INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 242 - Janeiro/2013





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho, Matheus Silveira Pupo e Rafael Lira.

Conselho Editorial

Força probante dos indícios e sentença condenatória

Autor: Cleunice Valentim Bastos Pitombo

A instauração, instrução e julgamento da Ação Penal 470, um dos mais complexos casos na atualidade, ganhou repercussão social, política e jurídica. No âmbito estritamente técnico jurídico, surgiram várias questões controvertidas de direito material e processual penal, até porque são 40 acusados, perquire-se a prática de 8 tipos penais distintos: formação de quadrilha ou bando (art. 288 do CP); falsidade ideológica (art. 299 do CP); peculato (art. 312 do CP); corrupção passiva (art. 317 do CP); corrupção ativa (art. 333 do CP); lavagem de dinheiro (art. 1.º da Lei 9.613/1998); gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4.º da Lei 7.492/1986) e evasão de divisas (art. 22 da Lei 7.492/1986) e, ainda, a instrução e julgamento ocorre no Supremo Tribunal Federal, em decorrência do foro por prerrogativa de funções que, no caso, limita o duplo grau de jurisdição.

Várias foram as condenações e reacendeu a discussão sobre a valoração das provas e, em especial, a indiciária. As observações que serão feitas não faz análise concreta do caso, traz apenas alguns ensinamentos doutrinários com o objetivo de subsidiar a reflexão.

No processo penal, a produção e valoração da prova são temas de extrema relevância. A começar pelos clássicos, vinculou-se a prova com a certeza judicial;(1) com a possibilidade ou não se de atingir a verdade(2) dos fatos imputados, inserindo limitação para se atingir a verdade, a observância na produção de provas aos meios legais e legítimos.(3)

Na atualidade, a prova se relaciona com a possibilidade ou impossibilidade de reconstrução e demonstração do fato imputado em juízo, sendo a prova elemento indispensável(4) ao processo e à decisão judicial.

A prova, dessa forma, volta-se “a formar o convencimento do juiz”.(5) que é seu destinatário; possui também função legitimadora das decisões judiciais, pois fixa “os fatos no processo e, por consequência, no próprio universo social”.(6) A valoração da prova, por outro lado, está intimamente vinculada ao livre convencimento e tem por finalidade dar ao juiz “o convencimento sobre a exatidão das afirmações e dos atos realizados em juízo”.(7)

A liberdade de convicção, entretanto, jamais deve implicar arbítrio.(8) ou decisão irracional, ou busca incessante de prova justificadora de decidir. (9) O juiz, a partir da análise do conteúdo probatório, chega à determinada convicção e, por meio da motivação(10) – demonstração dos fatos e das provas produzidas – se evita o abuso, o arbítrio judicial e se legitima a persecução penal.

A segurança jurídica, a validade e a eficácia dos julgados assentam-se,também, nas decisões fundamentadas, assegurando-se, dessa forma, o devido processo penal.

Relembrar os clássicos e a doutrina atual tem como objetivo auxiliar na análise dos indícios disciplinados no art. 239 do CPP, o seu valor probante, em especial, para lastrear decisão condenatória.

A problemática na análise dos indícios, em parte, decorre do tratamento legislativo deles. O CPP os insere no capítulo da prova e estabelece “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (art. 239).

O indício, embora inserido no capítulo de prova, afirma-se que não é meio de prova, mas “fonte de prova indireta por uma operação lógica (a presunção hominis) vai-se do fato indiciário ao fato provado”;(11) ainda,“o resultado probatório de um meio de prova. O indicio é o fato provado, que permite, mediante inferência, concluir pela ocorrência de outro fato”,(12) ou é prova indireta “fato secundário, conhecido e provado”.(13)

Não obstante a divergência na classificação, o valor probatório do indício não se vincula a quantidade ou qualidade do indício,(14) mas na possibilidade de, na ausência de prova direta, o juiz por meio de processo lógico de natureza indutivo-dedutiva, em “cuja base está o fato conhecido, este como causa ou efeito de outro fato, indica-o, é lhe elemento indiciário, ou simplesmente, indício”.(15)

Com efeito: “vários indícios graves, precisos e concordantes, analisados em conjunto, podem levar à certeza processual do fato indicado, quando se unirem e se consolidarem sob forte nexo lógico. Para tanto, faz-se indispensável que a conclusão se apresente precisa e segura, vale dizer, que apareça como resultado lógico imediato, e não como o final de dispendiosa cadeia de argumentos, cuja complicação estará indicando, precisamente, o contrário. A necessidade moral ou física da conclusão, obtida mediante o exame do conjunto de todos os indícios, constitui, por assim dizer, o verdadeiro fundamento do valor probatório dos indícios”.(16)

O indício se presta a indicar a autoria, jamais servirá para comprovar o corpo do delito.(17) Ele pode lastrear a acusação, porém, de modo isolado, nunca poderá dar suporte à sentença condenatória.

Assim, reconhecendo-se o valor probante dos indícios, se e quando observada a estrita legalidade subsidiar, de modo fundamentado, o livre convencimento do juiz, é preciso afastar qualquer vinculação ou equiparação do indício com a presunção.

A presunção decorre de uma operação intelectual, mediante raciocínio lógico, partindo de um fato para se chegar a outro fato não provado. A presunção não constitui meio de prova. Com efeito, “a presunção é subjetiva, abstrata, genérica. O indício é objetivo, concreto, específico. Ambos não podem e não devem ser confundidos”.(18)

Na persecução penal é inconcebível a equiparação de presunção a indícios. Equivocado e perigoso se mostra o entendimento constante em recente julgado do STF, ao afirmar: “1. O princípio processual penal do favor rei não ilide a possibilidade de utilização de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para decidir sobre a procedência do ius puniendi, máxime porque o Código de Processo Penal prevê expressamente a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como ‘a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias’. (...) 2. O julgador pode, através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, mediante raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta”.(19)

Percebe-se no julgado a inadmissível aplicação de regras inerentes do Processo Civil, no Processo Penal. Tal forma de decidir, além de afrontar o devido processo legal, torna vulnerável a presunção de inocência e não culpabilidade.

É preciso muita cautela do operador do Direito para não confundir o conteúdo técnico jurídico dos institutos. A presunção(20) e os indícios no processo civil possuem valor distinto do processo penal. Assim como a presunção legal e indícios que integram tipos penais(21) têm natureza diversa do indício regulado no art. 239 do CPP.

Na Ação Penal 470 se exigirá maior cautela na valoração dos indícios, tendo em vista os tipos penais imputados e, em alguns, o “indício” integra o próprio tipo penal. E, em outras hipóteses, o indício será analisado como meio de prova.

Notas:

(1) Dizia Manzini “na atividade processual imediatamente dirigida ao objeto de obter a certeza judicial, segundo o critério da verdade real, acerca da imputação, ou de outra afirmação, ou negação, que interesse à decisão judicial” (Manzini, Vicenzo. Istituzioni di diritto processuale penale. 11. ed. Padova: Cedam, 1954. p. 42).

(2) “Comprovar a verdade real a respeito de determinado fato” (Cf. Bentham, Jeremías. Tratado de las pruebas judiciales. Trad. Osorio Florit. Buenos Aires: Ejea, 1971. t. I, p. 30). E, também, Florian, Eugenio. De las pruebas penales: de la prueba en general. Trad. Jorge Guerrero. Bogotá: Temis, 1968. t. I, p. 1. Recorde-se do seguinte adágio: probatio est demonstrationis veritas.

(3) A prova, segundo Carnelutti, consiste na “demonstração da verdade de um fato realizada pelos meios legais (modos legítimos)” (Carnelutti, Francesco. La prueba civil. Trad. Niceto Alcalá-Zamora Y Castillo. Buenos Aires: Depalma, 1979. p. 44).

(4) Chegou-se a afirmar: “que a prova constitui o centro vital do processo; ela está, para os demais institutos do direito judiciário, na mesma relação em que o sol está para com os astros componentes do sistema sideral de que faz parte o nosso planeta” (Rosa, Inocêncio Borges da). Processo penal brasileiro. Porto Alegre: Globo, 1942. v. 1, p. 381.

(5) Nesse sentido, Greco Filho, Vicente: “a finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico; sua finalidade é prática, qual seja convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas certeza relativa suficiente na convicção do juiz” (Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 196). E, também, Nucci, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 1999. p. 50).

(6) Antônio Magalhães Gomes Filho afirma: “a atividade probatória está voltada ao conhecimento de fatos pelo juiz, mas sua função não se exaure aí, pois, se assim fosse, permitido seria ao julgador utilizar-se de dados de sua ciência particular, ou buscar, por qualquer forma, as informações necessárias para chegar a conclusões próprias a respeito dos acontecimentos, que é de fixar os fatos no processo e, por consequência, no próprio universo social” (O direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. p. 43).

(7) Ver Castilho, Niceto Alcalá Zamora Y. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Kraft, 1945. t. III, p. 17.

(8) “A liberdade de convicção não significa, nem pode significar, arbítrio. Por isso que o órgão julgador deve, ao prover sobre os meios de prova reputados indispensáveis ao atingimento da verdade material e, posteriormente, sopesá-los, um a um, ater-se, afinal, aos autos, justificando o seu pronunciamento absolutório ou condenatório” (Tucci, Rogério Lauria; Pitombo, Sérgio Marcos de Moraes et al. Princípio e regras orientadoras no novo processo penal. Rio de Janeiro, Forense, 1986. p. 157.

(9) Jorge de Figueiredo Dias afirma: “puramente impressionista-emocial que se furte, num incondicional subjetivismo, à fundamentação e à comunicação. Trata-se de liberdade para a objetividade – não aquela que permita uma ‘íntima convicção’ meramente intuitiva, mas aquela que se determina por uma intenção de objetividade” (Sumários de processo criminal. Coimbra: s/e, 1968. p. 50).

(10) “a exigência da motivação dos provimentos penais integra e completa todo o sistema de garantias penais e processuais penais cuja rigorosa observância constitui condição de legitimidade da imposição de qualquer medida punitiva no Estado de direito. É com a justificação explícita das decisões penais em suma, que se realiza concretamente a máxima garantia ‘veritas non auctoritas facit iudicium’” (Gomes Filho, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001. p. 75).

(11) Grinover, Ada Pellegrini et. al. As nulidades no processo penal, 8 ed. São Paulo, RT, 2004. p. 195.

(12) Badaró, Gustavo. Direito processual penal. Rio de Janeiro, Elsevir, 2008. t. I, p. 266.

(13) Guilherme de Souza Nucci diz: “o indício é um fato secundário, conhecido e provado, que, tendo relação com o fato principal autorize, por raciocínio indutivo-dedutivo, a conclusão da existência de outro fato secundário ou outra circunstância. É prova indireta, embora não tenha por causa disso, menor valia. O único fator – e principal – a ser observado é que o indício, solitário nos autos, não tem força suficiente para levar a condenação” (Código de Processo Penal comentado. 9 ed. rev. atual e amp. São Paulo: RT, p. 520).

(14) “Posto que os indícios não se pesam, e não se contam, não basta que apareçam em número plural; é indispensável que, examinados em conjunto, produzam a certeza moral sobre o fato investigado. Para tanto, devem ser graves, precisos, e concorrerem, harmonicamente, a indicar o mesmo fato” (Moura, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no processo penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 91).

(15) Tucci, Rogerio Lauria. Corpo de delito no direito processual penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 191.

(16) Moura, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova... cit.,p. 96.

(17) Tucci, Rogerio Lauria. Corpo de delito... cit., p. 191.

(18) Moura, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova... cit.,p. 51.

(19) HC 103.118/SP, rel. Min. Luiz Fux. j. 16.04.12.

(20) Ver, por exemplo, a diferença entre os efeitos da revelia no processo civil (art. 319 do CPC) e do processo penal (art 366 do CPP). E, também, a presunção de veracidade do art. 334, IV, do CPC.

(21) Veja, por exemplo, o art. 2.º, § 1.º, da Lei 9.613/1998.

Cleunice Valentim Bastos Pitombo
Doutora e Mestre em Processo Penal pela USP.
Advogada.



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