INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 162 - Maio / 2006





 

Coordenador chefe:

Mariângela Gama de Magalhães Gomes

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Lui

Conselho Editorial

Dever de sigilo e proteção do cidadão

As reiteradas violações de sigilo a que têm sido submetidos, ao total arrepio da lei, alguns investigados ou acusados, e pessoas a eles relacionadas (familiares, amigos, defensores, entre outros), estão entre os mais graves problemas que temos que enfrentar.

O constituinte de 1988 não consagrou expressamente o sigilo bancário. Assegurou, entretanto, de maneira solene, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas. Garantiu, ainda, o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, com uma única exceção: “salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Tamanha importância deu o Supremo Tribunal Federal a tal garantia que, antes de sua disciplina pelo legislador, chegou a considerar como prova ilícita qualquer gravação telefônica, ainda que feita mediante autorização judicial, considerada desde logo indevida. Isso até que o dispositivo constitucional fosse objeto de lei a estabelecer, com a devida clareza, a forma e os casos em que seriam abertas as exceções.

A interceptação de comunicação telefônica, desse modo, só se tornaria legítima após a edição da Lei nº 9.296, de 1996. Mesmo assim, restrita a casos de excepcional gravidade, mediante autorização judicial. A mesma lei determinou a preservação do “sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas”, bem como a destruição de tudo que não interessasse à prova.

Ao mesmo tempo, a lei capitulou como criminosa a conduta que consiste não só em realizar tal interceptação sem autorização judicial, ou com objetivos não autorizados em lei, mas igualmente em quebrar segredo da Justiça. A pena prevista é de dois a quatro anos de reclusão, e multa.

Por outro lado, o sigilo bancário e das operações financeiras é protegido pela Lei Complementar nº 105, de 2001. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal não parece dar a mesma importância que atribuiu às comunicações telefônicas. Veja-se que as sucessivas Ações de Declaração de Inconstitucionalidade, propostas desde 2001, para questionar dispositivos como os que autorizam agentes públicos a ter acesso direto e comunicar informações sigilosas, até hoje não foram julgadas (ADINs nºs 2.386, 2.397, 2.390, 2.389, 2.406, 2.859), nem tiveram seus pedidos liminares apreciados.

Quando se pesquisa a jurisprudência relativa a crimes de violação de sigilo, em especial do segredo de justiça, quase nada se encontra. O motivo é que, até o presente momento, tais infrações raramente têm sido objeto de apuração.

Existe, efetivamente, em nosso País uma prática reiterada de violação da obrigação legal de sigilo, freqüentemente de iniciativa das próprias autoridades. Temos lido nos jornais inúmeros extratos de gravações telefônicas feitas com autorização judicial, cuja reserva deveria ter sido preservada. Algumas vezes, tais textos agridem a intimidade das pessoas, abordando questões ligadas à família, a relacionamentos e até mesmo a opções ou práticas sexuais. Esse material, pelas regras, deveria ter sido destruído. Ou, no mínimo, mantido sob silêncio.

Da mesma forma, é corriqueiro lermos nos jornais declarações ou interrogatórios prestados em processos que correm sob segredo de justiça. E vermos a publicação de extratos bancários e de documentos de operações financeiras constantes de autos judiciais ou de inquérito, que também deveriam ser protegidos.

Parece que tudo “vaza” no Brasil. Autoridades de jurisdições estrangeiras se preocupam com o uso que é feito aqui das informações que fornecem. Embora a Constituição de 1988 consagre também a liberdade de informação, é dever de todos os agentes públicos que lidam com material sigiloso mantê-lo devidamente preservado.

Fala-se de vazamentos promovidos por membros de comissões parlamentares de inquérito, autoridades policiais, representantes do Ministério Público e mesmo por advogados. Sem notícia de qualquer iniciativa concreta, até agora, visando reprimir tais abusos.

Nesse sentido, chega a constituir uma novidade o modo como foi tratada a questão da devassa na conta do caseiro Francenildo. Os meios de comunicação denunciaram, a opinião pública se indignou, inquérito policial foi instaurado. Não importou que a violação pudesse ter partido de pessoas ligadas ao Governo.

Se a apuração for levada a sério, o caso de Brasília terá servido para alguma coisa. Talvez, de ora em diante, as autoridades das várias esferas e os membros dos diferentes poderes pensem duas vezes antes de fazer o que, até agora, muitos faziam sem pensar nas conseqüências. Assim, aumenta a eficácia da Constituição, aperfeiçoa-se a democracia e ganham os cidadãos. A idéia de Estado de Direito só tem sentido se valer sempre, como normalidade, para todos.



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