José Carlos Abissamra Filho
Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos
Direito Processual Penal. Prisão preventiva. Ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva. Prisão domiciliar. Possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando a agente provar gestação a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou de alto risco.
2.ª Turma HC 128.381 j. – public. Cadastro IBCCRIM 3405
Relatório
Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em favor de L. B., contra decisão proferida pelo ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou seguimento ao HC n. 323.771/SP.
Segundo os autos, a paciente foi presa em flagrante pela prática, em tese, do delito descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, visto que teria sido surpreendida em poder de aproximadamente 199g (cento e noventa e nove gramas) de cocaína para fins de tráfico.
Constatando a presença dos requisitos legais, o magistrado de primeira instância converteu o flagrante em segregação preventiva.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual denegou a ordem, concluindo que a decisão que decretou a custódia veio devidamente fundamentada. (eDOC 8).
Novo writ foi impetrado no Tribunal de Justiça bandeirante. A ação não foi conhecida, por ser considerada mera reiteração da anterior cuja ordem fora denegada. (eDOC 9).
Um terceiro habeas corpus foi manejado, tencionando o cumprimento da prisão preventiva na modalidade domiciliar, levando em conta estar a paciente já no sétimo mês de gestação, nos termos em que autoriza o artigo 318 do CPP. A liminar foi indeferida em 12.5.2015, estando pendente o julgamento do mérito. (eDOC 10).
Inconformada com tal entendimento, a defesa impetrou novo writ no Superior Tribunal de Justiça. O relator entendeu inexistir manifesta ilegalidade que autorizasse a mitigação da Súmula 691 e indeferiu liminarmente o pedido. (eDOC 11).
No presente habeas corpus, a impetrante assevera que a paciente está grávida de sete meses e recolhida a uma penitenciária desprovida de estrutura física para acolhimento de presas nessa condição.
Liminarmente, pleiteou a revogação da prisão preventiva, com a consequente expedição do alvará de soltura. Subsidiariamente, requereu a substituição da prisão cautelar por domiciliar, por ser direito subjetivo incondicionado da paciente e do nascituro, nos termos do artigo 318, inc. IV, do CPP.
Em 22.5.2015, deferi o pedido liminar, determinando a substituição da segregação preventiva por prisão domiciliar.
A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela revogação da prisão cautelar ou, alternativamente, pela concessão da domiciliar.
É o relatório.
Voto
Conforme já relatado, a defesa busca a revogação da prisão preventiva da paciente ou, subsidiariamente, a substituição por prisão domiciliar.
A decisão impugnada, emanada do STJ, limitou-se a negar seguimento ao pedido formulado, por aplicação do disposto no Enunciado 691 da Súmula desta Corte.
Com efeito, a consolidada jurisprudência deste Tribunal não admite seja apreciado o pedido quando a questão ainda não foi submetida, de forma definitiva, ao exame pela autoridade coatora. Os precedentes são inúmeros.
In casu, em verdade haveria dupla supressão de instância, uma vez que estaríamos a decidir antes do Superior Tribunal de Justiça, que negou seguimento ao pedido sem adentrar no tema e, antes, inclusive, do próprio Tribunal de Justiça paulista, que ainda não apreciou o mérito do habeas corpus.
No entanto, em obediência ao princípio constitucional da proteção judicial efetiva, a aplicação desse entendimento jurisprudencial deve ser afastada na ocorrência de inquestionável constrangimento ilegal ou abuso de poder, que verifico ocorrer na espécie.
Explico.
No que diz com o caso concreto, as razões vieram apresentadas nos seguintes termos:
“(...) Na situação concreta, vê-se igualmente configurada a necessidade de manutenção do cárcere, já que a quantidade e o tipo de droga apreendida são relativamente substanciais (199,13g de cocaína), a descaracterizar o porte para consumo pessoal, e, mais que isso, noticiaram os policiais responsáveis pela ocorrência que a flagrada teria afirmado que a droga seria destinada à entrada em presídio, o que, por si só, demonstra, ao menos por ora, a importância da cautelar ora decretada. (...)” (eDOC 6).
Do trecho que foi transcrito, frise-se, único que se refere à situação fática dos autos, inviável alcançar outra conclusão senão a de que a prisão carece de sustento legal. Isso porque, como bem asseverado pelo Subprocurador-Geral da República, em parecer, “o apelo a fórmulas vazias, desvinculadas da base empírica, não se coaduna com o caráter excepcional da medida de restrição da liberdade, que exige fundamentação consistente”.
Com efeito, ainda que com esforço, não vislumbro, na decisão ora sob exame, o atendimento a qualquer dos requisitos expostos no artigo 312 do CPP, repetidos à exaustão quando se indaga acerca da higidez dos decretos prisionais. Garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Não constato a presença de qualquer deles.
A quantidade de droga, por si só, não recomenda a prisão preventiva, a não ser aquela travestida de punição antecipada, que deve ser de pronto rechaçada. O suposto destino do produto, da mesma forma, não pode ser levado em conta. A uma, porquanto não se tratou de tentativa de inserção da droga em qualquer presídio ou casa de detenção, tampouco estava a paciente próxima a um estabelecimento congênere. A duas, porque a instrução processual sequer teve início, sendo tal dado fornecido pelos policiais quando da condução da flagrada. Teria ela confidenciado a eles tal intento. Ora, meras ilações, elucubrações, sem qualquer lastro probatório, não servem de supedâneo à medida tão drástica, excepcional em nosso sistema.
A jurisprudência da Primeira Turma também é uníssona nesse ponto, a saber:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA EX OFFICIO. MEDIDAS CAUTELARES SUBSTITUTIVAS. 1. A decretação da prisão preventiva pressupõe que os seus requisitos estejam preenchidos à luz dos critérios legais ou jurisprudenciais que a autorizam, em conformidade com os fatos. 2. O Supremo Tribunal Federal rechaça a prisão preventiva decretada somente com base na gravidade em abstrato do delito ou mediante a repetição dos predicados legais e a utilização de fórmulas retóricas que, em tese, serviriam para qualquer situação. Precedentes: RE 217.631, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 09/09/1997; HC 98.006, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 24/11/2009). 3. In casu, o magistrado singular não analisou as circunstâncias concretas da conduta praticada, se limitando a repetir os pressupostos legais para a prisão preventiva. In foco, ao utilizar expressões como “[...] a prisão em flagrante deve ser convertida em prisão preventiva como garantia da ordem pública, por se tratar de crime de tráfico de entorpecente, delito extremamente grave, que coloca em constante desassossego a sociedade, contribuindo para instabilizar as relações de convivência social.” 4. Deveras, o fato narrado não exibe gravidade que justifique a prisão cautelar, dado mais que o paciente foi preso em flagrante, em 3 de maio de 2014, pela prática do delito de tráfico de drogas. Com o paciente foram apreendidos 14 pinos de cocaína e R$ 230,00. 5. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, em razão da taxatividade da competência da Corte definida em rol numerus clausus pela Constituição da República (CF, art. 102, I, d e i). Precedente: HC 109.956, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 07/08/2012). 6. Habeas corpus julgado extinto. Concedida a ordem ex officio para determinar ao juízo a quo a aplicação das medidas cautelares (artigo 319 do Código de Processo Penal) substitutivas que entender cabíveis. (HC 125957, relator(a): min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049 DIVULG 12-03-2015 PUBLIC 13-032015);
Habeas corpus. Processual Penal. Prisão em flagrante. Crimes de tráfico de drogas. Artigo 33, caput, da Lei n° 11.343/06. Liberdade provisória. Possibilidade. Inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 44, caput, da Lei n° 11.343/06 reconhecida. Precedente da Corte. Necessidade de comprovação da presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Inidoneidade dos fundamentos justificadores da custódia no caso concreto. Superação do enunciado da Súmula n° 691 do Supremo Tribunal. Ordem concedida. 1. Em princípio, se o caso não é de flagrante constrangimento ilegal, segundo o enunciado da Súmula n° 691, não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere liminar. 2. Entretanto, o caso evidencia situação de flagrante ilegalidade, apta a ensejar o afastamento, excepcional, do referido óbice processual. 3. Diante do que foi decidido pelo Plenário da Corte no HC n° 104.339/SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, está reconhecida a inconstitucionalidade incidenter tantum do art. 44, caput, da Lei n° 11.343/06, o qual vedava a possibilidade de concessão de liberdade provisória nos casos de prisão em flagrante pelo delito de tráfico de entorpecentes, sendo necessário, portanto, averiguar se o ato prisional apresenta, de modo fundamentado, os pressupostos autorizadores da constrição cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. 4. Na hipótese em análise, ao determinar a custódia do paciente, o Tribunal estadual não indicou elementos concretos e individualizados que comprovassem a necessidade da sua decretação, conforme a lei processual de regência, calcando-a em considerações a respeito da gravidade em abstrato do delito, que, segundo a jurisprudência da Corte, não a justificam. 5. Ordem concedida. (HC 119934, relator(a): min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 03/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-064).
Feitas essas considerações, reputo que a prisão provisória decretada em desfavor da paciente não atendeu aos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, especialmente no que diz respeito à indicação de elementos concretos que, ao momento da decretação, fossem imediatamente incidentes a ponto de justificar a constrição.
Ainda, não se deve olvidar que a ora paciente está em estágio avançado de gravidez.
É cediço que o texto constitucional assegura às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período da amamentação e enfatiza a proteção à maternidade e à infância. (arts. 5°, inciso L, e 6°, caput).
Desse modo, voto no sentido de conceder a ordem de habeas corpus para revogar a prisão preventiva decretada.
É como voto.
Gilmar Mendes
Ministro.
Execução Penal. Prisão preventiva. Conversão da prisão preventiva em prisão domiliciar. Necessidade de demonstração inequívoca dos pressupostos legais da prisão preventiva. Prisão domiciliar. Possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando a agente provar gestação a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou de alto risco.
Monocrática HC 126107 j. 01.10.2015 – public. 15.10.2015 Cadastro IBCCRIM 3406
Relatório
1. Em 8.1.2015, o Ministro Ricardo Lewandowski, Presidente do Supremo Tribunal Federal, “não conhe[ceu] da impetração, mas conced[eu] o habeas corpus de ofício, para determinar a substituição imediata da prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo de ulterior decisão do juízo processante quanto ao disposto no art. 316 do Código de Processo Penal”, nos termos seguintes:
“(...) Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de R. G. C., em que se aponta como autoridade coatora o Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu medida liminar no HC 313.045/SP.
A impetrante sustenta, inicialmente, a possibilidade de superação da Súmula 691 desta Suprema Corte.
Assevera, em síntese, que a paciente, portadora de cardiopatia grave e em estágio avançado de gestação, encontra-se presa preventivamente, desde 20/5/2014, em razão da suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006.
Aduz, ainda, que a manutenção da prisão preventiva da gestante em estabelecimento totalmente inadequado à sua condição especial contraria a razoabilidade e a dignidade da pessoa humana, submetendo a paciente a flagrante constrangimento ilegal.
Justifica a existência não apenas do periculum in mora, diante do grave e irreparável dano causado pela manutenção da paciente em estabelecimento inadequado à sua condição especial, mas também do fumus boni iuris, em face da injusta coação demonstrada.
Assim, requer a concessão da medida liminar para que seja substituída a prisão preventiva da paciente pela prisão cautelar domiciliar.
É o relatório. Decido.
Bem examinados os autos, tenho que é caso de não conhecimento da ordem.
Com efeito, a decisão impugnada foi proferida monocraticamente no plantão do recesso do Superior Tribunal de Justiça. Assim, o pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal.
Essa foi a orientação firmada pela Segunda Turma no julgamento do HC 119.115/MG, de minha relatoria, ocasião em que se decidiu que a falta de agravo regimental no STJ – e, portanto, a ausência da análise da decisão monocrática pelo colegiado – impede o conhecimento do habeas corpus por esta Suprema Corte, mesmo porque permitir ao jurisdicionado a escolha do Tribunal para examinar a causa configuraria evidente abuso do direito de recorrer.
Verifico, contudo, tratar-se de caso de concessão da ordem de ofício.
Nesse sentido, cumpre salientar que, no caso, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva foi proferida nos seguintes termos:
‘Vistos. Trata-se de auto de prisão em flagrante, no qual a indiciada Renata Gonçalves Cardoso foi autuada por violação ao artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Decido. Não há de se falar em relaxamento da prisão em flagrante, pois não se vislumbra nenhum vício insanável que venha a ensejar sua ilegalidade. A autoridade policial observou os prazos previstos em lei e fundamentou adequadamente a classificação da conduta, estando amparado pelos depoimentos dos policiais. Inexistem indícios de que o agente tenha praticado o fato nas condições constantes dos incisos I a III do art. 23, caput, do Código Penal, sendo necessária que a custódia cautelar seja convertida em prisão preventiva. Neste ensejo, fica saneada e devidamente ratificada a legalidade da prisão em flagrante, conforme art. 310, inciso I, do Código de Processo Penal. Na sequência sistêmica traçada pela legislação processual penal, pela análise casuística, de acordo com os parâmetros constitucionais e legais, a conversão da prisão cautelar em flagrante em prisão preventiva é medida recomendada e necessária. A conduta da indiciada possui adequação típica à figura do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. A ordem pública é molestada no momento da prática de tal delito, porém, por questões de principiologia constitucional, plenamente justificada, a prisão cautelar ex lege há de ser expurgada de nosso sistema processual penal. Urge, desta feita, fundamentar todas as decisões judiciais, mormente às que constringem a liberdade dos indivíduos. O tráfico ilícito de entorpecentes nos moldes imputados ao indiciado é delito de gravidade social elevada, arrebata vidas do seio familiar, causa danos à saúde pública, afeta a psicologia de toda sociedade. É o consumo de psicotrópicos que corrompem o indivíduo socialmente são, aliciando-o para o cometimento de delitos contra o patrimônio, delitos domésticos, em evolução criminosa até culminar com crimes contra o bem constitucional vida. Esta pequena urbe, como um bairro perigoso dos grandes centros urbanos, não possui lugar seguro destes delitos, devendo sob esta ótica ser analisado o conceito jurídico de ordem pública, atentando-se às peculiaridades locais. Ademais, trata-se de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos (art. 313, I), em que há fartos e veementes elementos, conforme já salientados, que contraindicam a concessão de liberdade provisória, além de se revelarem inadequadas e insuficientes as medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Em razão dos motivos expostos, os quais atendem aos ditames sequenciais da novel legislação (art. 310, inciso II, do C.P.P.), baseados na análise empírica, faz-se necessária a conversão da prisão cautelar decorrente de flagrante em prisão preventiva, uma vez que ainda restam presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Diante de todo o exposto, verificada a existência dos fundamentos e da hipótese legal para manutenção da custódia cautelar do indiciado, nos termos dos artigos 312, 313 e 315, todos do Código de Processo Penal, os quais se encontram fundamentados nos incisos LXI, LXII e LXVI do art. 5º da C.F., CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA, comunicando-se o estabelecimento prisional em que se encontra detida a indiciada’ (documento eletrônico 8).
Contra a referida decisão foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, que denegou a ordem, ressaltando que:
‘(...) Subsidiariamente, reclama a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar porque a paciente conta com quase 37 semanas de gestação e a sua manutenção em estabelecimento prisional seria inadequada e afrontaria a dignidade da pessoa humana. Indefiro o pedido de liminar por tratar-se de questão a ser enfrentada apenas pela Turma Julgadora. Requisitem-se as informações de praxe’ (documento eletrônico 5).
No entanto, pela documentação juntada aos autos, verifico que a paciente se enquadra na hipótese descrita no art. 318, IV, do Código de Processo Penal (documento eletrônico 3), o que não foi considerado nas decisões transcritas acima.
Assim, neste primeiro exame, tenho que o decreto de prisão preventiva não atendeu aos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, uma vez que se fundou, basicamente, na gravidade abstrata do delito.
Se é certo que esse fato reprovável – se, ao final, for comprovado – enquadra-se perfeitamente em evidente tráfico ilícito de entorpecentes, o mesmo não se pode dizer quanto à adequação da medida às condições pessoais da acusada (art. 282 do CPP) e do próprio nascituro, a quem certamente não se pode estender os efeitos de eventual e futura pena, nos termos do que estabelece o art. 5º, XLV, da Constituição Federal.
Ademais, de acordo com o disposto na Lei 10.048/2000, em especial no art. 2º, as repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato às gestantes – o que contrasta com a informação oficial de que a Penitenciária Feminina da Capital, cuja capacidade é de 604 pessoas, estava com 685 detentas em 11/12/2014.
Ressalte-se, finalmente, que durante a 65ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, realizada em dezembro de 2010, foram aprovadas as Regras Mínimas para Mulheres Presas, por meio das quais os Estados-membros, incluindo-se o Brasil, reconhecem ‘a necessidade de estabelecer regras de alcance mundial em relação a considerações específicas que deveriam ser aplicadas a mulheres presas e infratoras (…) foram elaboradas para complementar, se for adequado, as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos e as Regras Mínimas das Nações Unidas para Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio), em conexão com o tratamento a mulheres presas ou alternativas ao cárcere para mulheres infratoras.’
Nesse diapasão, deve-se asseverar que tais regras
‘(...) são inspiradas por princípios contidos em várias convenções e resoluções das Nações Unidas e estão, portanto, de acordo com as provisões do direito internacional em vigor. Elas são dirigidas às autoridades penitenciárias e agentes de justiça criminal, incluindo os responsáveis por formular políticas públicas, legisladores, o ministério público, o judiciário e os funcionários encarregados de fiscalizar a liberdade condicional envolvidos na administração de penas não privativas de liberdade e de medidas em meio comunitário’ (grifei).
Dentre as regras referidas acima, transcrevo, por oportuno, a de número 57, que obriga os Estados-membros a desenvolver
‘(...) opções de medidas e alternativas à prisão preventiva e à pena especificamente voltadas às mulheres infratoras, dentro do sistema jurídico do Estado-membro, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres e suas responsabilidades maternas’ (grifos nossos).
Diante desse cenário e com essas brevíssimas considerações, em juízo de mera delibação, não conheço da impetração, mas concedo o habeas corpus de ofício, para determinar a substituição imediata da prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo de ulterior decisão do juízo processante quanto ao disposto no art. 316 do Código de Processo Penal.
Comuniquem-se, com urgência, os termos da presente decisão ao Juízo da Vara Única da Comarca de São Simão/SP, para que adote as providências devidas e preste informações sobre o andamento atualizado da ação penal movida contra a paciente.
Com as informações, ouça-se o Procurador-Geral da República.
Comunique-se, também, com a devida urgência, o teor desta decisão ao Relator do Habeas Corpus 222906282.2014.8.26.0000, em curso no Tribunal de Justiça de São Paulo.
Após, voltem os autos conclusos à Ministra Relatora (...)”.
2. Em 21.4.2015, determinei a reiteração do Ofício n. 1519/P ao Juízo da Vara Única da Comarca de São Simão-SP, que informou ter “expedido alvará de soltura com medida cautelar, nos termos da decisão prolatada em 08/01/2015 pelo STF”.
3. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo arquivamento da presente ação, nos termos seguintes:
“(...) O Ministério Público Federal, ciente das informações prestadas pelo Juízo da Comarca de São Simão/SP e considerando que o pedido realizado na inicial foi esgotado com a concessão da ordem de ofício pelo Ministro Presidente, nada tem a requerer, pedindo que seja determinado o arquivamento dos autos (...)”.
4. Pelo exposto, ratifico a decisão do Ministro Ricardo Lewandowski pelos seus fundamentos e defiro o arquivamento do presente habeas corpus nos termos do requerido pela Procuradoria-Geral da República.
Ressalte-se não atingir essa decisão qualquer outro decreto prisional, eventualmente expedido contra a Paciente, dotado de eficácia.
5. Comunique-se esta decisão ao Juízo da Vara Única da Comarca de São Simão-SP.
Remeta-se, com o ofício, a ser enviado, com urgência e por fac-símile, a cópia da presente decisão e daquela proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski.
Publique-se.
Arquive-se.
Cármen Lúcia
Relatora.
Execução Penal. Prisão preventiva. Conversão da prisão preventiva em prisão domiliciar. Prisão domiciliar. Possibilidade de substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando o agente provar a imprescindibilidade de cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência.
Monocrática HC 129001 j. 30.06.2015 – public. 03.08.2015 Cadastro IBCCRIM 3407
Decisão:
1. Trata-se de habeas corpus, com pedido de concessão de liminar, impetrado contra decisão do Ministro Gurgel de Faria que não conheceu do HC 325.920, do Superior Tribunal de Justiça.
2. Extrai-se dos autos que a paciente foi presa em flagrante delito, surpreendida com 53,18g de cocaína e 13 invólucros plásticos contendo a mesma substância entorpecente. O Juízo de origem, nos termos do art. 310, II, do Código de Processo Penal, converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva.
3. Concluída a instrução criminal, a paciente foi condenada à pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, pelos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 40, inciso VI, da Lei 11.343/06. A condenação transitou em julgado para o Ministério Público.
4. Na sequência, foi impetrado habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Denegada a ordem, sobreveio a impetração de HC no Superior Tribunal de Justiça. O Relator do HC 325.920, Ministro Gurgel de Faria, não conheceu do writ.
5. Neste habeas corpus, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo sustenta que a paciente, gestante no momento de sua prisão cautelar, preenche os requisitos do art. 318, III, do CPP. Daí o pedido de concessão da ordem para que a prisão preventiva seja substituída pela prisão domiciliar.
Decido.
6. Do ponto de vista processual, o caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental (cabível na origem). Nessas condições, tendo em vista a jurisprudência da Primeira Turma do STF, entendo que o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por inadequação da via processual (HC 115.659, Rel. Min. Luiz Fux).
7. Com efeito, inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito implicada na impetração. Nesse sentido foram julgados os seguintes precedentes: HC 113.468, Rel. Min. Luiz Fux; HC 117.502, Redator para o acórdão Min. Luís Roberto Barroso; HC 108.141-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki; e o HC 122.166-AgR, julgado sob a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, assim ementado:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO ART. 422 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA POR MINISTRO DO STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO POR MEIO DE AGRAVO REGIMENTAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRECEDENTES. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA NÃO ATACADOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - No caso sob exame, verifica-se que a decisão impugnada foi proferida monocraticamente. Desse modo, o pleito não pode ser conhecido, sob pena de indevida supressão de instância e de extravasamento dos limites de competência do STF descritos no art. 102 da Constituição Federal, que pressupõe seja a coação praticada por Tribunal Superior. Precedentes. II – O agravante não atacou os fundamentos da decisão agravada, o que atrai, por analogia, o teor da Súmula 283 desta Corte. III – Agravo regimental a que se nega provimento.”
8. Sem prejuízo desse encaminhamento, penso que a ordem deve ser concedida de ofício. Colhe-se dos autos que a paciente foi condenada à pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, sendo que o regime inicialmente fechado foi justificado pelo magistrado da causa exclusivamente com apoio no art. 2º, § 1º, da Lei dos Crimes Hediondos.
9. Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o HC 111.840, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, por maioria, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei nº 8.072/1990, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007. Desse modo, ficou superada a obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados.
10. Por outro lado, a documentação que instrui a inicial também revela que a paciente estava grávida quando foi presa, tanto que deu à luz no cárcere. A defesa fez vir aos autos ainda a informação de que a acusada tem outros 3 (três) filhos menores que dela dependem financeiramente, sendo que a criança recém-nascida “será separada da mãe, sendo interrompida à força a amamentação e sendo possivelmente a criança encaminhada a abrigo, onde poderá ser adotada...”. De modo que não vejo razão para deixar de aplicar à hipótese a regra do art. 318, IV, do Código Penal:
“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
[...]
IV gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
[…] Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”
11. Diante do exposto, com apoio no art. 38 da Lei nº 8.038/90 e no art. 21, § 1º, do RI/STF, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem de ofício para os seguintes fins: i) determinar ao Juízo de origem que substitua a prisão preventiva da paciente pela prisão domiciliar, nos termos do art. 318, III, do CPP; ii) fixar, desde logo, o regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da reprimenda.
Publique-se.
Comunique-se.
Luís Roberto Barroso
Relator.
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