José Carlos Abissamra Filho
Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos
Há determinados males que, a despeito de existirem desde sempre, permanecem na penumbra, muitas vezes camuflados por outras patologias sociais, e que somente afloram quando – e se – um raio de luz os projete. Eis o caso da corrupção em nosso país. Com efeito, a estridência dos recentes escândalos, de proporções inéditas, mas de contornos ainda desconhecidos, expôs, às escâncaras, a face mais perniciosa da indecência no trato do dinheiro público, permitindo que a corrupção se tornasse o inimigo da vez a ser duramente debelado pela sociedade.
Utilizando-se desse cenário como pano de fundo, e aproveitando da angústia que indiscriminadamente assola os brasileiros, o Ministério Público Federal lançou neste ano campanha, sob a rubrica “10 Medidas Contra a Corrupção”, por meio da qual propõe uma série de alterações legislativas aptas a, no entender do órgão ministerial, tornar o Brasil um país “mais justo, com menos corrupção e menos impunidade”.( [1] )
Aludidas propostas, veiculadas sob competente viés propagandístico, foram lançadas à sociedade em forma de um pacote único – quase inseparável –, cujo conteúdo se revestiria de medidas consideradas imprescindíveis para tornar o ordenamento jurídico mais eficiente no combate à corrupção. Atualmente, as propostas percorrem as principais cidades do país em busca da necessária adesão para originar um projeto de lei de iniciativa popular.
A iniciativa, em sua essência, deve ser elogiada, pois uma sociedade menos corroída pelo mal da corrupção é um anseio comum. Toda e qualquer proposta legislativa que vise à melhoria do sistema de justiça criminal e, por consequência, à construção de uma sociedade mais justa, merece a atenção de todos os atores envolvidos na persecução penal – membros do Ministério Público, juízes, advogados – e, mais, de todos os cidadãos. Afinal, somos todos contra a corrupção.
Todavia, uma breve corrida de olhos pelas pretensões do Ministério Público é suficiente para revelar que as “10 Medidas Contra a Corrupção”, se no nome seduz (afinal, a levar em conta apenas o título, quem seria contra?), em muitos pontos de seu conteúdo causa preocupação. Muitas das medidas – por mais que sejam bem intencionadas na eliminação da hoje endêmica corrupção – representam um retrocesso punitivista do sistema penal e processual penal, seja por importações impensadas de institutos jurídicos estrangeiros, seja pelo aumento desmedido de penas sem a construção de mecanismos que garantam maior efetividade à aplicação das leis penais, seja pelas sugeridas alterações legais que afrontam garantias constitucionais tão caras como a presunção de inocência.
Nesse contexto, o que preocupa o IBCCRIM (e deveria também preocupar todos os que compartilham do mesmo ideal de construção de uma sociedade mais justa e democrática) é a maneira pela qual se pretende enfrentar esse mal da corrupção. Em muitas das proposições, o fio condutor é, infelizmente, a já vetusta (mas sempre presente) política de recrudescimento do sistema penal para solução dos problemas imediatos que atormentam o sentimento público.
Em outras palavras, o elogiado ideal de eliminação da corrupção, em vez de levar ao aperfeiçoamento do sistema público de administração e de justiça, pode implicar um retrocesso legal, que até pode se prestar a saciar em parte os anseios momentâneos, mas que, paradoxalmente, corre o risco de se revelar em um próprio incremento do mal combatido: a corrupção dos sistemas penal e processual penal (enquanto desvirtuamento de princípios legais e constitucionais) como meio para o “combate” à própria corrupção.
Importante destacar que não somente de propostas descabidas é formado o pacote de medidas do Ministério Público. Há as alvissareiras, sem dúvida. A título de exemplo, de se citar a criação de regras de accountability dos tribunais, instrumento este absolutamente necessário para modernização e avanço do arcabouço normativo vigente. Contudo, diante de um contexto de propostas desencontradas, desprovidas de um elo estruturante, tal medida se perde e, infelizmente, torna-se de menor relevância.
O IBCCRIM, no seu inarredável compromisso de defesa do Estado Democrático de Direito, e na constante luta para preservação das garantias individuais constitucionais, não há de ficar silente diante de proposta que pretende promover significantes alterações no sistema penal brasileiro. É nesse sentido que apresenta à comunidade o presente Boletim Especial, com artigos de especialistas sobre os principais temas penais e processuais-penais contidos nas “10 Medidas Contra a Corrupção”.
Para muito além de apenas criticar, e atento às vivas palavras do escritor francês, André Gide, “creia nos que procuram a verdade; duvide dos que a encontram”, o Instituto, de maneira alguma, se pretende o bastião da verdade nos assuntos aqui tratados. Procura, ao revés, simplesmente trazer ideias – ainda que contramajoritárias por natureza – aptas a contribuírem para um debate entre a comunidade, tendo como único objetivo um prognóstico saudável de nosso modelo de justiça criminal.
Não há dúvida de que a corrupção corrói sordidamente as instituições, limita o desenvolvimento de um país e, em última instância, suprime verbas que deveriam ser destinadas ao bem-estar das camadas mais necessitadas da sociedade. O IBCCRIM, ciente de seu papel institucional, e em sintonia com o Ministério Público, está disposto a lutar contra todas as mazelas inerentes à corrupção. O inimigo, portanto, é comum. O que muda, como se verá nas páginas que seguem, é a forma de combatê-lo.
As referidas medidas podem ser acessadas no seguinte link, em que estão disponíveis, inclusive, as justificativas para cada item do projeto: <http://www.combateacorrupcao.mpf.mp.br/10-medidas>, acesso em: 21 nov. 2015.
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