INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 280 - Março/2016





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

Indulto: da necessidade e impositividade de sua concessão ao crime de tráfico de drogas

Autora: Mariana Py Muniz Cappellari

O indulto, para além de ser uma causa de extinção da punibilidade (art. 107 do CP), é considerado pela doutrina, de acordo com Roig (2014), um instituto oriundo do poder absoluto de clemência do soberano. Não sem razão, no Brasil, todos os anos, no período natalino, a Presidente da República, diante do que aduz o art. 84, XII, da CF, tem por tradição conceder indulto às pessoas condenadas ou submetidas à medida de segurança e comutar penas de pessoas condenadas, ainda que o instituto não se limite temporalmente, podendo ser concedido a qualquer tempo, tanto que mais de 80 entidades, dentre elas o IBCCRIM, já se mobilizaram nesse sentido requerendo indulto e comutação às mulheres, em comemoração ao seu dia.( [1] ) Pode-se afirmar, assim, que o indulto nada mais é do que uma política criminal redutora de danos, quanto mais em âmbito brasileiro, considerada a precariedade do seu sistema carcerário e a sua superlotação.

No que tange à matéria, o STF, mais propriamente nos autos da ADI 2.795 MC/DF,( [2] ) entendeu revelar-se inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, pois o argumento seria o de que a LEP( [3] ) trata a graça como modalidade de indulto individual, sendo que a Lei dos Crimes Hediondos – 8.072/1990 e a Lei de Drogas – Lei 11.343/2006 trazem expressa vedação à concessão de indulto em crimes hediondos e equiparados.

Ocorre que, na esteira do que doutrina Roig (2014), o art. 5.º, XLIII, da CF não veda expressamente o indulto coletivo, mas, tão somente, a graça, que é individual, ou a anistia, cuja competência se estende ao Poder Legislativo, e não ao Poder Executivo, como no caso em comento. Ora, se não há vedação constitucional expressa, é possível, portanto, a concessão de indulto ao crime de tráfico de drogas, não se sustentando a vedação infraconstitucional.

Sabe-se que o STF, mormente após as decisões proferidas em sede de HC 87.585/TO e RE 466.343/SP, bem como da edição da Súmula Vinculante 25/2009, passou a entender que a hierarquia dos tratados de Direitos Humanos na ordem jurídica interna brasileira é diferenciada de acordo com a forma de incorporação.( [4] )

Os tratados incorporados antes da inserção do § 3.º no art. 5.º da CF possuem hierarquia supralegal, prevalecendo sobre toda e qualquer norma infraconstitucional interna, mas cedendo em face da CF. Por sua vez, os tratados aprovados pelo Congresso Nacional na forma do art. 5.º, § 3.º, da CF possuem hierarquia e força normativa equivalentes às emendas constitucionais. Para a Suprema Corte, os demais tratados internacionais, que não versam sobre Direitos Humanos, salvo exceções expressamente estabelecidas, seguem com hierarquia de lei ordinária (Cappellari, 2014).

Parece-nos, assim, que, se a CF não veda a concessão do indulto coletivo aos crimes hediondos e equiparados, as Leis 8.072/1990 e 11.343/2006, no que tange à proibição legislativa de concessão do indulto a esses crimes, esbarram no disposto no art. 4.6 da CADH, impondo-se, portanto, como opção política, no dizer de Roig (2014), a extinção da punibilidade ou a mutação da pena, nesses casos considerados os seus arts. 1.º e 2.º, ou seja, a obrigação de o Estado brasileiro respeitar os direitos estatuídos naquele documento ao qual ratificou, bem como de adoção de disposições de direito interno nesse sentido, aliadas às condições carcerárias existentes em solo brasileiro, as quais já foram consideradas degradantes e desumanas pelo próprio STF, de acordo com o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, nos autos do RE 580252/MS, com repercussão geral, que ainda pende de julgamento.( [5] )

É que o art. 4.6 da CADH é claro ao reconhecer como direito humano a toda a pessoa condenada à morte o de solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais poderão ser concedidos em todos os casos. Sinale-se, nesse sentido, o que doutrina Gomes e Mazzuoli (2010, p. 44): “O Estado (o Príncipe) não está impedido de anistiar o delito que ensejou a pena de morte (isso deve ser feito por lei, no Brasil), de conceder graça (ato de Presidente da República) ou comutação (substituição da pena). Pela literalidade do dispositivo, não há nenhum delito em que não se possa pedir o perdão estatal (a clemência estatal)”.

A comparação do encarceramento brasileiro à pena de morte é decorrência da realidade existente. No já referido voto do Ministro Luís Roberto Barroso, reconhece ele que a superlotação e a precariedade das condições dos presídios correspondem a problemas estruturais e sistêmicos, de grande complexidade e magnitude, que resultam, segundo ele, de deficiências crônicas do sistema prisional brasileiro, sendo que tais problemas atingem um contingente significativo de presos no País, tanto que dá conta de graves deficiências na prestação das assistências previstas na LEP, aduzindo para rotineiros registros de casos de violência física e sexual, homicídios, maus-tratos, tortura e corrupção, praticados tanto pelos detentos quanto pelos próprios agentes estatais. Nessa senda, impossível não se concordar com Zaccone (2014), “quanto mais se prende, mais se mata”.

Não por menos, ainda, e, tendo por base os dados do Infopen Mulheres( [6] ) de 2014, os quais dão conta do crescimento do encarceramento feminino, entre os anos de 2000 a 2014, na ordem de 567%, totalizando 58% dessa população encarcerada pelo delito de tráfico de drogas, diversas entidades, entre elas o IBCCRIM, encaminharam documentos à Presidente da República solicitando a inclusão no decreto natalino e, agora, em comemoração ao dia da mulher, de contemplação às mulheres encarceradas pelo delito supracitado. No caso feminino, ainda, cabe referir que documentos internacionais impõem maior atenção a sua situação, mormente porque se traduz em percentual pequeno da população carcerária, com alta porcentagem de mães presas que se encarregam de cuidar dos filhos e de mulheres negras.

Tal opção política, reducionista de danos, diríamos, deve advir dada a ineficácia do indulto concedido até então às mulheres, em número pífio, como demonstra documento enviado ao CNPCP.( [7] ) Entendemos que há uma impositividade na sua concessão, sob pena de se infringir, mais uma vez, um direito humano reconhecido e ratificado pelo Brasil, o que pode lhe custar mais uma representação perante o SIPDH. Devemos seguir o exemplo de países como o Equador e a Costa Rica, os quais utilizaram mecanismos alternativos para lidar com a situação das mulheres encarceradas.

O Ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto, aduz que, para que se possa combater a lógica do hiperencarceramento e reforçar o caráter subsidiário da prisão, o Direito pode oferecer algumas respostas, entre outras, tais como: ampliação das penas alternativas à prisão e as hipóteses de cabimento de prisão domiciliar monitorada; revisar a política de encarceramento em crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa; revisar a política de drogas, com critérios legais para se diferenciar usuário de pequeno e grande traficante, debate público sobre a descriminalização do consumo e do comércio de drogas; exigir a elaboração de estudo de impacto político-criminal pelo Poder Legislativo previamente à aprovação de qualquer reforma na seara criminal; incentivar políticas de prevenção do crime, por meio das atividades de inteligência policial e prisional e realizar campanhas institucionais de conscientização da população a respeito das condições dos presídios brasileiros e de seu impacto negativo sobre o aumento da violência e a segurança pública.

No entanto, deixa claro, também, e, por fim, “[...] independentemente das medidas a serem adotadas, para que uma ampla reforma seja possível, é preciso, primeiro, que cada um dos poderes e instituições envolvidos reconheça a gravidade da situação e suas responsabilidades em seu enfrentamento, abandonando a inércia que caracterizou a política penitenciária por tantas décadas. É fundamental, ainda, que as instituições relacionadas ao sistema prisional assumam, cada uma, a sua parcela de culpa e empreendam um esforço conjunto e cooperativo no sentido de garantir aos presos os direitos mais básicos que lhe são assegurados pela Constituição”.( [8] )

Tratando-se, assim, o tema em comento de política criminal reducionista de danos, impositivo nos parece que esta se coadune com os ditames constitucionais e supralegais. Do contrário, a República Federativa do Brasil não se constitui em um Estado Democrático de Direito, mas em mero arbítrio e vingança. Vingança esta embutida nas punições, que traz uma satisfação puramente catártica, de acordo com De Sá (2014), pois momentânea, sempre a exigir mais vingança. Como seria bom, nos diz De Sá (2014, p. 177), se descobríssemos a felicidade que nos proporciona a paz, se descobríssemos o quanto é bom viver em paz.

Referências bibliográficas

Cappellari, Mariana Py Muniz. Os direitos humanos na execução penal e o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA). Presídio Central de Porto Alegre, Masmorra do Século XXI. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014.

De Sá, Alvino Augusto. Criminologia clínica e psicologia criminal. 4. ed. São Paulo: RT, 2014.

Gomes, Luiz Flávio; Mazzuoli, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Pacto de San José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: RT, 2010.

Roig, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal. Teoria crítica. São Paulo: Saraiva, 2014.

Zaccone, Orlando. Indignos de vida. A forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

Mariana Py Muniz Cappellari
Mestre em Ciências Criminais pela PUC-RS.
Defensora Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

Notas

[1] Disponível em: . Acesso em: fev. 2016.

[2] Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[3] Brasil. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jul. 1984. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2016.

[4] Cappellari, Mariana Py Muniz. Os direitos humanos na execução penal e o papel da Organização dos Estados Americanos (OEA). Presídio Central de Porto Alegre, Masmorra do Século XXI. Porto Alegre: Núria Fabris, 2014.

[5] Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[6] Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.

[7] Disponível em: . Acesso em: fev. 2016.

[8] Disponível em: . Acesso em: jan. 2016.



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