INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 243 - Fevereiro/2013





 

Coordenador chefe:

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Conselho Editorial

A tipicidade do extermínio ou o extermínio da tipicidade? Uma análise da Lei 12.720/2012

Autor: Luciano Filizola da Silva

Durante uma aula, o saudoso Alessandro Baratta, um dos maiores criminólogos de nosso tempo, o qual tive a honra de ter como professor, já nos alertava que um dos maiores embates da atualidade (e já estamos falando dos anos 2000) gera uma questão de suma importância: o que deveria ter maior peso, o que é preponderante, o direito à segurança ou a segurança dos direitos, ou seja, a busca por uma segurança pública eficaz que garanta a paz de nossos “homens de bem” ou a segurança das garantias constitucionais estampadas em nossa Magna Carta?

Não é de hoje que sabemos do uso constante do legislador no emprego do Direito Penal de forma simbólica a fim de dar uma satisfação cosmética à sociedade sobre determinado problema, geralmente bastante veiculado pela mídia, o que gera a famosa sensação de insegurança baseada no fácil slogan de que o nosso maior problema é a impunidade.

Diante disso, entrou em vigor no dia 27 de setembro de 2012 a Lei 12.720/2012 que traz uma majorante para os crimes de homicídio e lesão corporal quando praticados por membros de grupo de extermínio ou milícia privada e o novo art. 288-A, cuja redação é: “Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código”, sancionando tal conduta com uma pena de reclusão de 4 a 8 anos.

O homicídio simples praticado em atividade típica de grupo de extermínio já era definido como crime hediondo, porém sempre causou estranheza o fato de sendo a conduta tão grave não possuir uma causa de aumento de pena ou qualificadora, além de afrontar gritantemente o princípio da legalidade, por não possuir qualquer definição legal do que seria tal prática, conforme habitual ensinamento de Alberto Silva Franco.(1) O primeiro problema a lei tentou solucionar, porém, mantendo a mesma descrição vaga da Lei 8.072/1990. O que seria grupo de extermínio? E ainda acrescentou a milícia privada, a prática criminosa da “moda”.

Logicamente, não que tais práticas não sejam graves, porém, deixar como fonte de interpretação de seu significado reportagens da mídia de folhetins cinematográficos é, no mínimo, leviano, afrontando a máxima taxatividade.

E a redação do art. 288-A ainda é pior, quando criminaliza os atos preparatórios (que por si só já violariam o princípio da lesividade) relacionados à organização paramilitar, o que só pode ser comparada a uma espécie de FARC; milícia privada, atividade que está sempre relacionada à extorsão, crime este que nem é mencionado pela lei; grupo ou esquadrão! Como assim? Qual a diferença de um para o outro? Aprendi que grupo é mais de um; e esquadrão? Seria um grupo de natureza militar? Mas isso já não seria uma organização paramilitar? Provavelmente alguém lembrou do malfadado “esquadrão da morte”, um grupo de extermínio que aterrorizou o Rio de Janeiro nos anos 80 e achou interessante mencionar!

Além disso, tal “grupo” tem como fim praticar qualquer crime previsto no Código Penal, reduzindo, com isso, consideravelmente a aplicação do crime de quadrilha ou bando, cuja redação, mesmo sendo um pouco mais criteriosa, já vinha sendo utilizada indiscriminadamente.

Tal redação violaria o próprio “espírito” da norma, que seria coibir organizações criminosas mais perigosas, mas não é o que acontece, pois ela criminaliza, de forma autônoma, qualquer concurso de agentes que se reúnam para praticar qualquer crime (isso mesmo, no singular) previsto no CP. Se duas ou mais pessoas se reúnem para montar um prostíbulo ou para furtar um computador da empresa em que trabalham responderão pelo crime de milícia (como já vem sendo conhecido).

Nítida inconstitucionalidade nada mais é do que fruto deste autoritarismo cool, segundo denominação de Zaffaroni,(2) o qual não possui convicção, mas sim uma moda, que é necessário aderir. Diante de tantas “denúncias” relacionadas às milícias, a ausência de uma tipificação era uma vergonha para nossa legislação tupiniquim, porém, sem necessidade de grandes definições, pois todos já sabem o que é milícia, após verem “Tropa de elite 2”, e se aproveita para colocar outras expressões genéricas para possibilitar sua aplicação a qualquer outra hipótese menos específica. É um Direito Penal do improviso, com direito à fita crepe e tudo.

Com tal recurso poderemos prender quem quisermos, pois agora temos um instrumento forte e eficaz na luta contra o inimigo, ainda que ninguém saiba muito bem quem ele seja, a não ser aquele que o define.

Notas:

(1) Franco, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: RT, 2000.

(2) Zaffaroni, Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

Luciano Filizola da Silva
Mestre em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes/ RJ.
Professor de Direito Penal e Criminologia da graduação e da pós-graduação da Universidade Estácio de Sá.
Advogado.



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