INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 48 - Novembro / 1996





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo, Carlos Alberto Pires Mendes e Sérgio Rosenthal

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A prisão, o perdão e a Lei n°9.099/95

Lycurgo de Castro Santos

Promotor de justiça em São Paulo e doutorando pela Universidade Complutense de Madrid

É certo que a instituição da pena perde-se no tempo e confunde-se com imolações e toda sorte de sacrifícios rituais dos quais se valiam nossos antepassados, fundamentalmente para harmonizar o indivíduo, o grupo social e a ordem cosmológica que então lhe era familiar (microcosmo, mesocosmo e macrocosmo).

Novíssima é a idéia, todavia, da prisão como pena. Remota, lembrava Manoel Pedro Pimentel, ao recolhimento dos monges e abades em seus cubículos, onde a introversão (microcosmo) precipitava a vida espiritual e o encontro com Deus (macrocosmo).

O ato do anacoreta nada tinha de remissão de pecados ou coisa parecida. Estava, isso sim, intimamente vinculado ao ideal hermético, alquímico de transubstanciação de purificação. A transformação operada naqueles pequenos calabouços era especialmente psicológica: o religioso religava-se - donde se origina o termo ocidental religião e o conceito oriental yoga - a Deus.

O Estado Secular, todavia, valendo-se da idéia do pecado, herança comum cristã-judaica impregnada de julgamentos éticos e morais, apropriou-se do ritual hermético-alquímico de recolhimento, inseriu seus valores econômicos e políticos em um âmbito essencialmente místico e procurou através do que hoje chamamos prisão resgatar o indivíduo, não para que se harmonizasse em termos psicológicos com a idéia Divina, mas sim para que se orientasse, e de forma compulsória, àqueles valores econômicos e políticos.

O empobrecimento humanístico do indivíduo nas prisões, ao contrário do enriquecimento espiritual dos monges e abades em seus mosteiros, é o resultado tanto da compulsoriedade da segregação social, como da diversidade de orientação psicológica. Tal circunstância, alardeada de uma forma um de outra pelos arautos das ciências penais, tem como corolário lógico movimentos que vão desde a descriminalização até a contenção máxima da segregação física do condenado.

É neste contexto que a Lei n° 9.099/95, completando seu primeiro aniversário,, pode ser apreciada como uma lei conforme o moderno pensamento das ciências penais e sociológicas, sem, com isso, desdenhar as críticas que do ponto de vista técnico-formal buscam o aprimoramento do texto legal.

Institutos de contenção dos ius puniendi como a representação, a reparação do dano como causa extintiva de punibilidade, a suspensão do processo, entre outros, demonstram de forma clara a descrença no antigo ideal de correção do indivíduo através da segregação física da prisão.

Por outro lado, manteve a referida lei a direção sociológica econômica e política, própria do século XX, integrando a vítima e o agressor através da reparação do prejuízo causado. Permitiu a Lei n° 9.099/95, ainda, que a vítima abrisse mão do direito de representar contra o autor do fato, não obstante não tivesse sido reparado o dano: permitiu-lhe, de modo implícito, perdoar seu agressor.

Quer me parecer este último aspecto da lei de suma importância, seja para os crimes de menor potencial ofensivo, seja para aqueles que admitem a suspensão condicional do processo. Libertados da vinculação econômica e política, que se dá obviamente em termos psicológicos, a vítima e o agressor podem, orientados pelo magistrado, resgatar a humanidade através do perdão e, como conseqüência, a espiritualidade que tanto têm sofrido nestes últimos séculos.

Oxalá estejam preparados os magistrados para exercer esta tarefa que muito se assemelha àquela desenvolvida pelos xamãs, druidas e religiosos de outrora, de modo que no futuro tenhamos, como dizia Radbruch, não um melhor Direito Penal, mas algo melhor do que o Direito penal.

Lycurgo de Castro Santos
Promotor de justiça em São Paulo e doutorando pela Universidade Complutense de Madrid.



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