INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 64 - Março / 1998





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A guarda municipal e a polícia

Márcio de Castro Nilsson

Delegado de polícia em Jundiaí, SP

Algumas pessoas vez ou outra nos indagam quanto à conduta da Guarda Municipal, isto é, pode o guarda municipal (funcionário) exercer funções de polícia, prevenindo ou reprimindo crimes? Não estaria usurpando função pública ou agindo com abuso de autoridade?

"Polícia, no sentido próprio que todos entendem, como órgão composto por pessoas encarregadas de cumprir a lei, para dar segurança e garantir a tranqüilidade, sempre foi, continua sendo e será um serviço público por excelência.

O Município, pessoa política e parte integrante da República Federativa do Brasil (como os Estados e o Distrito Federal), com o poder que emana do povo e é exercido pelo prefeito e pelos vereadores eleitos, tem sua Polícia Municipal, constituída ao abrigo do § 8º do artigo 144 da Constituição Federal", consoante Bismael B. Moraes (em Polícia sem adjetivações e as Guardas Municipais, Revista ADPESP, ano 16, nº 20, 1995, pp. 62 e 63).

Recentemente ao ser questionada quanto à responsabilidade que adviria para as guardas civis femininas se acaso participassem na revista das esposas de presos, por ocasião das visitas aos mesmos, os quais estavam recolhidos em Distritos Policiais de São Paulo, bem como sobre o amparo legal para justificar a participação da Guarda Civil Metropolitana nessas diligências, a augusta Procuradoria Geral do Município de São Paulo concluiu que a pretendida colaboração, desborda das atribuições específicas da Guarda Civil Metropolitana, podendo resultar na hipótese de ser determinada a sua realização, na responsabilização penal dos agentes e de seus superiores hierárquicos, quer por usurpação de função pública, delito previsto no art. 328 do Código Penal Brasileiro, quer por abuso de poder, também previsto no mesmo estatuto repressivo em seu art. 350, ou por abuso de autoridade, consoante disciplina a Lei nº 4.898/65, afirmando ainda, não haver como ser exercida essa tutela preventiva, nem a título de colaboração por não ter competência legal para efetuar revista pessoal nessas circunstâncias.

Ousamos divergir de tal entendimento no tocante à eventual responsabilidade penal daquelas servidoras e de seus superiores hierárquicos, acaso colaborassem com a Polícia Civil, na realização das diligências em comento.

"O delito de usurpação de função pública tutela o interesse relativo ao regular e normal funcionamento da Administração Pública, lesado com a conduta de quem indevidamente exerce funções administrativas sem estar habilitado legalmente para o desempenho dessas atividades. Assim, a objetividade jurídica é o interesse na normalidade funcional, probidade, prestígio, incolumidade e decoro no serviço público (RT 507/358)", conforme preleciona Júlio Fabbrini Mirabete (em Manual de Direito Penal, 1ª ed., vol. 3, pp. 334/335).

O elemento subjetivo é a consciência de que se age sem direito. Assim, ainda segundo Mirabete (ob. e ed. cit.): "O dolo é a vontade livre e consciente de praticar a conduta ilícita, tendo o agente ciência da ilegitimidade do fato. A ausência do animus de usurpar desnatura o delito de usurpação de função pública".

A ausência de ânimo de usurpar desnatura completamente o delito do art. 328 do Código Penal, que sem ele não se configura. Custa a crer, pois, que, num ato de solidariedade funcional, destituído de qualquer vantagem perceptível, e no qual o servidor municipal é movido pela vontade de colaborar no andamento dos serviços a cargo da Delegacia de Polícia, se pretenda ver caracterizada a infração em apreço.

Outrossim, pode-se afirmar que os crimes de exercício arbitrário ou abuso de poder disciplinados no art. 350 do Código Penal Brasileiro foram absorvidos e, portanto, revogados, pela Lei nº 4.898/65, sob a denominação de abuso de autoridade. Em todas as modalidades de condutas definidas nessa lei, o dolo é a vontade de praticar a ação descrita no tipo penal, sendo irrelevante a finalidade ou motivo do agente. Exige-se sempre, porém, a consciência da antijuridicidade da conduta praticada.

Nesse sentido: "O crime reclama um ânimo próprio, que é elemento subjetivo do injusto: vontade de praticar as condutas sabendo o agente que está exorbitando do poder. Esse elemento se liga à culpabilidade e à antijuridicidade" (Damásio Evangelista de Jesus).

"Nos abusos de autoridade, o elemento subjetivo do injusto deve ser apreciado com muita perspicácia, merecendo punição somente as condutas daqueles que, não visando a defesa social, agem por capricho, vingança ou maldade, com o consciente propósito de praticarem perseguições e injustiças. O que se condena, enfim, é o despotismo, a tirania, a arbitrariedade, o abuso, como indica o nomen juris do crime" (TACrim-SP, Ac. Rel. Silva Pinto, JUTACrim 84/400).

Entendemos, ainda, viável a celebração de convênio entre o Estado, através da Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública - Polícia Civil e o Município, representado pela Guarda Municipal, referente à colaboração direta desta, possibilitando auxílio nas atribuições básicas da Polícia Civil, executando atividades de polícia administrativa, judiciária e preventiva especializada, sob coordenação da mesma, consoante dispõe o inc. II do art. 4º do Decreto Estadual nº 25.265. de 29 de maio de 1986, que regulamenta a orientação, controle e fiscalização das Guardas Municipais pela Secretaria de Segurança Pública.

Na lição do festejado Hely Lopes Meirelles: "A Constituição de 1988 não se refere nominadamente a convênios, mas não impede a sua formação, como instrumento de cooperação associativa, segundo se infere de seu artigo 23, parágrafo único, e o Decreto-Lei nº 200/67, ao cuidar da reforma administrativa federal, já os recomendava como meios de descentralização de suas atividades, desde que os partícipes estejam devidamente aparelhados (art. 10, § 3º, b). Pela interpretação do texto constitucional e pela defeituosa redação da norma federal ordinária tem-se a impressão de que o convênio só é admissível entre entidades estatais, para execução por seus agentes, quando, na realidade, a possibilidade de tais acordos é amplamentre quaisquer pessoas ou organizações públicas ou particulares que disponham de meios para realizar os objetivos comuns, de interesse recíproco dos partícipes".

Acreditamos que dessa forma ficaria afastada qualquer eventual irregularidade penal por parte dos agentes municipais, haja vista não haver que se falar em nenhuma espécie de elemento subjetivo do tipo.

A Guarda Municipal, com preparo específico para tratar com o povo, não está impedida pela Constituição Federal de utilização pelo prefeito, em caráter excepcional, como polícia preventiva local, colaborando para a segurança dos munícipes, auxiliando a coletividade e as autoridades policiais. Afinal, "segurança pública é dever de todos", de acordo com o art. 144 da Constituição Federal.

A polícia, como todos sabem, é órgão público de prestação de serviço. Tanto pode ser federal, estadual ou municipal. O que não pode haver é polícia particular.

Márcio de Castro Nilsson
Delegado de polícia em Jundiaí, SP.



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