INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 76 - Março / 1999





 

Coordenador chefe:

Berenice Maria Giannella

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A suspensão processual e a realização do interrogatório do acusado

Alberto Zacharias Toron

Advogado, mestre em direito penal pela USP e ex-presidente do IBCCRIM

Está virando regra na atividade forense a realização do interrogatório do acusado mesmo nos casos em que cabe a suspensão processual prevista pelo art. 89 da Lei nº 9.099/95. Na verdade, ao oferecer a denúncia, o promotor de justiça deveria manifestar-se sobre a proposta da suspensão. Todavia, como freqüentemente a Folha de Antecedentes do imputado não se encontra nos autos, o representante ministerial, ao invés de cobrar o dado faltante, comodamente, reserva-se o direito de se manifestar sobre o sursis processual somente após o seu entranhamento. O juiz, por seu turno, acaba recebendo a denúncia e designando o interrogatório que se realiza.

Sem embargo de tal proceder ter se tornado verdadeira praxe, está errado. Primeiro porque a lei é expressa ao prescrever que "ao oferecer a denúncia" o Ministério Público se manifestará a respeito da suspensão, propondo-a ou não. Depois, porque o instituto em foco foi criado, acima de tudo, visando a poupar o acusado do constrangimento decorrente da simples presença no procedimento criminal.

Sobre o tema, os ilustres juristas Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes, em obra de autoria coletiva, salientaram:

"A suspensão condicional, dentre outras, tem a virtude de evitar as denominadas cerimônias degradantes. Como bem explicam Figueiredo Dias e Costa Andrade, 'o conceito de status-degration ceremony foi introduzido em 1956 por H. Garfinkel e são os processos ritualizados em que um indivíduo é condenado e despojado da sua identidade e recebe outra (degradada). O julgamento criminal é a mais expressiva — mas não crítica — das cerimônias degradantes'.

(...)

Evitar as cerimônias degradantes, o próprio processo, constitui o objetivo principal do novel instituto" ("Juizados Especiais Criminais", Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1997, p. 231 — grifamos).

No mesmo sentido, ratificando o verdadeiro espírito do art. 89 da Lei nº 9.099/95, o magnífico Luiz Flávio Gomes, em obra de sua autoria exclusiva, acentuou:

"As finalidades da suspensão condicional do processo são múltiplas: evitar a aplicação da pena de curta duração, reparação dos danos, desburocratizar a Justiça, etc. De todas, a mais marcante é a seguinte: acima de tudo, o escopo da suspensão condicional do processo é evitar a estigmatização derivada do próprio processo" ("Suspensão Condicional do Processo Penal", Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1997, p. 190 — grifamos).

Nessa linha de entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua 5ª Câmara Criminal, com parecer favorável da Procuradoria Geral de Justiça, concedeu ordem de habeas-corpus para determinar que não se efetuem a citação e o interrogatório do réu antes de o Ministério Público se manifestar sobre a possível proposta de suspensão (HC nº 256.750-3, j. 18.06.98, rel. des. Geraldo Xavier). No corpo do aresto, embora ressalvando que não se considera o sursis processual um direito público subjetivo do réu, salientou-se que "a manifestação do MP de primeiro grau acerca da formulação, ou não, da proposta a que alude o artigo 89 da Lei nº 9.099 deve preceder, necessariamente, à citação e ao interrogatório. Do contrário, ficaria frustrado o escopo de obviar a estigmatização decorrente da própria existência do processo, colimado pelo legislador de 1995".

Mais recentemente, no Habeas-Corpus nº 275.398-3, julgado em 1º de fevereiro de 1999 pela 2ª Câmara Criminal do TJSP, reiterou-se tal posicionamento concedendo-se a ordem para que se suspenda o processo até que venha para os autos a reclamada Folha de Antecedentes e sobrevenha a manifestação ministerial sobre a suspensão processual. Portanto, resulta claro que a realização do interrogatório nos casos em que cabe o sursis processual é uma aberração que contraria o sentido do próprio instituto.

Alberto Zacharias Toron
Advogado, mestre em direito penal pela USP e ex-presidente do IBCCRIM.



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040