INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 243 - Fevereiro/2013





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho, Matheus Silveira Pupo e Rafael Lira.

Conselho Editorial

Editorial

Editorial - Para onde caminha o habeas corpus?

Com grande amplitude nas hipóteses de cabimento e não menor agilidade de tramitação, construídas ao longo de décadas pela jurisprudência dos tribunais brasileiros, a garantia do habeas corpus começa a sofrer baixas nas Cortes Superiores, e alguns ventos já sopram inegavelmente no sentido de sua restrição. A primeira dúvida a respeito é quanto ao alcance desta restrição.

As duas turmas criminais do STJ, por exemplo, após decisão da Primeira Turma do STF, já não reconhecem mais a validade do chamado habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, embora, é verdade, os Ministros venham concedendo ordens de ofício quando vislumbram situação de ilegalidade flagrante, sobretudo na hipótese de writ impetrado antes da mudança de entendimento. De se ver, no entanto, que a Segunda Turma do Supremo não se manifestou sobre o tema, e tampouco houve decisão plenária do Tribunal a respeito.

De toda forma, indaga-se: seria esta a única restrição, ou ainda há outras por vir?

Esse cenário preocupa a todos que de alguma forma lidam com as violações diárias de direitos na justiça penal. E a razão para isto é que se está a suprimir, de maneira abrupta, um remédio singular de impugnação a ilegalidades praticadas por agentes estatais sem que se disponibilize qualquer instrumento dotado de semelhantes alcance, rapidez e eficácia. Com efeito, ainda são em número sabidamente elevado as prisões ilegais por todo o país e vultosas também as decisões de primeira e segunda instâncias que relutam a aplicar entendimentos pacificados nas Cortes Superiores, inclusive em questões já sumuladas, muitas delas diretamente ligadas à restrição da liberdade, como critérios de aplicação da pena e do regime prisional adequado, e em tantos outro temas, embora indiretamente ligados ao risco de restrição da liberdade de locomoção, mas nem por isso menos importantes, como o respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Algumas outras inquietações surgem no momento em que decisões como estas começam a ser proferidas. O inegável volume de processos seria uma justificativa válida para a restrição de tão importante garantia constitucional, ou soluções de índole administrativa deveriam ser pensadas antes de se tomar medida tão drástica? A propósito, a medida irá efetivamente reduzir o volume de trabalho no STJ e no STF, já que os pedidos, embora com atraso, continuarão a chegar via recurso ordinário?

Por outro lado, estariam as nossas instituições maduras o suficiente para se “libertarem” dos auspícios garantistas do Supremo Tribunal Federal, que praticamente não receberia mais habeas corpus e passaria a atuar apenas pela via restrita e estreita do recurso extraordinário? Pelo menos, é este um risco concreto que se avizinha – embora tenha sido o STF, até mais do que o STJ, o responsável por protagonizar papel de fundamental importância na consolidação jurisprudencial dos direitos e garantias individuais nas últimas décadas. E, por fim, os inúmeros casos de ordens concedidas de ofício no STJ, já depois da mudança de entendimento, não estariam a revelar uma situação paradoxal, dando lugar a casuísmos nocivos ao Estado Democrático de Direito, semelhantes aos gerados com a edição da Súmula 691 da Suprema Corte?

Afora isso, caberia indagar se o novo entendimento não estaria reduzindo a garantia de envergadura constitucional a mero instrumento de natureza recursal, contradizendo importante lição de Pontes de Miranda de que a [...] pretensão não é recursal. Nem no foi, nem no é. É ação contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir. Talvez contra autoridade judiciária. Talvez contra tribunal” (Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. História e prática do habeas corpus. 4. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962. p. 5)?

Ao lado dessas inquietações, surgem também outras que atinam mais com a natureza do remédio mandamental. Teria o instrumento do habeas corpus se banalizado no Brasil, com o alargamento das suas hipóteses de cabimento, e resgatar sua grandeza histórica, restituindo-lhe o papel de salvaguarda da liberdade de locomoção stricto sensu, seria umas das razões para se levar a cabo o movimento de estreitamento do writ? Ou não, as particularidades brasileiras são condizentes com a amplitude conquistada ao longo dos anos?

Atento a tudo isso, o IBCCRIM criou o Grupo de Trabalho sobre o Habeas Corpus, que se incumbirá de estudar esses problemas e suas implicações, perscrutando, outrossim, a essência do habeas corpus e as razões históricas que o levaram a adquirir tamanha amplitude no caso brasileiro, bem como a lacuna ora criada no sistema de proteção de garantias fundamentais. Espera, com isso, em cumprimento às suas finalidades estatutárias, oferecer a contribuição que lhe cabe neste debate tão importante ao aprimoramento de nosso Estado Democrático de Direito.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040