INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 36 - Dezembro / 1995





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo e Roberto Podval

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A desburocratização da Justiça Criminal

Lycurgo de Castro Santos

Promotor de Justiça em São Paulo e professor de Direito Penal

Com o advento da Lei 9.099/95, já se disse, a administração da Justiça Criminal ganha agilidade e ao mesmo tempo arrefece o trauma – para a sociedade, para ofensor e para ofendido – que representam as tradicionais soluções do conflito penal.

Não obstante a tremenda inovação que representa aquele diploma legal, existem décadas de imersão estática dos órgãos da administração da Justiça Criminal na burocracia, no exagero das formalidades, na postura tacanha que evita temerosamente o bom senso, porém cumpre, positiva e literalmente, as proposições jurídicas arcaicas que têm um fim em si mesmas.

Em virtude da resistência que o dinossauro da administração da Justiça Criminal há de oferecer às novas idéias estampadas na Lei nº 9.099/95 e o reconhecido empobrecimento e estagnação de idéias que a inércia do próprio sistema conduz, é antes de tudo um dever de todo aquele que exerce funções na administração da Justiça Criminal elevar à categoria de norma fundamental da Nova Justiça Penal o artigo 62 da referida Lei: O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (destaquei).

Sob este critério fundamental, quero tratar, neste breve artigo, do processo de conciliação nos casos de ação penal privada e ação penal pública condicionada à representação (lesões corporais dolosas e culposas, entre outras).

Quer parecer aos mais incautos que toda ocorrência referente a crimes cuja ação penal depende da instância do ofendido e abrangidos pela lei em apreço deverá ser, após a lavratura do termo circunstanciado epal autoridade policial, encaminhada imediatamente ao juizado, com o autor do fato e a vítima (CF, artigo 62). Sim, pois, apenas o juiz, ou o conciliador sob a sua orientação – quem não pode exercer funções na administração da Justiça Criminal – têm competência para conduzir o processo de conciliação (CF, artigo 73 e parágrafo único).

Todavia, é um exagero sem tamanho afirmar que a função da autoridade policial está circunscrita à lavratura do termo de ocorrência de acordo com o que lhe foi dito pelas partes e pelas testemunhas, omitindo aos protagonistas do fato, por faltar-lhe competência para a conciliação, que a Lei possibilita a composição dos danos, com a conseqüente extinção da punibilidade para o autor da infração (artigo 74, parágrafo único). Ao contrário, é fundamental que ela informe às partes acerca da possibilidade de conciliação, por dois motivos.

1º) Não havendo acordo imediato, as partes terão tempo para refletir sobre a possibilidade de conciliação, enquanto são encaminhadas ao juiz ou conciliador;

2º) No caso de haver acordo perante a autoridade policial, a composição terá sido alcançada, ou seja, o próprio fim da justiça consensual. Deve-se, a partir de então, evitar a perpetuação do drama penal e a estigmatização dos que estão nele envolvidos.

Deverá, neste contexto de acordo, a autoridade policial consignar no termo circunstanciado a conciliação – de forma circunstanciada, é óbvio – que será encaminhada ao juiz para mera homologação (CF, artigo 74), sendo desnecessário que as partes sejam também levadas ao juízo ou ao conciliador para renovar um acordo já sacramentado, como se o acordo feito perante a autoridade policial não tivesse valor algum, ou fosse duvidoso, o que é um paradoxo se considerarmos que a autoridade policial tem competência para lavrar termo de renúncia ao direito de representação.

Ademais, a figura do conciliador é necessária apenas quando houver dissidência. Conciliação pressupõe litígio, que não existe quando as partes já, em um primeiro momento, acordam acerca da reparação civil do dano. Caso prevaleça o entendimento de que é necessário encaminhar sempre as partes ao juiz, mesmo que seja para perguntar-lhes, de forma lacônica, se chegaram a um acordo, conforme o demonstra o termo circunstanciado, de nada valerão os princípios da informalidade, economia processual e celeridade previstos no citado artigo 62, prevalecendo uma vez mais a voracidade do dinossauro da Justiça Criminal.

Lycurgo de Castro Santos
Promotor de Justiça em São Paulo e professor de Direito Penal



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