Rogério Fernando Taffarello
Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho, Matheus Silveira Pupo e Rafael Lira.
I – JOSÉ DIRCEU
(...)
5. A PRODUÇÃO DA PROVA ACUSATÓRIA E O DESPREZO ABSOLUTO PELO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Foram expostos os fatos que a Acusação imputou a José Dirceu como caracterizadores dos crimes de quadrilha e corrupção. Estas condutas estariam amparadas em indícios, notadamente no depoimento extrajudicial de testemunhas ouvidas na fase policial ou em Comissões Parlamentares de Inquérito.
(...)
Porém, no caso presente, o Ministério Público deliberadamente abriu mão de tentar provar, no curso da ação penal, as acusações lançadas contra José Dirceu.
(...)
Logo, a absoluta inexistência de provas aptas a um decreto condenatório tem como primeiro responsável o próprio Ministério Público, que nem mesmo buscou produzir uma prova válida contra o ex-Ministro-Chefe da Casa Civil.
José Luis de Oliveira Lima e Rodrigo Dall’Acqua
Advogados.
II – SÍLVIO JOSÉ PEREIRA
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3. DA INÉPCIA DA DENÚNCIA
(...)
Ora, no caso em tela, como já dito, a denúncia, embora longa e com inúmeras referências ao “núcleo central” ou a “organização criminosa”, permanece no campo abstrato dos preceitos penais incriminadores, esquecendo-se que o fato processual penal é um fato concreto, um acontecimento histórico, e não um tipo penal ideal.
Por tudo isto, como se verá a seguir, na análise específica de cada um dos tipos penais imputados ao denunciado SÍLVIO PEREIRA, é perfeitamente possível afirmar que a denúncia é inepta, por não conter a descrição dos fatos concretos que se subsumiriam aos tipos penais dos crimes de quadrilha, peculato e corrupção ativa. Em outras palavras, a denúncia não narra, concretamente, os elementos dos referidos tipos penais, nem suas circunstâncias, em especial de tempo e de modo de execução.
Denúncia sem imputação é denúncia inepta, e o processo que com ela se origina estará irremediavelmente nulo.
(...)
Assim, Culto Ministro, não havendo descrição de em que consistiu, em concreto, os delitos imputados ao denunciado SILVIO PEREIRA há falta de requisito exigido pela lei para o exercício da ação penal, nos termos do art. 41, do Código de Processo Penal.
Mariângela Lopes Neistein, Marco Antonio Barone Rabello e Jennifer Cristina Ariadne Falk
Advogados.
III – BRENO FISCHBERG E ENIVALDO QUADRADO
(...)
X.2 – Da inexistência de Pluralidade de Crimes Indeterminados, no Caso Concreto
Conforme anteriormente mencionado, requisito fundamental para a configuração do crime previsto no artigo 288, do Código Penal, está relacionado ao fato de que o agente deve integrar associação, que tenha como finalidade a prática de pluralidade de crimes indeterminados.
Fala-se, assim, que a atuação da quadrilha ou bando tem finalidade indeterminada, porquanto a união dos indivíduos, para que perfaça os requisitos legais do artigo supracitado, precisa ser feita para viabilizar a prática de delitos diversos, indeterminados. Segundo lições de Nelson Hungria, “a quadrilha ou bando pode ser dada a seguinte definição: reunião estável ou permanente (que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes”.
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Diante disso, já é possível verificar ser atípica a conduta que o I. Procurador-Geral da República atribui aos Acusados, que teriam, imaginariamente, perpetrado o delito insculpido no artigo 1º, incisos V, VI e VII, da Lei Federal nº 9.613/98.
Isso porque, ao aduzir que Breno Fischberg e Enivaldo Quadrado teriam ingressado em associação, para a prática, tão somente, do crime de lavagem de dinheiro, o D. Ministério Público Federal acaba por esquecer-se da necessidade, primordial, de que, no crime de quadrilha ou bando, os agentes se unam com a finalidade de praticar crimes diversos, indeterminados – o que, por óbvio, não ocorreu no caso concreto.
Isso porque, os Acusados atuariam – alega-se, absurdamente – para promover o branqueamento de capitais oriundos de prática delitiva, jamais, para praticar crimes diversos.
Entretanto, caso Vossas Senhorias entendam que a configuração do crime previsto no artigo 288, do Código Penal, pode ocorrer, ainda que os agentes tenham praticado, por mais de uma vez, delitos idênticos, observar-se-á que, no presente caso, não é possível cogitar-se a prática de pluralidade de crimes de lavagem de dinheiro.
Afinal, embora atípicas todas as condutas narradas pelo I. Procurador da República, ainda que seja desprezado o princípio da legalidade, é impossível concluir que foi descrita a prática do crime previsto no artigo 1º, da Lei Federal nº 9.613/98, mais de uma vez.
Conforme já foi amplamente abordado, a prática do crime de lavagem de dinheiro pressupõe a ocorrência de três etapas (delito trifásico), bem definidas, quais sejam, a conversão dos valores (placement), a dissimulação ou ocultação de sua origem (layering), viabilizando o posterior ingresso do capital, já com a aparência de licitude, na economia (integration).
Nesse contexto, para que se pudesse falar na pluralidade de crimes da lavagem de dinheiro, circunstância sem a qual está afastada a tipicidade do crime previsto no artigo 288, do Código Penal, seria necessário que houvesse mais uma etapa de conversão, mais de uma etapa de dissimulação ou ocultação e mais de uma etapa de reinserção de valores na economia.
Em outras palavras, o fato de terem sido verificados diversos saques e transferências – que se entendiam lícitos – não é razão suficiente para que se presuma praticado, diversas vezes, o delito previsto no artigo 1º, da Lei Federal nº 9.613/98.
Na verdade, a realização de diversas transferências, nada mais quer dizer que a suposta dissimulação dos valores na economia – caso se considerem típicas as condutas –, segunda fase de um único crime de lavagem de dinheiro, ocorreu de maneira fracionada.
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Destarte, tem-se que somente seria possível falar-se na pluralidade de crimes de lavagem de dinheiro, caso houvesse pluralidade de condutas que se enquadrassem no conceito de conversão, de dissimulação e de reintegração, etapas essenciais para o cometimento do delito trifásico.
Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
Advogado.
IV – MARCOS VALÉRIO
(...)
III – 1ª Preliminar: Incompetência do Supremo Tribunal Federal. Pessoa que não tem foro por prerrogativa de função acusada de crime da competência constitucional da Justiça Federal. Separação do julgamento. Precedentes do STF.
6 – A denúncia oferecida pelo PGR, atualmente, envolve apenas 02 (duas) pessoas que têm foro por prerrogativa de função e, por isso, estão sujeitas à competência originária do Supremo Tribunal Federal, prevista no artigo 102, inciso I, alínea “b” (CF), para o processo e julgamento nas infrações penais comuns: os hoje deputados federais João Paulo Cunha (15º denunciado) e Valdemar Costa Neto (25º denunciado).
(...)
A legislação infraconstitucional estabelece a regra de unidade do processo e julgamento, nos casos de conexão e continência (art. 76 a 79 do CPP), bem como o princípio da indivisibilidade da ação penal (art. 48, CPP). Por isso, em princípio, todos os acusados pelos mesmos fatos, em concurso de pessoas ou relação a crimes conexos, devem ser processados e julgados em ação penal única.
Entretanto, admitem-se a separação obrigatória e facultativa dos processos, apesar da existência de conexão ou continência, nos termos das exceções previstas nos incisos e parágrafos do art. 79 e nas hipóteses do art. 80, ambos do Código de Processo Penal.
Ao lado disso, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem determinado a separação de processo e julgamento, mesmo entre acusados de um mesmo crime em concurso de pessoas, quando um dos acusados tem foro de prerrogativa de função, e outro não, em se tratando de competência constitucionalmente prevista, como no caso de crime da competência do Tribunal do Júri:
(...)
COMPETÊNCIA - CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA - CO-AUTORIA - PRERROGATIVA DE FORO DE UM DOS ACUSADOS - INEXISTÊNCIA DE ATRAÇÃO - PREVALÊNCIA DO JUIZ NATURAL - TRIBUNAL DO JÚRI - SEPARAÇÃO DOS PROCESSOS.
1. A competência do Tribunal do Júri não é absoluta. Afasta-a a própria Constituição Federal, no que prevê, em face da dignidade de certos cargos e da relevância destes para o Estado, a competência de tribunais - artigos 29, inciso VIII; 96, inciso III; 108, inciso I, alínea “a”; 105, inciso I, alínea “a” e 102, inciso I, alíneas “b” e “c”.
2. A conexão e a continência - artigos 76 e 77 do Código de Processo Penal - não consubstanciam formas de fixação da competência, mas de alteração, sendo que nem sempre resultam na unidade de julgamentos - artigos 79, incisos I, II e §. 1. e 2. e 80 do Código de Processo Penal. 3. O envolvimento de co-réus em crime doloso contra a vida, havendo em relação a um deles a prerrogativa de foro como tal definida constitucionalmente, não afasta, quanto ao outro, o juiz natural revelado pela alínea “d” do inciso XXXVIII do artigo 5. da Carta Federal. A continência, porque disciplinada mediante normas de índole instrumental comum, não é conducente, no caso, a reunião dos processos. A atuação de órgãos diversos integrantes do Judiciário, com duplicidade de julgamento, decorre do próprio texto constitucional, isto por não se lhe puder sobrepor preceito de natureza estritamente legal. 4. Envolvidos em crime doloso contra a vida Prefeito e cidadão comum, biparte-se a competência, processando e julgando o primeiro o Tribunal de Justiça e o segundo o Tribunal do Júri. Conflito aparente entre as normas dos artigos 5., inciso XXXVIII, alínea “d”, 29, inciso VIII, alínea “a” da Lei Básica Federal e 76, 77 e 78 do Código de Processo Penal (HC 70.581-AL, Rei. Min. MARCO AURÉLIO, 2ª Turma, STF).
Desta sorte, deve-se adotar, na espécie, a mesma soluçãoantes mencionada relativa ao aparente conflito de normas constitucionais entre a competência originária de tribunal (em razão da pessoa) e a competência do júri (em razão da matéria), ambas com sede constitucional: os denunciados que têm foro por prerrogativa de função serão julgados neste STF, os demais deverão ter seu julgamento separado, para que sejam julgados perante a Justiça Federal de 1a instância.
(...)
9-O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre esta matéria específica, em vários precedentes, sempre no sentido de reconhecer sua incompetência e deferir o desmembramento dos processos. Aliás, este parece ser o único caso em que o STF não procedeu ao desmembramento, segundo a observação atenta do Senhor Ministro MARCO AURÉLIO, em julgamento de agravo regimental nestes autos:
“Na minuta, a agravante, mediante atuação do advogado Doutor Marcelo Leonardo, cita, praticamente, uma dúzia de precedentes nesse sentido. Creio que não se pode estar, conforme o processo, a variar de enfoque. No caso concreto, o que ocorre? Apenas uma meia dúzia de envolvidos na ação penal possuí a prerrogativa de ser julgada pelo Supremo, e a projeção, considerada a instrução, as delegações, no tempo da instrução da própria causa. Por isso - porque veio a matéria ao Plenário e o foro próprio para discutirem-se e rediscutirem-se temas é o Plenário -, peço vênia ao relator para, fiel à concepção que tenho sobre a prerrogativa de foro - e já disse que espero viver o dia em que não haverá essa prerrogativa, em que o tratamento será igualitário em termos de persecução penal -, prover o recurso e proceder ao desmembramento”.
Ademais, a rejeição desta preliminar de incompetência do STF, violaria as garantias constitucionais do juiz natural (artigo 5o, incisos XXXVII e LIII, CF) e o princípio do duplo grau de jurisdição (artigo 5o, §§2° e 3o, CF, combinado com o artigo 8o, n. 2, alínea “h”, da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica - Decreto n° 678/1992).
V – MÉRITO
d) Quanto à imputação de lavagem de dinheiro (art. 1º, V, VI e VII, da Lei nº 9.613/98)
(...)
37 - Para justificar a acusação de lavagem de dinheiro, em terceiro lugar, o PGR invoca o inciso VII, que se refere a crime praticado por organização criminosa. Daí a necessidade que teve o PGR de falar, repetidas vezes na inicial, que os recursos financeiros repassados teriam origem em crime praticado por organização criminosa, bem como fazer a acusação de formação de bando ou quadrilha.
Neste particular, a defesa do 5o denunciado, MARCOS VALÉRIO, se reporta ao que já foi dito nestas alegações finais, no sentido de demonstrar a inocorrência do crime de formação de bando ou quadrilha (itens 14 a 16 supra), até porque a legislação penal brasileira (quer a Lei 9.613/98, quer a Lei 9.034/95), violando o princípio constitucional da reserva legal, não define o que seja “organização criminosa”.
Aliás, o Procurador Geral da República, em suas alegações finais (item 544, fls. 45.370) reconhece “o fato de não existir no ordenamento pátrio um tipo penal autônomo de organização criminosa, mediante a descrição da conduta e da pena cominada”, embora diga que isto é “irrelevante”, apesar de vigorar no Brasil o princípio da reserva legal, como garantia fundamental em cláusula pétrea da Constituição: artigo 5o, inciso XXXIX, CF, reproduzido no artigo 1o, do Código Penal.
(...)
39 - De outro lado, ainda que os recursos tivessem origem nos crimes precedentes invocados – o que só se admite para argumentar – a defesa do 5o denunciado, MARCOS VALÉRIO, sustenta, ainda, que não houve o crime de “lavagem de dinheiro”, pois o dinheiro estava em conta bancária identificada, de titularidade da empresa SMP&B (conta n° 2595-2, Agência Assembléia, em Belo Horizonte, do Banco Rural), de onde saiu mediante emissão de cheques, tendo origem nos citados empréstimos bancários.
40 - Ademais, ainda que os recursos tivessem origem nos precedentes invocados – o que só se admite para argumentar – a defesa do 5o denunciado, MARCOS VALÉRIO, sustenta, ainda, que não houve o crime de “lavagem de dinheiro”, pois, além do dinheiro estar em conta bancária identificada, de titularidade da empresa SMP&B, foram tomadas as providências para identificação dos sacadores, conforme reconhece, em sua narrativa, o PGR, repetidas vezes. São dele as seguintes frases constantes da denúncia:
Pág. 77 - documentos internos, não oficiais (fac-símiles e e-mails), com indicação das pessoas que efetivamente receberam os valores sacados por meio de cheques endossados pelos próprios emitentes.
Pág. 77 - esses beneficiários indicavam um terceiro, apresentando o seu nome e qualificação para o recebimento dos valores em espécie.
Pág. 77 - notadamente Simone Vasconcelos e Geiza Dias comunicassem ao gerente da conta da SMP&B... no Banco Rural de Belo Horizonte, agência Assembléia, a operação que seria desencadeada, ou seja, o pagamento de determinada quantia, nas praças de Belo Horizonte, Brasília, São Paulo ou Rio de Janeiro, qualificando a pessoa que efetuaria o recebimento e transporte, em malas ou sacolas, dos recursos financeiros.
Pág. 11 - funcionários da agência Assembléia do Banco Rural informavam aos da agência em que se realizaria o saque a identificação da pessoa credenciada para o recebimento dos valores, disponibilizados em espécie, mediante a simples assinatura ou rubrica em um documento informal.
Pág. 79 - por meio dos e-mails e fac-símiles que Simone Vasconcelos ou Geiza Dias encaminhavam à agência Assembléia do Banco Rural, identificando a pessoa previamente indicada para receber os recursos financeiros.
Pág. 81 - correio eletrônico (e-mail) enviado por funcionária da SMP&B ao gerente do Banco Rural, informando os nomes das pessoas autorizadas a sacar o dinheiro na boca do caixa, assim como o local do saque; fac-símile, enviado pela agência do Banco Rural de Belo Horizonte à agência do Banco Rural de Brasília, autorizando o pagamento àquelas pessoas indicadas pela funcionária da SMP&B no e-mail; saque na boca do caixa efetuado pela pessoa autorizada, contra recibo.
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Nestas circunstâncias, não se pode falar que MARCOS VALÉRIO, SIMONE VASCONCELOS e GEIZA DIAS sejam autores de conduta caracterizadora de “ocultação ou dissimulação”, pois o “modus operandi”
narrado e admitido pelo próprio Ministério Público afirma que eram tomadas todas as providências para a identificação dos sacadores dos recursos financeiros, através de documentos que foram arquivados no Banco Rural, a quem não se pediu o contrário, os quais permitiram a identificação dos 65 (sessenta e cinco) casos de saques mencionados na denúncia (Nota de rodapé n° 129, pág. 85 da denúncia).
(...)
Em outras palavras, para a consumação do crime de “legitimação de capitais” é indispensável que o agente tenha praticado todo o comportamento destinado a transformar o dinheiro, bens ou valores ilícitos na condição de capitais lícitos. A narrativa da denúncia, no caso dos presentes autos, não chegou a isso, pois parou no saque do dinheiro em banco por pessoa identificada.
Caso, após o saque no banco por pessoa identificada, o dinheiro tenha sido entregue a um terceiro, não identificado, que passou a detê-lo, então, ilicitamente, a partir daí, este terceiro, interessado em legalizar o valor para utilizá-lo na economia formal, aí sim poderia praticar conduta destinada a, no futuro, dar-lhe a condição de dinheiro lícito.
Marcelo Leonardo
Advogado.
V – KÁTIA RABELLO
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4º) Sobre as avaliações de riscos dos empréstimos quando da concessão
A cada operação de crédito de um banco, o departamento de crédito procede a uma avaliação de risco que varia entre “H”(o mais – sic – risco) e “AA” (o menor risco), o que é significativo apenas para se aferir o valor que deve ser provisionado pela instituição financeira perante o Banco Central do Brasil.
No tocante às avaliações de risco dos empréstimos citados na denúncia, interpretou a acusação que a avaliação de risco em nível “A” constituiria algo descabido e, pasme-se, expressão de uma gestão fraudulenta.
Porém, sobre isso se impõe reconhecer o seguinte:
- essa avaliação de risco, chamada de rating, possui notável critério subjetivo e gera muitas controvérsias. Exemplo claro dessa situação ocorreu no mês de agosto de 2011 nos Estados Unidos da América, quando uma das agências americanas reduziu o rating daquele País de forma inédita, o que foi contrariado por outras agências e pelo próprio Governo norte americano. Portanto, no caso concreto, afirmar que uma nota de rating era ou não era correta em relação aos empréstimos concedidos pelo Banco Rural só foi possível após o escândalo do mensalão, quando dois clientes envolvidos, SMP&B e Grafitti, ficaram inviabilizados de pagá-los, sendo necessário o ajuizamento de ações;
- às fls. 32.926 – volume 153, consta documento oficial do Banco Central do Brasil que indica que na data base de 2004 a classificação dada pelo Banco Rural ao crédito da empresa SMP&B era “B” e “C”, e não “A”, como supôs o MPF;
- até então, as notas de classificação de risco das operações de crédito mencionadas na denúncia haviam sido referendadas pelo Banco Central, que conhecia a inteireza das operações e suas respectivas classificações de risco, nada recomendando ou exigindo de alteração (verdadeiro atestado de normalidade), com plena aprovação dos balanços. Na verdade, o Banco Central só impôs reclassificação das operações de crédito para o menor nível, “H”, após a crise do mensalão;
- auditores internos e externos do Banco Rural também tiveram acesso às operações bancárias e as avaliaram como boas, pois, tal como para o Banco Central, nada indicava que o risco pudesse ser elevado;
- outros tomadores de empréstimo junto ao Banco Rural e que, com a crise política, tiveram classificação rebaixada por imposição casuísta do Banco Central, quitaram integralmente suas dívidas, como é o caso dos clientes Ademir Martinês de Almeida e Banktrade Agrícola, referidos no documento de fls. 32.926 – Volume 153. Nesses casos, vê-se que os empréstimos não tinham risco elevado e que a classificação normal seria mesmo “A”, e não “H”, como determinou o Banco Central após o escândalo do mensalão;
- a atribuição no âmbito de uma instituição financeira para definir rating de operações é do departamento de crédito, ao qual não estavam vinculados os diretores Kátia, José Roberto, Ayanna e Vinícius, definitivamente.
Portanto, a circunstância inerente à classificação de risco dos empréstimos objeto da denúncia não pode ser considerada expressão de uma má gestão do Banco Rural (fraudulenta ou temerária), muito menos em relação aos acusados do processo, não havendo mínima demonstração de que houve intenção de lesar o Sistema Financeiro Nacional neste particular.
José Carlos Dias, Maurício de Oliveira Campos Júnior, Rodrigo Otávio Soares Pacheco e Theodomiro Dias Neto
Advogados.
VI – LUIZ CARLOS DA SILVA
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II.III – da inexistência de infração penal
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Com a devida licença, senão a totalidade de nossa doutrina, quase isso, conjura a lavagem em atos que tenham por característica dar aparência de licitude ao produto criminoso. No caso concreto não há, por parte do denunciado Luiz Carlos da Silva, nem hipótese de tal realização...
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Cotejando-se a descrição do tipo penal de “lavagem” e ocultação de valores com as narrativas dos fatos atribuídos ao Denunciado, se perceberá uma dissociação lógica entre aqueles fatos e a qualificação do crime a eles atribuída, na medida em que os atos que são imputados ao ora denunciado não se prestam a ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de crimes (termos utilizados para descrever o tipo penal do artigo 1º, da Lei 6.913/98) ou, em outros termos, para, por intermédio de três etapas delitivas, distanciar os valores percebidos de sua suposta origem criminosa.
Antes ao contrário; tomando-se os termos da própria Denúncia, a prova documental e os depoimentos prestados ao longo da instrução probatória, tem-se que os valores que se imputa terem sido percebidos pelo ora Denunciado trataram-se de repasse de numerário aos integrantes do Partido dos Trabalhadores para financiamento da campanha eleitoral.
(...)
Assim, é certo que não houve utilização de nenhum mecanismo fraudulento visando mascarar a origem, natureza e destinatários das quantias, vez que:
(1) As origens ou fontes de onde a quantia é proveniente foi identificada, sendo (I) a empresa SMP&B Comunicação Ltda. e (II) a agência da Avenida Paulista, do Banco Rural, na cidade de São Paulo/SP, como consta do documento de fls. 275, volume 06 do Inquérito, e não em Brasília, bem como das declarações da testemunha José Nilson dos Santos (fls. 30080/30086), onde aduz, inclusive, que forneceu sua carteira de identidade e assinou um recibo antes de receber a quantia de R$20.000,00 (vinte mil reais). Assim, uma das etapas em que ocorreria o crime de “lavagem” de capitais, que seria a “colocação” dos valores visando dificultar sua origem, não teria se efetivado no caso.
(2) Não se mascarou o destinatário da quantia que foi, de forma imediata, o Sr. José Nilson dos Santos, inclusive documentalmente comprovado (fls. 275, do Apenso 6, do Inquérito) e, de forma mediata, três pré-candidatos a vereadores do Partido dos Trabalhadores na região do ABC Paulista, conforme sobejamente demonstrado pelas provas do Inquérito dos documentos anexados à defesa preliminar do ora Denunciado, constantes do Apenso 95 dos autos.
Assim, não há de se falar na segunda etapa do crime de “lavagem”, que seria a “ocultação”, que ocorre com o depósito em valores em contas anônimas, que ocorre com o depósito de valores em contas anônimas, em paraísos fiscais, a destinatários incertos ou falecidos.
Repise-se os destinatários, mediato e imediato das quantias, são certos e identificados estando comprovado nos autos a apropriação, por eles, dos valores.
(3) A natureza da quantia tampouco foi desvirtuada. O dinheiro, que é tido pela denúncia como de origem ilícita, não se transmudou para valor proveniente de fonte lícita pelo simples fato de ter sido sacada pelo Sr. José Nilson dos Santos. Destarte é nessa transmudação, de valores ilegítimos em valores aparentemente legítimos para reinserção no mercado, que caracteriza a terceira etapa do crime de “lavagem”, denominada “integração” e essa situação, com a devida licença, não ocorreu na espécie, pois a retirada de valores para utilização em campanha eleitoral não os faz mudar a natureza dos valores, antes ilícitos, para valores lícitos.
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Neste contexto, não há falar-se em emprego, pelo ora denunciado
– por si ou por interposta pessoa – de mecanismos fraudulentos para mascarar a origem, natureza e, principalmente, destinatários finais das quantias ou do recebimento daqueles valores de forma dissimulada, através de interposta pessoa (fl. 5736, do volume 27, dos autos).
João dos Santos Gomes Filho
Advogado.
VII – DUDA MENDONÇA E ZILMAR FERNANDES
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III – Da atipicidade do crime de manutenção de depósitos no exterior não declarados à repartição federal competente
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30. No período referido na denúncia, vigoraram as circulares n. 3.225/04, referente à data-base de 31 de dezembro de 2003, e 3.278/05, referente à data-base de 31 de dezembro de 2004, ambas de idêntico conteúdo.
31. Nelas, estava previsto que “os detentores de ativos, cujos valores somados”, em 31 de dezembro de 2003 [Circular nº 3.225/04] ou 31 de dezembro de 2004 [Circular nº 3.278/05], “totalizassem montante inferior a USS 100.000,00 (cem mil dólares dos Estados Unidos), ou seu equivalente em outras moedas, estão dispensados de prestar a declaração de que trata esta Circular” (art. 3º . Destacamos).
32. A análise dos extratos da conta nº 10012977, de titularidade da Dusseldorf Company Ltd. junto ao BankBoston em Miami e do laudo de exame financeiro nº 096/06-INC revelam, sem espaço para discussão, que os acusados estavam dispensados de prestar a declaração prevista nas circulares do Banco Central.
33. Conforme se depreende do laudo de exame financeiro no 096/06-INC, o saldo da conta, em 31 de dezembro de 2003 - data-base prevista na Circular nº 3.225/04 do Banco Central - era de apenas US$ 573,19 (quinhentos e setenta e três dólares e dezenove centavos) (fls. 349 do 3º volume do apenso 51).
34. Portanto, os acusados estavam dispensados de prestar a declaração de que tratava aquela Circular (art. 3o da Circular no 3.225/04 do Banco Central).
35. O mesmo acontece com relação à data-base seguinte, 31 de dezembro de 2004, prevista na Circular no 3.278/05 do Banco Central: conforme atestou o laudo de exame financeiro no 096/06- INC, a última movimentação da conta foi em 2 de janeiro de 2004, restando um saldo de apenas 175,10 (cento e setenta e cinco dólares e dez centavos) (fls. 324 do 3o volume do apenso 51).
36. Mais uma vez os acusados estavam dispensados de prestar a declaração de que tratava aquela Circular (art. 3º da Circular nº 3.278/05 do Banco Central).
37. Verifica-se, assim, que, pela sistemática atual, os acusados não cometeram o crime previsto no artigo 22, parágrafo único, in fine, da Lei no 7.492/86 (item c.l do capítulo VIII da denúncia e §791, a.3. das alegações finais). Suas condutas repousam fora do alcance do tipo, asseguradas pela taxatividade da lei penal, que é garantia decorrente do princípio da legalidade. Conforme explica Luiz Luisi:
“A exigência de normas penais de teor preciso e unívoco decorre do propósito de proteger o cidadão do arbítrio judiciário, posto que fixado com a certeza necessária a esfera do ilícito penal, fica restrita a discricionariedade do aplicador da lei” (Os princípios constitucionais penais, 2ª ed., Sergio Antonio Fabris. Editor, Porto Alegre, 2003, p. 25).
38. A atipicidade do crime imputado aos acusados está absolutamente comprovada, conforme se depreende dos parágrafos anteriores e do Parecer anexo, que faz parte integrante destas alegações finais.
Tales Castelo Branco e Frederico Crissiúma de Figueiredo
Advogados.
IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040