INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 34 - Outubro / 1995





 

Coordenador chefe:

Tatiana Viggiani Bicudo e Roberto Podval

Coordenadores adjuntos:

Conselho Editorial

Editorial

A individualização das imputações nos delitos societários

Olavo Berriel Soares

Promotor de Justiça em São Paulo

"HC. Crime de sonegação fiscal. Inexistência de materialidade. Elementos indiciários de culpabilidade.

"Não obstante considerar-se que nos crimes com pluralidade de agentes como nos societários, a não existência da descrição pormenorizada de cada agente no ato tido por delituoso, necessário se faz afirmar que a peça acusatória não pode omitir os mais elementares requisitos que demonstrem estar presentes as indispensáveis condições para a causa petendi.

"A atenuação do rigorismo do art. 41, do CP, não implica em admitir-se denúncia que, nem de longe demonstre a ação ou omissão praticada pelos agentes, o nexo de causalidade com o resultado danoso ou qualquer elemento indiciário de culpabilidade.

"Ordem de 'habeas-corpus' concedida para o fim de trancamento da ação penal."
(HC nº 3.335-3, 1ª Turma, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, j. 24.5.95, v.u., DJU 7.10.95, p. 23.050).

O acórdão transcrito acima nos permite tecer breves considerações sobre a questão da imputação deficiente ou omissa na denúncia e na queixa, bem como sobre a evolução da jurisprudência dominante acerca do grau exigível de individualização das condutas, nas hipóteses de co-delinqüência.

A instauração de uma ação penal pressupõe o oferecimento de peça preambular (denúncia ou queixa), a qual "conterá a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias" (art. 41 do Código de Processo Penal). Assim, a descrição pormenorizada da conduta delituosa do réu é elemento indispensável na denúncia ou na queixa. Se tal descrição for omissa ou deficiente, ocorrerá nulidade absoluta a partir do recebimento da inicial. Com efeito, a dificuldade na intelecção da conduta delitiva traz prejuízos à ampla defesa, na medida em que o réu tem o direito de saber a natureza do comportamento pelo qual está sendo acusado.

Inicialmente, a jurisprudência majoritária entendida que, nos delitos cometidos mediante co-autoria ou participação, a denúncia ou a queixa deveriam individualizar claramente a conduta de cada um dos participantes (RTJ 49/388), sob pena de nulidade. Porém, o posicionamento rigoroso do Supremo Tribunal Federal foi sendo aos poucos atenuado. Em determinadas hipóteses, como nos crimes societários, deixou de ser exigida a especificação do comportamento de cada co-aturo ou partícipe, dada a dificuldade em se apurar a natureza das condutas individuais, sendo permitida a referência genérica à conduta global de todos os envolvidos (RTJ 125/1063, 104/1052, 100/116; RT 631/350, 625/391, entre outros julgados). Essa evolução na jurisprudência do STF também foi verificada nos crimes de autoria coletiva (RTJ 100/556) e nos crimes multitudinários (STF-RHC 62931-8-MT, DJU 14.6.85, p. 9.569).

Diante da tendência jurisprudencial no sentido de relativizar o grau de individualização das condutas, nas denúncias e queixas referentes a delitos coletivos, cabe indagar quais seriam os limites aceitáveis de tal relativização. No acórdão ora em análise, estabeleceu-se que o rigorismo do art. 41 do CPP só pode ser atenuado até um limite em que não haja prejuízo irreparável na demonstração da ação ou omissão típicas, do nexo de causalidade e do resultado, além da configuração de elementos indiciários de culpabilidade. Tais critérios de limitação, ainda que fluidos, são absolutamente salutares e necessários, na medida em que a falta de individualização das condutas de cada agente pode causar prejuízos ao exercício do direito de ampla defesa dos réus, além de provocar entraves na etapa posterior de individualização das penas.

Olavo Berriel Soares
Promotor de Justiça em São Paulo



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