INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 63 - Fevereiro / 1998





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

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Conselho Editorial

Editorial

A nova redação do art. 180 do CP

Marcelo Lincoln Guidio

Oficial de promotoria do Ministério Público de São Paulo e bel. em Direito

No Boletim IBCCRIM 52/05, Damásio E. de Jesus, discorrendo sobre a nova redação dada ao art. 180, caput e § 1º do CP, defendeu que o fato descrito neste último, por ser menos grave, não poderia ser apenado com maior rigor que aquele previsto no caput, e assim, estaria o § 1º eivado em inconstitucionalidade por inobservância dos princípios da harmonia e da proporcionalidade. Em sua conclusão, o eminente jurista sugere que o preceito secundário do § 1º seja desconsiderado, permanecendo entretanto a descrição do crime próprio, que deverá ser reprimido com a mesma pena do caput.

Ouso discordar do mestre na medida em que, embora reconheça uma aparente inobservância aos princípios constitucionais supracitados, tal não ocorre, pois o fato descrito no § 1º reveste-se de maior gravidade que seu antecessor e por essa razão é apenado com mais rigor.

Na elaboração do § 1º, o legislador teve em conta a qualidade de comerciante ou industrial do autor do delito, e o § 2º reforça esse entendimento, abrangendo por equiparação outros sujeitos ativos em razão do ofício que desempenham. Feita essa introdução, é forçoso concluir que o legislador, utilizando-se de expressões indicativas de situações psicológicas distintas — no caput "sabe", e no § 1º, "deve saber" — procurou tratar desigualmente os desiguais (comerciantes e industriais/leigos), de forma a garantir a necessária proporcionalidade entre as duas situações, assim:

a) o leigo, sujeito ativo comum que não se dedica à mercancia, responderá dolosamente pela receptação somente quando tiver certeza da procedência ilícita da coisa; do contrário, será enquadrado no tipo culposo;

b) o comerciante e o industrial, sujeitos ativos próprios e profissionais, dotados de percepção mais aguçada, responderão dolosamente a partir de momento antecedente a estes, ou seja, desde o instante em que, tomados por dúvida ou incerteza quanto à procedência criminosa da coisa, não a recusarem. Em suma, a redação isolada do termo "deve saber" objetivou realçar (com imperfeição técnica) que o comerciante e o industrial respondem também pelo dolo eventual, ao contrário do leigo.

Destarte, creio que o § 1º, mesmo com a atual redação, abrange tanto o dolo direto quanto o indireto eventual sem ofender o princípio da harmonia, igualdade e proporcionalidade; o entendimento esposado por Damásio parece divorciar-se desses princípios, por dispensar tratamento idêntico a situações diversas.

Para solucionar o problema da aplicação da pena, que abstratamente é igual nos dois casos (três a oito anos e multa), o juiz terá que proceder como o faz em relação ao art. 130, CP, levando em conta a diferença subjetiva — dolo direto ou eventual — na individualização concreta daquela.

Marcelo Lincoln Guidio
Oficial de promotoria do Ministério Público de São Paulo e bel. em Direito.



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