INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 53 - Abril / 1997





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A aplicação da Lei Nº 9.271/96 no tempo

Paulo Roberto Dias Júnior

Promotor de justiça em São Paulo

Questão atual e deveras tormentosa, o debate sobre a retroatividade ou não, parcial ou total, da nova regra introduzida pela Lei nº 9.271/96 no art. 336 do Código de Processo Penal vem inquietando os operadores do Direito, começando a surgir nos tribunais as primeiras decisões a respeito do assunto.

Noto que a maioria dos trabalhos doutrinários e dos acórdãos já publicados sobre o tema rejeitam a combinação de leis para a solução do conflito intertemporal, entendendo ser inviável a retroação apenas da parte mais benéfica do diploma legal em exame, relacionada com a suspensão processual.

Portanto, a tese mais prestigiada, com a qual concordo, admite que as normas em foco são interdependentes, isto é, a sustação do andamento do feito gera como conseqüência automática a suspensão do prazo de prescrição ou, noutras palavras, um instituto não subsiste sem o outro. Aliás, esta foi a posição defendida desde logo pelo eminente Antônio Scarance Fernandes no painel "A Revelia no Processo Penal — Lei nº 9.271/96", promovido pela Escola Paulista do Ministério Público no dia 1º de julho p.p. (conclusões publicadas no DOE — Poder Executivo de 10.07.96, seção I, p. 24).

Divirjo, porém, da interpretação baseada na lição de Damásio E. de Jesus segundo a qual os dois tipos de suspensão só se aplicam aos delitos cometidos a partir da vigência da Lei nº 9.721/96, portanto "a suspenção do prazo prescricional em face do sobrestamento da ação penal era desconhecida de nossa legislação", de modo que "o art. 366, nesse ponto, é mais gravoso que o ordenamento anterior" (artigo publicado na edição especial do Boletim nº 42/?? deste Instituto).

Tenho sustentado nos processos em que oficío, inclusive impetrando habeas-corpus em favor dos acusados, que a suspensão do feito lhes é mais vantajosa, mesmo com a correspondente suspensão do curso do prazo prescricional, pois a primeira tem amparo constitucional, como revela a própria exposição de motivos do projeto gerador da Lei nº 9.72196, na qual se consignou que a citação por edital "leva à incerteza quanto ao conhecimento, pelo acusado, da acusação a ele imputada, o que pode motivar a alegação posterior de cerceamento de defesa. Com efeito, os princípios da ampla defesa e do contraditório, adotados no ordenamento jurídico brasileiro, e a previsão da Constituição Federal de que ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LVI) conferem o respaldo legal à nova pretensão do art. 366".

O fundamento da nova disciplina legal da revelia não escapou à observação arguta de Ada Pellegrini Grinover, que em artigo no mesmo boletim citado asseverou que "o contraditório, em seu primeiro momento, deve corresponder à informação, pela qual se fará possível o exercício pela defesa, e essa necessidade de informação fica praticamente infirmada pela ficção de uma citação editalícia".

Todavia, para evitar a chicana no processo penal, com alguns réus maliciosos escondendo-se deliberadamente para impedir o andamento do feito, o legislador estabeleceu algumas medidas de contraposição, a saber: a) a suspensão da prescrição; b) a reafirmação da possibilidade de decretação da prisão preventiva; c) a permissibilidade da produção antecipada de provas urgentes.

Destarte, a suspensão do prazo prescricional é um mero detalhe se comparada à paralisação do processo, cujo móvel é justamente impedir que um cidadão seja condenado criminalmente sem sequer ter o conhecimento pessoal da imputação contra ele irrogada.

Reafirmo: se considerarmos a razão filosófica da regra superviniente (preservar as garantias constitucionais do acusado), a suspensão do processo é medida de proteção que se sobrepõe ao suposto prejuízo causado pela sustação do prazo prescricional.

Outro ponto importante que não tem sido abordado com o devido cuidado diz respeito ao aspecto prático da situação, cuja análise também demonstra o favorecimento ao sujeito ativo causado pela cessação da marcha processual. Isto porque o curso da prescrição fatalmente será interrompido com a sentença condenatória, cujo advento é muito mais provável nas hipóteses em que o agente, por desconhecer a acusação, não pode oferecer a sua versão e apresentar provas para alicerçá-la.

Demonstrando a assertiva supra, no aresto prolatado em 21.08.96 pela 9ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo ao julgar a Apelação nº 1.024.393/8, o insigne relator juiz Samuel Junior, repelindo a preliminar de suspensão do processo argüida pela Procuradoria de Justiça, sacramentou:

"Inaplicável à espécie dos autos a suspensão prevista na Lei nº 9.271/96, pois trata-se de norma de natureza processual que não tem efeito retroativo.

Não há como se sustentar, por não estar prevista na lei, a suspensão do processo, sem a suspensão do curso da prescrição.

Assim, na medida em que o réu já havia citado por edital antes da vigência da nova lei, eventual suspensão do processo poderia vir em seu prejuízo."

Ocorre, contudo, que no caso examinado (Proc. nº 05/96 da 30ª Vara Criminal da Capital) o réu fora absolvido em primeiro grau e o M.M. juízo ad quem, após afastar a preliminar, deu provimento ao recurso ministerial e condenou o agente a cumprir, inicialmente no regime fechado, a pena reclusiva de 6 anos, 2 meses e 20 dias!!!

O surrealismo do quadro formado é evidente: nega-se o sobrestamento do processo com o argumento de que tal medida seria danosa ao acusado, por acarretar a paralisação do curso do prazo prescricional; ato contínuo, condena-se o suposto autor do delito, anteriormente absolvido, interrompendo a prescrição (art. 117, IV, do Código Penal, conforme o entendimento jurisprudencial dominante — RSTJ 56/334, 27/401 e 19/411; RT 636/26).

Lastima-se que a revelia desse afortunado réu impeça o agradecimento pessoal aos julgadores pela preocupação de não o prejudicar.

Paulo Roberto Dias Júnior
Promotor de justiça em São Paulo.



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