INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 51 - Fevereiro / 1997





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A Lei nº 9.099/95 e os seus reflexos no processo de competência do júri

Rui Ribeiro de Magalhães

Juiz de direito em Araraquara, SP

A Lei nº 9.099/95, em que pese tratar somente das chamadas infrações penais de menor potencial ofensivo, acabou refletindo profundamente nas normas de direito processual penal, criando situações novas, não previstas em lei, obrigando ao magistrado inovar na solução dos problemas, na medida em que eles forem surgindo.

No afã de simplificar e agilizar a solução de pequenas infrações penais, não se deu conta o legislador das implicações dessa lei no processo penal destinado a apurar infrações que, originariamente, nela não se enquadram.

Vejamos o seguinte exemplo: suponhamos que um réu primário, agindo com manifesto animus necandi, desfira um tiro contra a cabeça de alguém. Por circunstâncias alheias à sua vontade, o projétil atinge a vítima de raspão, produzindo-lhe lesões corporais leves.

Submetido o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, decide o Conselho de Sentença desclassificar a imputação inicial para o delito de lesões corporais leves. Diante dessa situação, como deve agir o juiz presidente?

A nova definição jurídica dada ao libelo crime acusatório pelo Conselho de Sentença, antes do advento da Lei nº 9.099/95, não oferecia maiores dificuldades, porquanto abdicando o colegiado de sua competência original, esta era transferida ao juízo monocrático, que prolataria a sentença de acordo com aquela decisão e amparado no artigo 492, § 2º, do Código de Processo Penal.

Mas, à luz do novo diploma legal, a questão ganhou contornos complexos, não previstos em lei, e que estão a exigir uma reflexão mais apurada sobre o procedimento a ser adotado, e isso porque a Lei nº 9.099/95, em casos dessa natureza, passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade, além de alterar o procedimento para apurar essas infrações, introduzindo a novidade da transação penal, de onde se conclui que o juiz presidente não poderá decidir sem antes cumprir os novos imperativos processuais.

Como se vê, uma questão anteriormente de fácil solução, tornou-se complexa em razão do advento de uma nova ordem legal, criada para simplificar e agilizar as chamadas infrações penais de menor potencial ofensivo.

Poder-se-ia argumentar que, diante dessa situação, o juiz presidente dissolveria o Conselho de Sentença, e mandaria abrir vista dos autos ao Ministério Público, para adaptar o procedimento em razão daquela soberana decisão. Aquele órgão requereria a intimação da vítima para representar e, em seguida, faria a proposta de transação penal, prosseguindo-se de acordo com o que determina a Lei nº 9.099/95.

A solução não é tão simples quanto parece, implicando em alguns óbices imediatos. Com efeito, os casos de dissolução do Conselho de Sentença, à evidência, não contemplam essa novidade e, em todos eles, não há o encerramento do julgamento, mas tão-somente a sua postergação à uma nova data, resolvida a questão que determinou a dissolução. Portanto, a dissolução para que o Ministério Público fizesse a adaptação processual, implicaria na insolução do processo por crime de tentativa de homicídio, o qual deve terminar, obrigatoriamente, com a prolação de uma sentença em plenário e na presença do réu.

A adaptação, por sua vez, não poderia ocorrer nos mesmos autos do processo por crime de tentativa de homicídio, pois este foi regularmente distribuído e dele há registros franqueados ao conhecimento público, o que contraria os termos da Lei nº 9.099/95. Por outro lado, os processos abrangidos por essa lei não se iniciam por denúncia, mas sim por termo circunstanciado de polícia judiciária. Tudo sem se falar que no futuro poderão ser criados juízos com competência exclusiva para conhecer essas questões.

A solução que se mostra mais adequada, implica, necessariamente, na prolação de uma sentença em plenário, onde se reconheça a inexistência do crime de tentativa de homicídio, por força da desclassificação para o delito de lesões corporais leves, seguindo-se a extração de peças processuais e o seu envio à autoridade policial para a feitura do termo circunstanciado.

Destaque-se que essa conduta altera a natureza jurídica daquela decisão, que deixa de ter o caráter de definitiva passando a ser uma interlocutória mista, na medida em que ela encerra tão-somente uma fase processual, por ausência de condição de procedibilidade, sem decidir, obviamente, o mérito da questão.

Saliente-se que, nem mesmo a eventual criação no futuro dos Juizados Especiais Criminais solucionaria o problema, posto que o juiz presidente, caso se declarasse incompetente, teria de enviar os autos do processo ao juízo competente, a menos que a esse processo pudesse ser dado o caráter, para efeitos processuais, de termo circunstanciado, cancelando-se a sua distribuição original.

Nesse mesmo diapasão, enquadra-se a nova definição jurídica da denúncia, quando implicar em desclassificação para delito considerado de menor potencial ofensivo.

Rui Ribeiro de Magalhães
Juiz de direito em Araraquara, SP.