INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 162 - Maio / 2006





 

Coordenador chefe:

Mariângela Gama de Magalhães Gomes

Coordenadores adjuntos:

André Pires de Andrade Kehdi, Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Lui

Conselho Editorial

Editorial

Da origem dos recursos a serem utilizados no pagamento de honorários - projeto de Lei (CD) nº 6.413/2005 e apensos

Jorge Cesar Silveira Baldassare Gonçalves

Advogado da União/DF, ex-advogado da Funap (Secretaria de Administração Penitenciária de SP) e membro da Comissão de Assuntos de Natureza Penal da Advocacia-Geral da União

Tramita pela Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6.413/2005, de iniciativa do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL/BA) — ao qual se apensara o de nº 577/2003 que, por sua vez, tem a si anexados outros quatro (596/3003, 712/2003, 866/2003 e 5.562/2005) —, a tratar de tema atualmente bem discutido nos meios jurídicos, qual o da comprovação da origem lícita dos recursos com os quais os honorários advocatícios são pagos.

Em outras palavras, pretende-se pela iniciativa parlamentar, impedir que os acusados de determinados delitos se utilizem de seus recursos financeiros, de proveniência duvidosa, para pagamento de honorários de seus advogados, impondo-lhe, uma entre duas condutas: (a) serem defendidos por defensores dativos em caso de impossibilidade de comprovação da origem lícita dos recursos, ou (b) em comprovando a licitude dos recursos, ficarem autorizados a constituírem seus advogados livremente.

Em razão mesmo da sistemática adotada pelo parlamento, no sentido de focar a atenção de todos os projetos sobre o tema, naquele primeiro citado, vejamos suas disposições:

“Art. 1º O Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 261-A:

‘Art. 261-A. Compete exclusivamente a defensor dativo a defesa de acusados de envolvimento nos seguintes crimes:

I – ações de associação ou organização criminosas;

II – tráfico ilícito de entorpecentes;

III – lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

IV – contra a economia popular;

V – contra o Sistema Financeiro Nacional;

VI – contra a Administração Pública que produzam prejuízo ao Erário.

Parágrafo único. É assegurado o direito de contratação de advogados particulares aos acusados capazes de comprovar a origem lícita dos recursos financeiros destinados a essa finalidade, sejam tais recursos próprios ou de terceiros.’

Art. 2º O § 2º do art. 5º da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 5º ...

§ 2º Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, ou configurando-se a hipótese do art. 261-A do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, caberá a indicação à Ordem dos Advogados por suas seções estaduais.’ (NR)

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

O primeiro critério de discrímen para a fixação da regra da imposição do exercício do direito constitucional à defesa, por meio da Defensoria Pública, é objetivo, ao serem alinhados expressamente as espécies delitivas que trarão com si tal fixação. Em todos os incisos alinhados no artigo 261-A, a ser inserido no corpo do Código de Processo Penal, deveriam ser especificados a que normais penais se está a referir, com a menção ao número da lei e artigos respectivos, a fim de se evitar eternas ou mui duradouras discussões, a exemplo daquela oriunda da redação do inciso V, do artigo 1º, da Lei nº 8.072/90 (elenca os crimes hediondos), a respeito de se saber se o crime de estupro em sua forma simples é de ser considerado hediondo, ou apenas sua forma agravada pelo resultado morte, discussão que parece ter se pacificado no sentido de ambas as hipóteses estarem a merecer a punição mais rigorosa, ora atenuada pela recente decisão do Supremo Tribunal Federal, no sentido de declarar, ainda que incidentalmente, a inconstitucionalidade da regra de proibição de progressão na execução criminal de condenados por tais delitos.

A imposição do exercício defensório por meio da defensoria dativa só será excepcionada, nos casos de tais delitos, quando o acusado for capaz de comprovar a origem lícita dos recursos financeiros destinados a tal finalidade — parágrafo único do artigo 261-A.

A segunda disposição que visa implementar a regra acima observada, vem no corpo da Lei nº 1.060/50, que de há muito estabelecera as normas para a concessão do benefício da gratuidade da justiça, apondo-se um segundo parágrafo no artigo 5º, disciplinador de hipótese em que, não havendo no Estado serviço oficial de assistência jurídica, caberá à Ordem dos Advogados do Brasil, por suas seções estaduais, a indicação de profissional a quem incumbirá o mister do exercício da defesa.

O dispositivo anterior continha a mesma regra, no sentido de incumbir à OAB a indicação do defensor em não havendo serviço de assistência judiciária oficial, apenas ora complementado para incluir que, também na hipótese do artigo 261-A do Código de Processo Penal, será esta a sistemática a ser adotada.

Quero crer que a intenção do legislador é desobrigar as Defensorias Públicas dos Estados de patrocinar a defesa de tais acusados, pois com isso se desvirtuaria a razão de ser de tais órgãos de cunho constitucional, que destinam-se ao atendimento dos acusados que não possam, sem prejuízo de seu sustento pessoal ou familiar, custear defesa particular.

A justificativa do texto apresentado pelo senador autor da proposição, contém as seguintes afirmações: “é uma medida necessária para coibir os abusos verificados quando grandes criminosos valem-se do produto de seus crimes para pagar honorários milionários a advogados que, sem levar em conta princípios éticos e morais que devem nortear o exercício da advocacia, dão prevalência a interesses pessoais e vantagens materiais, ainda que de procedência criminosa”Diário do Senado Federal, 17 de julho de 2003, p. 18.388.

Compulsando os demais projetos, que foram apensados ao aqui comentado, percebem-se pequenas variações no trato da questão, ora se incluindo dispositivo na lei que cuida da lavagem de dinheiro (nº 9.613/98), ora o fazendo no Estatuto da Advocacia, como infração ética passível de exclusão dos quadros (Lei nº 8.906/94), ou também se prevendo dispositivo novo no Código de Processo Penal, com previsão de subsunção da conduta do advogado à hipótese de receptação, quando receber honorários de origem ilícita e, por fim, tratando o tema de forma quase idêntica àquela do primeiro projeto comentado, apenas com extensão de proibição de utilização de patrimônio familiar do acusado para custear os honorários.

Pela leitura das justificativas que acompanham as proposições, percebe-se que a iniciativa surgira com a divulgação, pela mídia, da entrevista de advogada de poderoso traficante do Rio de Janeiro, no sentido de estar sendo paga com recursos advindos da prática criminosa, o que gerou repulsa imediata por parte dos parlamentares.

De fato, se ao profissional da advocacia não está importando a origem dos recursos com os quais tem adimplido os honorários contratados com o cliente, estamos diante de uma crise ética, mas não de um delito propriamente dito, pois se assim fosse, os comerciantes em geral, quando negociam suas mercadorias ou serviços — e da mesma forma os demais profissionais liberais, como médicos, engenheiros etc. —, deveriam exigir a comprovação da origem dos recursos, pois de forma contrária estariam incidindo no delito de receptação, com o que se teria um completo caos.

Como é de sabença geral entre os operadores do Direito Penal, vivemos um período de necessária redução deste àquelas hipóteses que realmente afrontam o consciente coletivo e lesam bens jurídicos relevantes, dadas as características da fragmentariedade e subsidiariedade de sua normas, isso para que não se repitam, diariamente, situações como as vividas por pessoa presa há mais de 120 dias sob a acusação de furto de uma lata de manteiga, cujo preço não ultrapassava R$ 4,00, ou de idosa senhora acusada de tráfico de drogas, mantida presa por meses a fio, em razão de ter sido encontrada, na casa onde residia, pequena porção de entorpecente, que afirmava-se pertencer ao seu filho.

Atualmente, entrementes, o que temos visto é o movimento inverso, com cada vez mais abrangência do Direito Penal às condutas humanas, sem que com isso se resolva ou mesmo atenue os problemas que fazem surgir os delitos, exigindo dos magistrados e pretórios imensos esforços no sentido de corrigir, ainda que tardiamente, os excessos do legislador.

Jorge Cesar Silveira Baldassare Gonçalves
Advogado da União/DF, ex-advogado da Funap (Secretaria de Administração Penitenciária de SP) e membro da Comissão de Assuntos de Natureza Penal da Advocacia-Geral da União



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