INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 277 - Dezembro/2015





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

As propostas de alteração do regime de provas ilícitas no processo penal

Autor: Gustavo Badaró

Entre as 10 propostas contra a corrupção, objeto de uma bem-sucedida campanha publicitária de parte dos membros do Ministério Público Federal, o presente artigo pretende analisar parcialmente a Medida 7 – “Ajustes nas nulidades penais contra a impunidade e a corrupção”, mais especificamente, Proposta 15 intitulada “Ajustes nas nulidades”, quanto à proposta de alteração do art. 157 do Código de Processo Penal.

Diante do teor das propostas, cabe lembrar que o art. 5.º, caput, LIV, da Constituição, assegura que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Antes da análise do texto projetado, é necessário, porém, posicionar-me sobre a relação entre processo e verdade, passando, claro, pela prova penal. Penso o processo penal como um instrumento epistêmico, com espaço contraditório para a melhor reconstrução histórica dos fatos, com base nas provas produzidas. O processo penal serve para tornar legítima a liberação do poder punitivo estatal. Somente após o funcionamento desse mecanismo, perante o juiz natural, com produção de provas lícitas, cujo resultado permita fundamentar racionalmente a escolha judicial pela hipótese acusatória, uma vez atingido um grau de convencimento da culpa do acusado além de qualquer dúvida razoável, é que a presunção de inocência será superada e a punição estatal imposta.

Evidentemente que isso não significa uma posição ingênua sobre o atingimento da verdade. Sem ignorar os avanços do giro linguístico, principalmente o papel de intermediação entre a linguagem e a realidade, isso não autoriza que se rompa toda e qualquer conexão entre o conhecimento e a realidade. A realidade externa existe e constitui o padrão de medida, o critério de referência que determina a verdade ou a falsidade dos enunciados fáticos.( [1] )

Adota-se, pois, um conceito de verdade como correspondência, mas numa relação teleológica entre prova e verdade. Como explica Ferrer Beltrán, o enunciado “ está provado” deve ser entendido como sinônimo de “há elementos de prova suficientes a favor de ”. O que não significa que a proposição, porque está provada, seja verdadeira. Uma hipótese fática pode resultar provada ainda que seja falsa.( [2] )

Por outro lado, parte-se da premissa de que justiça e verdade são noções complementares ao exercício do poder. Logo, a exclusão de provas ilícitas, mas com efetivo potencial heurístico – por exemplo: o conteúdo de uma interceptação telefônica não autorizada judicialmente –, poderá comprometer a verdade e, consequentemente, a justiça da decisão. Isso não significa, porém, que o acertamento da verdade é o fim último do processo, em especial, do penal. A verdade é apenas um pressuposto para poder adequadamente decidir qual é a hipótese legal aplicável ao caso concreto.( [3] ) Aliás, é importante lembrar a advertência de Ferrajoli: “se uma justiça penal inteiramente ‘como verdade’ constitui uma utopia, uma justiça penal inteiramente ‘sem verdade’ equivale a um sistema de arbítrio”.( [4] )

Passa-se, agora, ao Anteprojeto.

A Constituição veda a utilização no processo das provas obtidas por meios ilícitos. Não define, contudo, o que são provas ilícitas. A doutrina nacional tem empregado a distinção proposta por Ada Pellegrini Grinover que, com base em Nuvolone, considera que provas contrárias à lei pertencem ao gênero das provas ilegais, que, por sua vez, dividem-se em duas espécies: provas ilegítimas e provas ilícitas. As provas ilegítimas são aquelas produzidas com a violação de normas processuais (por exemplo, oitiva de uma testemunha, sem dar às partes o direito de perguntas). As provas ilícitas são obtidas com a violação de normas de direito material ou de garantias constitucionais (por exemplo, um “grampo telefônico” ilegal).( [5] )

A reforma do CPP de 2008, na disciplina legal do regramento constitucional da vedação da prova ilícita, parece não ter adotado a conceituação da prova ilícita segundo os parâmetros doutrinários e jurisprudenciais que vinham sendo tranquilamente aceitos, a partir da distinção entre provas ilícitas (violação de regras de direito material) e provas ilegítimas (violação de regras processuais). Isso porque a nova redação do caput do art. 157 do CPP prevê: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”. Ou seja, para a caracterização da prova ilícita, não se fez qualquer distinção entre natureza da norma violada, se de direito material ou processual.

Tal situação gerava confusões e, em caso de violação de garantias constitucionais de natureza processual (juiz natural, contraditório, ampla defesa, motivação etc...) tornava difícil a distinção entre prova ilícita e prova ilegítima.( [6] ) Justamente por isso, do ponto de vista doutrinário, propusemos uma nova definição de prova ilícita: “podem ser definidas como provas ilícitas as provas obtidas, admitidas ou produzidas com violação das garantias constitucionais, sejam as que asseguram liberdades públicas, sejam as que estabelecem garantias processuais”.( [7] )

Não difere muito de tal conceito o que consta do Anteprojeto, no sugerido caput do art. 157, que define provas ilícitas como: “as obtidas em violação de direitos e garantias constitucionais ou legais”. A grande questão é: o que serão consideradas garantias constitucionais ou legais, principalmente as garantias legais de natureza processual? A justificativa da proposta ao criticar o conceito atual: “O conceito é por demais amplo e permite a anulação de provas (o sepultamento de grandes operações policiais de combate ao crime ou de complexas ações penais em fases avançadas ou até mesmo já julgadas) por inobservância de uma simples formalidade, por menor importância que tenha, mesmo que isso não implique violação de direito ou garantia do investigado”. O que serão “simples formalidades” de “menor importância”? O discurso pró repressão traz o cheiro de mofo de uma defesa social que inspirou a Exposição de Motivos do CPP de 1940, em que Francisco Campos proclamava, como hoje fazem os autores do Anteprojeto, sem ruborescer, que “o projeto é infenso ao excessivo rigorismo forma, que dá ensejo, atualmente, à infindável série de nulidades processuais”.( [8] ) Aos jovens, fica a advertência dos clássicos, nas palavras de Pimenta Bueno: “Quem não conhece bem o processo criminal, e portanto o valor das formas, estranha que se anule um processo só por omissão delas; mas quem reconhece que sem a sua fiel observância o processo pode tornar-se um caos ou objeto de capricho e arbitrariedade dos juízes, não pode pensar assim”.( [9] ) No processo penal, forma não é formalismo inútil, mas garantia do devido processo legal.

Em suma, a definição de prova ilícita proposta, em si, não é ruim. O perigo está nos detalhes, que se inclui a interpretação que se propõe, colocando em risco a garantia constitucional da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.

O anteprojeto também é criticável por confundir hipóteses que afastam a ilicitude da prova, isto é, da prova diretamente ilícita, com as situações de exclusão da aplicação da chamada prova ilícita por derivação ou fruits of the poisonous tree. Atualmente, essa distinção está clara no § 1.º do art. 157.

O Anteprojeto acata a distinção entre provas ilícitas (art. 157, caput) e provas “derivadas das ilícitas” (art. 157, § 1.º). Esta últimas, como sabido, são provas que em si não são ilícitas, mas que são contaminadas pela fonte espúria da qual decorre. Por isso se fala em provas ilícitas por derivação, ou “efeito-a-distância” da prova ilícita.

Os autores do Anteprojeto olvidam-se de tal distinção ao proporem a nova redação do § 2.º do art. 157, em que são propostas nada menos do que 10 hipóteses que “excluem” a ilicitude da prova, sem distinguir os casos de ilicitude direta e indireta. Além dessa confusão, os dispositivos também podem ser criticados pois, ora dizem o óbvio, ora são ininteligíveis. E, quando são inovadores e compreensíveis, pecam pela inconstitucionalidade.

É óbvio ululante que se uma prova (rectius: uma fonte de prova) foi obtida em legítima defesa ou no estrito cumprimento de dever legal (inc. VI), ou ainda no exercício regular de direito (inc. IX), essa prova não é ilícita! Legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de um direito – e acrescentamos – em estado de necessidade são excludentes de ilicitude (CP, art. 23) e, como tais, fazem com que os atos praticados sob sua incidência sejam lícitos. A prova, portanto, em tais casos, será lícita, e não ilícita.

Também parece desnecessário destacar que é afastada a ilicitude da prova no caso em que sua utilização seja necessária para provar a inocência do réu ou reduzir-lhe a pena. Sempre se aceitou, sem ressalvas, a possibilidade da utilização da chamada prova ilícita pro reo

Mais difícil, ainda, é a compreensão da exceção do inc. I. Exclui-se a ilicitude da prova quando “não evidenciado o nexo de causalidade com as ilícitas”. Embora sem referência expressa, tal dispositivo, que já consta da redação atual do § 1.º do art. 157, somente pode ser entendido em relação às provas ilícitas por derivação. Mas, mesmo assim, é totalmente criticável. Se não há relação causal, não há ilicitude por derivação! Logo, não deveria o Anteprojeto manter tal regra, mas corrigi-la, tornando-a inteligível.

Por outro lado, os incs. II e IV do mesmo parágrafo confundem o que é hipótese de afastamento da aplicação, pura e simples de exclusionary rules,dos casos em que não se aplicam a derivative evidence doctrine, também conhecida por fruits of poisonous tree.

As hipóteses de “fonte independente” (inc. II) e “atenuação da contaminação” (inc. IV) são situações de exceção à doutrina da prova ilícita por derivação, segundo a jurisprudência da Suprema Corte Norte-americana, assim como também o é a “descoberta inevitável”. A formulação da doutrina estadunidense do fruit of the poisonous tree não implica uma vedação absoluta da prova ilícita por derivação. Excepcionalmente, admite-se a utilização da prova ilícita derivada em três exceções: (1) attenuation of the taint;(2) independent source; e (3) inevitable discovery.

O anteprojeto procura incluir a exceção da atenuação da contaminação no inc. IV, para excluir a ilicitude da prova: “a relação de causalidade entre a ilicitude e a prova dela derivada for remota ou tiver sido atenuada ou purgada por ato posterior à violação”.

O dispositivo proposto, contudo, não é suficientemente preciso para que se compreenda, em termos estritos, o seu alcance. O qualificativo “remoto”, que se atribui à relação de causalidade, não esclarece em que sentido se dará tal relação não imediata. Será remoto por ter ocorrido há muito tempo, ou por que está distante no espaço? A questão não é terminológica. Do ponto de vista da relação de causalidade, é possível que haja uma distância temporal longa, entre causa e efeito, mas sem a ocorrência de eventos supervenientes. Por outro lado, o evento e seu resultado podem ser temporalmente próximos, mas intermediados por fatos intervenientes. Não se sabe qual o sentido da proposta.

Na doutrina estadunidense, essas questões são analisadas sob o título de attenuation of the taint,que admite três distintas situações para caracterizá-la: the time period between the illegality and the acquisition of the secondary evidence (o período de tempo entre a ilegalidade e a aquisição da prova secundária); the occurrence of intervening events (a ocorrência de eventos intervenientes); e the flagrancy of the initial illegality (a flagrância da ilegalidade inicial).( [10] ) Parece que o anteprojeto procura incorporar apenas as duas primeiras situações, até mesmo porque, a terceira delas, liga-se à exceção da boa-fé, como se verá na sequência.

Quanto às exceções da fonte independente e descoberta inevitável, o inc. II do § 2.º do Anteprojeto limita-se a copiar a atual hipótese do § 2.º do art. 157 do CPP, no que merece severa crítica. Isso porque o dispositivo em vigor, assim como o projetado, ao procurar definir o que se considera como “fonte independente” parece conceituar a outra exceção da prova ilícita por derivação, da descoberta inevitável. Ao mais, além de confundir as duas exceções, o faz em termos tão amplos, que pode anular a própria regra geral da vedação das provas ilícitas derivadas. Por tal motivo, Antonio Magalhães Gomes Filho corretamente o considera inconstitucional.( [11] )

Chega-se, então, ao que pode ser visto como a grande novidade: a exceção da boa-fé – Good-faith exception – que até hoje não encontrou regulamentação no ordenamento brasileiro, aparece em dois dispositivos do Anteprojeto. O inc. III admite a utilização da prova ilícita se o agente a tiver obtido de “boa-fé ou por erro escusável”, baseada no elemento subjetivo do agente, se este, fundadamente, em razão de fato ou circunstância, considerou que a diligência de obtenção da prova estava legalmente autorizada, a prova, mesmo que objetivamente ilícita, poderá ser utilizada. Já o inc. V, tratando do reverso da medalha, afasta a ilicitude da prova quando “derivada de decisão judicial posteriormente anulada, salvo se a nulidade decorrer de evidente abuso de poder, flagrante ilegalidade ou má-fé”. Isto é, havia uma decisão judicial aparentemente lícita, que autoriza a atuação dos agentes estatais, que sob esse aparente manto de legalidade obtém a prova. Todavia, posteriormente, essa decisão judicial que autorizou o meio invasivo vem a ser anulada.

A Suprema Corte dos EUA admitiu a exceção da boa-fé, pela primeira vez, no ano de 1984, no caso United States v. Leon, afastando a aplicação das regras de exclusão da prova.( [12] ) Leon foi preso com base no depoimento de um informante da polícia que declarou que o investigado era um grande traficante de drogas. A polícia obteve um mandado judicial de busca e apreensão, ingressou na residência do investigado e encontrou grande quantidade de droga. Posteriormente, a defesa alegou, no tribunal, que no momento da busca, não havia probable cause para a expedição do mandado de busca e apreensão, o que foi admitido pelo juiz. Diante de tal decisão, requereu-se a exclusão da prova consistente na droga apreendida. A Suprema Corte dos EUA considerou, contudo, que a aplicação da exclusionary rule somente tem lugar quando a violação da 4.ª Emenda, que protege o cidadão de buscas arbitrárias, ocorre de forma deliberada, o que não era o caso, pois quando a polícia realizou a busca, confiava na legalidade do mandado. Acrescentou, ainda, que a finalidade das regras de exclusão probatória é impedir o mau comportamento policial, mas não o comportamento do policial que age de acordo com um senso comum de razoabilidade.O posicionamento por trás de tal teoria é que a finalidade das exclusionaries rules não é proteger cidadãos, para que seus direitos individuais não sejam violados, mas dissuadir os agentes policiais de cometerem violações a tais direitos.

Depois disso, a “exceção da boa-fé” foi aplicada em outros casos alargando demasiadamente seu campo de aplicação: Em Massachusetts v. Shepherd, a Suprema Corte norte-americana admitiu as provas obtidas com base em mandado judicial de busca que não descrevia os itens a serem apreendidos. Em Illinois v. Krull,( [13] ) a Corte validou os resultados probatórios de apreensão administrativa realizada sem mandado judicial, mas autorizada por lei estadual que, tempos depois, veio a ser declarada inconstitucional. Em Arizona v. Evans,( [14] ) a Suprema Corte admitiu a exceção da boa-fé e considerou válidos elementos probatórios decorrentes de prisão realizada com base em informação incorretamente passada pelo sistema informático do Poder Judiciário, segundo o qual teria sido legalmente expedido mandado de prisão. Por fim, em 2009, no julgamento de Herring v. United States,( [15] ) a Corte validou os resultados probatórios decorrentes de abordagem policial efetuada com base em mandado judicial de prisão, na verdade inexistente, incorretamente registrado no sistema informático mantido pela polícia.( [16] )

O poder de manobra seria imenso. A jurisprudência poderia se posicionar no sentido de que, para a manutenção da prova, caberá à acusação demonstrar que o agente estatal agiu de boa-fé. No entanto, não se estranharia que adotasse o caminho oposto, fazendo pesar sobre os ombros da defesa o ônus de demonstrar que o agente estatal agiu de má-fé.

Já o inc. VIII é claramente inconstitucional, não lhe retirando o caráter violador da Constituição a ressalva final de que tal prova ilícita – do qual se pretende excluir o caráter ilícito com mero jogo de palavras – não servirá “para demonstrar a culpa ou agravar a pena”. Segundo a proposta, não seria ilícita a prova: “VII – usada pela acusação com o propósito exclusivo de refutar álibi, fazer contraprova de fato inverídico deduzido pela defesa ou demonstrar a falsidade ou inidoneidade de prova por ela produzida, não podendo, contudo, servir para demonstrar culpa ou agravar a pena”. A Constituição não admite, “no processo”, as provas obtidas por meios ilícitos. Sejam elas destinadas a provar a culpa, agravar a pena, ou qualquer outro fato juridicamente relevante, incluindo álibis ou qualquer outro fato alegado pela defesa.

Finalmente, o inc. X propõe o afastamento do caráter ilícito da prova que seja “obtida de boa-fé por quem dê notícia-crime de fato que teve conhecimento no exercício de profissão, atividade, mandato, função, cargo ou emprego públicos ou privados”. Primeiro, é preciso distinguir: dar notícia-crime e fornecer elementos ilicitamente obtidos, junto com a notícia do crime.

Simplesmente dar a notícia de um crime não gera qualquer prova ilícita, mas apenas desencadeará uma investigação que deverá seguir os trâmites legais. Coisa distinta é dar notícia de um crime, fazendo-a acompanhar de elementos obtidos com o exercício da atividade (por exemplo: dados protegidos por sigilo fiscal que acompanham uma representação fiscal para fins penais).

Pressupondo tratar-se dessa segunda situação o que se pretende normatizar, o dispositivo é ou claramente inconstitucional, ou desnecessário! Tertium non datur. Não terá sentido se o sujeito, em atividade pública ou privada, de boa ou de má-fé, dá notícia-crime, fundamentando-a em elementos ilicitamente obtidos. Por outro lado, se a ideia é autorizar que um meio de prova obtido ilicitamente possa acompanhar uma notícia-crime, somente porque o agente que a transmite, seja ele público o privado, está de boa-fé, a inconstitucionalidade é insofismável. A Constituição não assegura: “são inadmissíveis, no processo, as prova ilícitas obtidas de má-fé”. O que determina a natureza lícita ou ilícita da prova não é a intenção de quem a obtém. Isso poderá servir para isentar o agente público ou o particular do cometimento de algum crime, por ocasião da obtenção de tal elemento. Mas não pode servir para afastar a violação da garantia constitucional na obtenção da prova e, consequentemente, sua inadmissibilidade no processo.

Enfim, o problema do grau de aceitação ou não das provas ilícitas no processo penal se coloca no plano de tensão constante entre a efetividade da persecução penal e a preservação dos direitos e garantias fundamentais dos acusados. Da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, cujas decisões foram tão citadas na justificativa do Anteprojeto, ainda ecoa com atualidade a advertência do Justice Brandeis, feita em 1928, ao julgar o famoso caso United States v. Olmstead: “Em um governo de lei, a existência do governo será posta em risco se falhar em observar estritamente os ditames legais. (...) Crime é contagioso. Se o governo torna-se um violador da leis, ele incentiva a violação da lei, convidando cada homem a se tornar a sua própria lei, convida à anarquia”.( [17] )

Gustavo Badaró
Livre-Docente, Doutor e Mestre em Direito Processual Penal pela USP.
Professor Associado do Departamento de Direito Processual, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Advogado Criminalista e Consultor Jurídico.

[1] Notas
Taruffo, Michele. La semplice verità. Il giudice e la costruzione dei fatti. Roma: Editori Laterza, 2009. p. 78.

[2]  Beltrán, Ferrer. Prova e verità nel diritto. Tradução de Valentina Carnevale, Bologna: Il Mulino, 2004. p. 39.

[3] Ubertis, Giulio. La prova penale. Profili giuridici ed epistemologici. Torino: Utet, 1999. p. 7.  

[4] Ferrajoli, Luigi. Diritto e ragione: teoria del garantismo penale. 5. ed. Bari: Laterza, 1998. p. 18.

[5] Liberdades públicas e processo penal: as interceptações telefônicas. 2. ed. São Paulo: RT, 1982. p. 98-99. A distinção doutrinária foi expressamente acolhida pelo Plenário do STF, no julgamento do HC 69.912-0/RS (LEX-STF 183/320).

[6] Para um análise prática de tais problemas: Badaró, Gustavo Henrique. Processo penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 403-407.

[7] Badaró, Processo penal cit., p. 408.

[8] Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, item XVII.

[9] Bueno, José Pimenta. Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1922. n. 107, p. 82.

[10] Nesse sentido:  Bloom, Robert; Brodin, Mark. Constitutional criminal procedure: examples and explanations. Boston: Little Brown and Company, 1992. p. 167-169.

[11] Provas: Lei 11.690, de 09.06.2008. In: Moura, Maria Thereza Rocha de Assis (org.). As reformas no processo penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: RT, 2008. p. 276-270.

[12] 468 U.S. 897 (1984).

[13] 480 U.S. 340 (1987).

[14] 514 U.S. 1 (1995).

[15] 129 S.Ct. 695 (2009).

[16] Um resumo dos casos e uma análise crítica da Good-Faith Exception pode ser consultado em: Mark  E. Cammack, The United States: the rise and fall of the constitutional exclusionary rule, in The American Journal of Comparative Law vol. 58, Supplement: Welcoming the World: U. S. National Reports to the XVIIIth International Congress of Comparative Law (2010), p. 631-658, especialmente p. 645-647.

[17] 277 U.S. 438 (1928).



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