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Boletim - 57 - Agosto / 1997





 

Coordenador chefe:

Editores do boletim: Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A Aids e o código penal

Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Junior

Advogados em São Paulo

A Aids não pode ser considerada, rigorosamente, uma moléstia venérea.

Com efeito, a sua transmissão se dá por inúmeras formas, tanto por pessoas contaminadas quanto não contaminadas; além da via sexual, pela própria gravidez, pelo uso de material cirúrgico e odontológico contaminados, pelo emprego de seringas usadas, por transfusão sangüínea, pelo ato de efetuar tatuagem ou acupuntura com agulhas infectadas, por agressões com objetos cortantes ou perfurantes contaminados etc. (nesse sentido, Diego-Manuel Luzón Peña, Problemas de la Transmisión y Prevención del Sida en el Derecho Penal Español, in Problemas Jurídico Penales del Sida, org. por Santiago Mir Puig, Barcelona, Bosh, 1993, pp. 11-12).

Tratando-se de agente contaminado e que agiu com o especial fim de transmitir a doença (dolo de dano, direto e não eventual), haverá a incidência do art. 131 do Código Penal, que sob o nomen juris de perigo de contágio de moléstia grave, dispõe:

"Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa".

A consumação desse delito se dá "com o ato capaz de contagiar, sendo indiferente que a tramissão se efetive" (Celso Delmanto, Cód. Pen. Comentado, 3ª ed., Renovar, atualizado e ampliado pelo primeiro autor deste artigo, p. 226).

Havendo, todavia, efetiva transmissão da doença, o agente contaminado não incidirá no crime do art. 131, mas em outros tipos penais: lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º, II - enfermidade incurável), lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º), homicídio doloso, tentado ou consumado (art. 121, caput). Tais tipificações dependerão da existência ou não de animus necandi, a ser apurado em cada caso concreto. Como lembra Carlos Maria Romeo Casabona (Responsabilidade Médico-Sanitária - Aids, in RBCCrim 3/22), "a comprovação, sempre difícil, do dolo do sujeito, nos indicará se é o delito de lesões corporais ou o de homicídio o aplicável".

Quanto ao eventual e tardio evento morte, há autores como Bernd Schünemann (Problemas Jurídico-Penales Relacionados com el Sida, trad. por Santiago Mir Puig, in ob. cit., pp. 28-29) que entendem que esse resultado "é imprevisível" e "escapa por completo ao controle do autor", o que o tornaria impunível. Já entre nós, ao contrário, Hungria, muito antes do aparecimento da Aids, sustentava que "é de presumir-se... o animus necandi, toda vez que o resultado morte é conseqüência normal da moléstia transmitida" (Comentários ao CP, 1958, vol. V, p. 413).

Ressalte-se que, em qualquer caso, o consentimento do ofendido em assumir o risco é indiferente, por serem a vida e saúde bens indisponíveis.

Na hipótese de agente contaminado que, agindo com culpa, transmitiu a Aids, igualmente não se configurará o art. 131 (que exige dolo direto), mas, sim, lesão corporal culposa (art. 129, § 6º) ou homicídio culposo (art. 121, § 3º).

Tratando-se de agente não contaminado (que não pode ser sujeito ativo do crime do art. 131) e havendo efetiva transmissão da Aids, há que se distinguir se ele agiu com culpa ou dolo, bem como, no último caso, se houve animus necandi, para então verificar se a tipificação será a de lesão corporal culposa, homicídio culposo, lesão corporal gravíssima, lesão corporal seguida de morte ou homicídio doloso, consumado ou tentado.

Roberto Delmanto e Roberto Delmanto Junior
Advogados em São Paulo.



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