INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 228 - Novembro /2011


EDITORIAL - STJ: respeito aos princípios constitucionais

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais decide manifestar-se sobre as recentes críticas contra decisões do Superior Tribunal de Justiça no decorrer do último mês.

A Corte, apesar das limitações materiais por todos conhecida, tem-se esforçado sobremaneira, e já há alguns anos, para fazer prevalecer, no âmbito penal, as leis federais e as normas constitucionais. Assim é que tem constituído um arcabouço significativo de precedentes dando cumprimento a determinações relativas a pressupostos e requisitos da interceptação telefônica, das buscas e apreensões, dos limites legais e constitucionais da atuação policial, do Ministério Público e mesmo do Poder Judiciário.

O precedente que desencadeou as críticas – a anulação de provas obtidas na chamada “Operação Faktor/Boi Barrica” – nada mais reflete do que uma construção jurisprudencial consolidada há alguns anos. No entanto, matérias jornalísticas e articulistas pretenderam fazer crer que a Corte, sem mais nem menos, e de uma hora para a outra, decidiu se postar contra medidas investigativas restritivas de direitos fundamentais, decretadas sem fundamento, e sugeriram, ainda, que isto teria sido feito apenas em razão dos pacientes da ordem de habeas corpus impetrada.

Todavia, como mostram os precedentes, a defesa do respeito aos direitos e garantias fundamentais e às normas penais e processuais penais, que formam a área de competência, a incumbência que a Constituição Federal atribuiu àquela Corte, é trabalho que vem sendo construído há algum tempo, de forma paulatina, fundamentada, ponderada e profunda pelo STJ.

O combate ao crime organizado, em especial o praticado no âmbito da administração pública, merece atenção e elogios, desde que travado dentro do marco legal. As conquistas do Estado de Direito, alcançadas com tanto custo, não podem ser afastadas diante de contingências políticas ou do clamor social. O respeito aos princípios fundamentais deve ser resguardado com toda a firmeza, mesmo diante dos mais intensos brados pela punição a qualquer custo.

Isso não significa impunidade ou condescendência com práticas delitivas. Denota apenas a necessidade do mais estrito compromisso com o texto legal para o enfrentamento do crime organizado. Do contrário, o Estado estará utilizando as mesmas armas que pretende combater: a ilegalidade, o abuso, o arbítrio. A consolidação de um sistema democrático impõe ao poder público o respeito às normas que ele mesmo produz.

Não se mede o trabalho do magistrado pelo número de condenações, de medidas cautelares aplicadas ou de prisões determinadas. A atividade do juiz pauta-se pela prudência e pela guarda renitente dos preceitos fundamentais diante dos anseios das partes, seja pela punição, seja pela absolvição.

E as decisões recentes do STJ têm justamente esta característica. São exemplos de um esforço constante por reafirmar o valor da legalidade diante das mais insistentes petições pela condenação, por mais impopular que seja o réu. Se uma prova é ilegítima, deve ser anulada. Se um procedimento é ilegal, não merece prosperar. Do contrário, seriam criados precedentes graves, valendo lembrar que os regimes de exceção se constroem pela aceitação de brechas legais, pela concordância inicial com pequenas exceções à legalidade que se vão tornando a regra, pelo pensamento de que algum fim – por mais nobre que seja – justifica a supressão de direitos fundamentais. É bem verdade que a supressão da lei, em alguns casos, agrada à opinião pública. Mas é, também, verdade que, com base no agrado à opinião pública por mais disciplina, mais ordem, e menos legalidade, se construíram muitos regimes totalitários.

O STJ cumpriu, e vem cumprindo, o seu papel com serenidade, prudência e solidez, revelando que os magistrados não devem temer as repercussões de suas decisões, porque julgam para manter um sistema de princípios, uma carta constitucional, uma ordem de valores. Por mais que vozes, hoje, se levantem contra esta ou aquela decisão, e por mais que apelem para alguma exceção às regras para satisfazer qualquer desejo tortuoso de justiça, devemos reconhecer que é esta a posição que se espera de um tribunal superior: a capacidade de olhar para o futuro e ter a certeza de que assegurar a legalidade é a única forma de evitar um sistema arbitrário, que pode retirar da sociedade o que ela tem de mais caro: a liberdade.



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