Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Andréa Cristina D’Angelo, Leopoldo Stefanno Leone Louveira, Mariângela Lopes Neistein, Paulo
O IBCCRIM sempre pautou sua atividade pela obediência aos princípios maiores de nossa Constituição. Entendemos que o descumprimento das normas fundamentais é perigoso, na medida em que significa um esgarçamento e uma ruptura do tecido social.
Acontecimentos mais recentes são, nesse sentido, extremamente preocupantes. Temos assistido, estarrecidos, a uma série de fatos que, de modo isolado, parecem simples ilegalidades; mas, olhados em conjunto, têm um aspecto de campanha orquestrada contra o Estado Democrático de Direito. E infelizmente muitas vezes esses ataques contam com o beneplácito do Poder Judiciário, que deveria ser o guardião da legalidade.
Têm sido deferidos, por exemplo, mandados de busca e apreensão genéricos, contra moradores de favelas e morros, conferindo uma aparência de legalidade a verdadeiras invasões, como se nesses locais não houvesse pessoas honestas e trabalhadoras. Não é de hoje que os pedidos de prisão provisória ou preventiva têm sido deferidos automaticamente, a requerimento dos diversos órgãos policiais, sem nenhuma fundamentação, ou com fundamentação inespecífica que serviria para qualquer processo e qualquer tipo de crime.
De ilegalidade em ilegalidade, chegamos à invasão de escritórios de advocacia, com a apreensão indiscriminada de tudo que interessa e não interessa à investigação criminal. E ultrapassamos o limite do absurdo com a invasão do Fórum de Catanduva.
É claro que o IBCCRIM não está defendendo o crime em si, nem se opondo às atividades de investigação, necessárias para a persecução penal. Mas tudo tem um limite, e o limite está na legalidade. Nenhum órgão do Estado tem o direito de praticar crime sob o pretexto de combater o crime. Há regras legais a observar. Os códigos estabelecem o modo de operar. As leis determinam as fronteiras do admissível. A Constituição fixa os direitos individuais perante o Estado.
As prisões espetaculares e as invasões aparatosas de escritórios e de estabelecimentos comerciais famosos foram, como sabemos, antecedidas por ilegalidades toleradas quando eram cometidas apenas contra pessoas e grupos vulneráveis do povo. Há uma linha de continuidade em tudo isso, a qual obviamente não pode ser interrompida apenas a partir de sua metade. Enquanto admitirmos o ataque aos direitos de alguns porque já excluídos da sociedade, estaremos simultaneamente admitindo violação dos direitos de todos, indistintamente.
A História mostra que há idéias que se disseminam por quase todo o mundo, numa espécie de moda que se espalha e dura algum tempo; tivemos a época das ditaduras, dos governos militares, da restauração democrática. Hoje vivemos a luta contra o terrorismo — com tudo o que isso significa: invasão de países, derrubada de governos, prisões em massa, tortura e humilhação de prisioneiros. O problema é que os governos, empenhados em combater o terrorismo, acabam se arrogando poderes excepcionais e utilizando-os até mesmo contra os próprios cidadãos. Veja-se o caso da jornalista americana que foi presa porque não concordou em revelar a fonte de informações.
Será que estamos retrocedendo à barbárie?
Conclamamos nossos associados a resistir. A resistir, fazendo uso dos meios recursais previstos na lei. A resistir, denunciando na imprensa as ofensas à Constituição. A resistir, sustentando os princípios basilares da ordem jurídica.
Nós, operadores do Direito, sabemos o quanto são preciosos os princípios constitucionais que levaram séculos para se consolidar, e não podemos permitir que sejam deturpados, violados, esquecidos.
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