José Carlos Abissamra Filho
Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos
Autor: Berenice Maria Giannella
Em junho de 2005, a FEBEM – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor estava em convulsão. Entre janeiro e junho daquele ano, ocorreram 35 rebeliões, algumas abrangendo mais de uma unidade ao mesmo tempo. Convidada pelo Governador do Estado a assumir sua presidência, aceitei o desafio, que imaginava gigantesco, mas não maior do que aquele em que eu me encontrava, na qualidade de Secretária Adjunta da Secretaria da Administração Penitenciária. Pensei: se aqui cuidamos de 80 mil, por que não conseguiremos cuidar de 5.500?
Ledo engano! O desafio era muito maior! Além do ambiente então convulsionado com os seus empregados, os jovens se mostravam mais indóceis do que os adultos. E o ambiente externo então! Ainda mais difícil! Nesta área, ou você defende fervorosamente os jovens, acreditando que se trata de vítimas de uma sociedade que dela os exclui, desresponsabilizando-os por seus erros; ou você os ataca como marginais, sem limites e autores de todos os atos graves contra a vida praticados contra as pessoas. Nem um, nem outro.
Tendo que gerir as unidades, os servidores e os jovens, fomos percebendo que de fato, a grande maioria dos jovens é vítima de exclusão social. Quase todos vêm da periferia das cidades, de classes sociais baixas, muito baixas ou média baixa, excluídos do atendimento de saúde (quanta dificuldade para se agendar uma consulta no SUS!!), morando em locais sem saneamento básico e com graves déficits na área escolar. Até hoje, é muito alto o índice de jovens que têm defasagem idade-série (estão fora da série escolar que deveriam estar pela idade que apresentam) – 96%; alto também o índice de jovens que não estão matriculadas em nenhuma escola – mais de 30%; e alto o número de jovens que, matriculados ou não, não frequentavam a escola - mais de 50%. Em que pese o fato de que, de modo geral, a vida do brasileiro melhorou nos últimos anos, o que se nota é que a maioria virou consumidor antes de virar cidadão. Tiveram acesso a bens pessoais antes de terem acesso aos bens sociais (saúde, educação de qualidade, saneamento básico...). Assim, é verdade incontestável que a grande maioria dos jovens que estão na atual Fundação CASA são excluídos socialmente, embora muitos tenham televisores, celulares... Mas, certamente, isso – por si só – não justifica o crime e nem a ausência de punição e possibilidade de ressocialização.
Os jovens, excluídos ou não, devem responder por seus atos infracionais, aplicando-se-lhes a medida socioeducativa para, assim, terem a oportunidade de virarem cidadãos, seja no atendimento em meio aberto, seja na internação. Aqui na CASA, por exemplo, embora privados de liberdade, frequentam escola, têm cursos de educação profissional básica, têm acesso à cultura e ao esporte, vão ao dentista, ao médico, além de terem atendimentos por psicólogos e assistentes sociais, e, eventualmente, até de médicos psiquiatras, se isso se fizer necessário. E este é um ponto que precisa ser destacado para os que acreditam que todos são marginais e merecem punição: eles são punidos sim! Embora em ambiente saudável, digno e com acesso às políticas públicas, evidentemente estão privados de liberdade e, portanto, estão presos! Não podem e não devem ser desresponsabilizados porque excluídos socialmente, especialmente porque dos muitos excluídos socialmente no Brasil, poucos são os que acabam entrando no mundo do crime.
Mas, alegam os da segunda corrente: por que eles não podem ser presos como adultos e por que ficam tão pouco tempo presos se são bandidos perigosos? Porque no fundo – e quem os conhece sabe bem do que estou falando – são imaturos, inconsequentes, impulsivos, cheios de razão, donos do mundo (que aliás só começou depois que eles nasceram!), características próprias da adolescência. Dizem os especialistas em ciências, que o cérebro só está perfeitamente amadurecido por volta dos 20 anos, e que a última parte que amadurece é exatamente o córtex pré-frontal, que permite o autocontrole. É por isso que, embora saibam o que estão fazendo, muitas vezes não conseguem impedir seus próprios atos criminosos, porque ainda não têm maturidade para isto. Os sentimentos viscerais são manifestados com mais facilidade, sem passar pelo filtro da razão. O jovem consegue perceber o risco de suas decisões, mas a capacidade de regular seu comportamento de acordo com essas percepções não está totalmente madura. Dessa forma, se expõe a riscos sem considerar suas consequências. Por isso, não é incomum jovens fazerem as mais diversas bobagens e depois, mais maduros, nunca mais se envolverem em qualquer ato criminoso.
Não é por outro motivo, aliás, que também na área civil, vários atos só são permitidos após os 18 anos: tirar carteira de motorista, casar (salvo se for emancipado), é considerado crime dar ou vender bebida alcoólica a menores de 18 anos... Enfim, a lei brasileira – de maneira geral – considera que o menor de 18 anos é imaturo, tanto que lhe veda vários direitos, e por que agora queremos puni-los como se adultos fossem? Pela mesma razão, a maioria dos países estabelece uma legislação diferenciada para os menores de 18 anos (veja-se a respeito pesquisa da UNICEF sobre o assunto- HTTP://www.criança.mppr.mp.br/arquivos/File/idade_penal/unicef_id_penal_nov2007_completo.pdf).
Também em função de sua rápida transformação nesta idade e por serem pessoas ainda em desenvolvimento, o tempo de privação de liberdade deve ser o mínimo necessário para o seu retorno saudável à sociedade. Privilegia-se mais a ressocialização do que a punição. Daí porque a Constituição Brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei do SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo preverem, em uníssono, que um dos princípios que regem o cumprimento da medida socioeducativa é o da brevidade.
Ah! Mas eles matam, estupram, praticam latrocínio! Sim, infelizmente! Mas em número muito menor do que o adulto. Em São Paulo, de cada 100 pessoas presas em flagrante delito, 86/87 são adultos e 13/14 são adolescentes (vejam-se a respeito as estatísticas mensais da SSP/SP). Ah, mas temos muito menos pessoas na população brasileira nesta faixa etária do que na faixa além dos 18 anos! Sim, e assim diz o IBGE (censo 2010). No entanto, também temos que excluir da faixa adulta todas as pessoas acima de 35 anos, pois a partir daí raramente se envolvem em crimes. Assim, a comparação deve ser feita entre a faixa etária de 12 a 18 e de 18 a 35! Ou seja, considerando-se os percentuais, temos sim, bem menos adolescentes do que adultos praticando os crimes. E quanto aos crimes hediondos? A Fundação CASA hoje tem praticamente 50% de todos os internos do país, e aqui, os crimes hediondos respondem por menos de 3% das internações. Cai mais um mito! Os jovens pouco praticam crimes gravíssimos, estando a maioria internados por roubo e tráfico de entorpecentes (leia-se tipificados forçosamente como tráfico, em muitos casos). Conhecendo o sistema socioeducativo como hoje conheço, não tenho nenhuma dúvida de que o jovem nele inserido tem muito mais condições de se recuperar do que se estivesse no sistema prisional, que também conheço razoavelmente bem e onde ele evidentemente será mais facilmente cooptado pelos mais velhos, mais maduros e mais ardilosos.
Encerrando: não podemos ser maniqueístas nesta área: os jovens não praticam crimes apenas porque são excluídos socialmente, mas também não são os assassinos cruéis que a outra parte (hoje maioria na sociedade, infelizmente) acredita. São imaturos sim, e, por isso, merecem receber punição mais branda que o adulto que tem plena consciência de seus atos e mecanismos para impedi-los se quiserem, daí porque temos que ter uma legislação específica para os adolescentes. E por serem excluídos socialmente, devem receber dessa mesma sociedade – muitas vezes pela primeira vez na vida e aqui dentro da CASA – o acesso aos direitos que lhe foram negados de educação, saúde, esporte, lazer. Aprovar a PEC 171/93 significará mandar para a prisão muitos jovens que serão facilmente manipulados, quando devemos puni-los com o rigor que o Estatuto hoje tem, mas com a possibilidade de eles acessarem tudo aquilo que nós sociedade negamos a eles anteriormente. Vamos dar aos jovens uma chance!
Berenice Maria Giannella
Presidente da Fundação Casa (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).
IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040