulheres de diferentes partes do país, atuantes em áreas variadas. Estamos satisfeitas, mas queremos muito mais!
Convocamos e encorajamos mulheres a falarem neste espaço e a participarem ativamente do Instituto. Acreditamos na participação e representatividade feminina como forma direta de empoderamento e de fortalecimento democrático. Participem por acreditar!
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