Carina Quito
André Pires de Andrade Kehdi, Caroline Braun, Cecília Tripodi, Eleonora Rangel Nacif, Fabiana
Mais uma vez a sociedade está às voltas com a chamada “questão moral”; mais uma vez ela se vê frente ao angustiante desafio da depuração, no âmbito das instituições governamentais, de políticos incapazes de honrar o mandato popular e de juízes indignos da toga. Mudam-se os argumentos, mas as práticas corruptas e corruptoras continuam as mesmas.
Esse é o triste retrato da política brasileira, onde o fosso entre o discurso e as práticas de muitos de seus protagonistas é marcado pela hipocrisia contumaz, pela compulsão à mentira e pela desfaçatez atávica. Ao longo da história, muito já se falou a respeito da ética na vida pública; muito já se escreveu sobre formas e ações moralmente corrompidas de representação da vontade popular; e muito se discutiu se a desonestidade política seria um problema universal e se todos os cidadãos — sejam eles representados ou representantes — seriam essencialmente corruptos em potencial.
Apesar disso, vários dirigentes governamentais, parlamentares e até magistrados não aprenderam a lição. Alguns confundem notoriedade pública com legitimidade. Outros se esquecem de que reputação e credibilidade não são obtidas por meio de rompantes verbais ou poses ensaiadas sob olhares atentos de especialistas em marketing, mas são conquistadas, isto sim, a partir de ações em favor do bem comum e iniciativas voltadas à consecução da justiça social, da convivência cívica e dos interesses maiores da Nação.
Desonestidade dos políticos ou algo ainda mais grave — a falência da moralidade pública? Na realidade, não são apenas a desvergonha e o cinismo que causam repulsa. Também causa indignação a continuidade dos fatores que permitem a esse tipo de gente florescer no lodo da corrupção — fatores que tornam endêmicos os abusos e aproveitamentos na gestão do Estado brasileiro. Uso acintoso da máquina governamental em proveito próprio, falta de transparência no controle dos partidos políticos e graves distorções federativas, que dão sobrepoder a Estados pouco populosos e com isso asseguram uma sobredimensão a políticos de província, constituem alguns desses fatores. Conversão de mandatos eletivos em passaporte para negociatas e impunidade, ao lado do uso abusivo de prerrogativas constituem outros fatores não menos importantes.
Acima de tudo, as distorções morais, políticas e organizacionais de um país cujas instituições foram construídas com base na concessão de benesses, na troca de favores, no cartorialismo e no patrimonialismo, desde seus primórdios, enfraqueceram a consolidação de princípios elementares, como o da responsabilidade moral no exercício de funções públicas; abriram caminho para uma cultura de inescrupulosidade no uso do dinheiro dos contribuintes; levaram à ausência de restrições éticas nas relações entre o público e o privado — em suma, tornaram natural ou trivializaram o recurso sistemático aos mais variados expedientes para travestir ilícitos funcionais e negócios privados como sendo de “interesse público”.
Alimentando-se reciprocamente, essas distorções abriram um vasto campo para embusteiros que constroem famas e fortunas sobre o esforço da sociedade, sobre o trabalho da coletividade, iludindo-a com uma retórica pseudo-justiceira e com promessas vãs. Para mudar esse quadro secular, acima de tudo, é necessária uma mobilização social que, na visão do IBCCRIM, vá muito além da expulsão de certos atores da vida pública e da aprovação de mudanças legais pontuais em matéria de direito penal e administrativo; uma mobilização capaz de exigir um redirecionamento cultural e ético da classe política, uma reforma moral das agremiações partidárias e a criação de mecanismos institucionais que permitam uma renovação efetiva e constante dos quadros legislativos.
Esse é o desafio que a sociedade hoje tem pela frente — mobilizar-se para tentar pôr fim a uma “corrupção sistêmica” que prostitui a vida pública, corrói a legitimidade da representação popular e dissemina o desprezo da coletividade com relação a todos os agentes públicos, sem distinção, com todos os riscos que isso possa representar para o regime democrático e para o Estado de Direito, em termos de aragem de campo fértil para vocações autoritárias.
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