INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 33 - Setembro / 1995


Editorial

A criminalidade no campo dos veículos automotores

Geraldo de Faria Lemos Pinheiro

Em julho do corrente ano, por provocação do Ministério da Justiça, a Presidência da República remeteu à Câmara dos Deputados três mensagens visando a alteração de dispositivos do Código Penal. Na mensagem de nº 784, a Presidência valeu-se da Exposição de Motivos nº 287/95 do Ministério da Justiça, pela qual se deseja atacar ao que foi denominado de inquietante forma de criminalidade no campo dos veículos automotores. Desesperançado da aprovação do Código Brasileiro de Trânsito, e esposando o entendimento de que o projeto não supre, como se desejou, a atual Lei nº 5.108/66 (CNT), que precisa apenas de retoques de melhoria, deixamos de sugerir que as alterações propostas agora pelo MJ estejam colocadas na Lei de Trânsito em exame no Senado.

A modificação ora proposta atende, no essencial, aos anseios de segurança social quanto ao furto e roubo de veículos, com previsão da liberdade ou lesão grave ou morte da vítimas. As penas exasperadas, portanto, pretendem ser um freio para os delinqüentes. Embora de modo abrangente, os parágrafos do art. 180 do projeto direcionam-se ao furto e roubo de veículos e comercialização das peças, procedimento muito em voga, com a participação até de funcionários policiais, muitas vezes os responsáveis direitos ou indiretos pelo comércio tão rendoso quanto livre, já que a legislação estadual existente é deficiente e não cumprida com rigor. Verdadeiramente, como declara a mensagem, a inclusão dos núcleos permite a repressão direta e autônoma, sem prejuízo, é claro, por participação em crime mais grave se isso se demonstrar.

O art. 311 do CP, segundo a reforma projetada, criminaliza a adulteração ou remarcação do número de chassi ou qualquer sinal identificador do veículo automotor, de seu componente ou equipamento. A pena é de reclusão de 3 a 6 anos e multa, aumentada de um terço se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela. O Código Nacional de Trânsito estabelece no art. 40 que a regravação do chassi ou do motor do veículo, sem comunicação à repartição de trânsito, este somente poderá ser licenciado com justificação de sua propriedade. O art. 12 do RCNT refere-se ao chassi mas também "aos demais pontos de identificação veicular". A obrigatoriedade da gravação está não só no CNT como no Tratado de Viena, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 33/81 e Decreto Executivo nº 86.714, de 10.12.1981. Pelo Tratado as marcas de identificação compreenderão para automotores, no chassi, ou na falta de chassis, na carroceria, o número de fabricação ou número de série de produção e no motor, o nº de fabricação do motor, o nº de fabricação do motor, se o produtor nele colocar (Anexo 4, inciso I, alíneas II e III da letra "a").

O Acordo sobre Regulamentação Básica Unificada de Trânsito entre Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai, aprovado pelo Brasil pelo Decreto de 3 de agosto de 1993 (DOU 4.8.93, também exige que todo veículo deverá estar registrado de acordo com as normas que cada país estabelecer (Cap. V, art. V, nº 2). O projeto refere-se ao número do chassi "ou qualquer sinal identificador do veículo automotor, de seu componente ou equipamento". A abrangência do tipo, portanto, é alta, incluindo as placas (art. 38 do CNT e RENAVAM) e todos aqueles pontos previstos na Resolução nº 659/85 do CONTRAN. Sugerimos a leitura dos artigos "Alteração da placa ou plaqueta de veículo: um crime de falsidade" (RT 515/296 e Julgados do TACrim/SP nov/dez/ 1977) e "Adulteração de placas de automóveis: ilícito penal" (Justitia 100/91 e RT 509/303). Resta examinar se a pena de reclusão de 3 a 6 anos e multa, prevista no projeto está em concordância com as ações penalizadas nos Capítulos de falsidade do CP atual. Acreditamos que os autores do projeto examinaram essa hipótese e, se algum rigor maior nele colocaram, tudo se deve justamente aos argumentos adotados na Exposição de Motivos.

Finalmente, quanto ao previsto no parágrafo 2º do art. 311, entendemos que a severidade é necessária, já que a multiplicação dos crimes dessa natureza sempre foi apontada, nas devassas das repartições de trânsito, tal como os jornais dão notícia a respeito. Designados que fomos para compor a Comissão Especial para a elaboração de um anteprojeto do CNT (Portaria nº 303 do MJ), em função do Decreto Presidencial de 6 de junho de 1991, tivemos em conta a exposição de motivos do Ministro Jarbas Passarinho, declarando em certo trecho que "a legislação brasileira é benevolente e ineficaz. Impõe-se a agilização dos processos de apuração de acidentes, a modernização dos procedimentos relativos a habilitação de condutores e do próprio registro de veículos, uniformizando a nível nacional a documentação pertinente".

Escolhido pelos membros da Comissão para apresentar a parte penal do anteprojeto, cuidei de orientar-me nas lições de Heleno Claudio fragoso (Crimes do Automóvel, in Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, nº 1, 1963, p. 83) e no Relatório elaborado pela Comissão Especial instituída pelo Conselho Federal da OAB, composta dos juristas Ivo D'Aquino (presidente), Heleno Claudio Fragoso (relator), Carlos de Araújo Lima, Serrano Neves e Evaristo de Morais Filho (Revista de Direito Penal nº 7/8, 1972, p. 7) Como ponto de partida ative-me ao anteprojeto dessa Comissão, publicado na mesma revista. Inspirou-me, também, o trabalho do jurista George Levasseur, da Universidade de Paris, dado a lume na revista Ciência Penal, nº 2, 1976, p. 3 além da legislação estrangeira no que foi pertinente.

Procuramos incluir, talvez de modo ousado, no Capítulo Penal, formas de conduta até então inexistentes, criminalizando ações de há muito reclamadas pela sociedade, quanto ao mau uso dos veículos, e colocamos alguns tipos como a interdição preventiva do condutor, circunstâncias agravantes e atenuantes, embriaguez ao volante, recusa ao exame de alcoolemia, omissão de vigilância na guarda de veículo, corrida ou manobras violentas na via pública, trânsito pelo acostamento, transporte perigoso de pessoas, inscrição fraudulenta para habilitação, porte ou uso de CNH falsificada, desmancho ou desmonte de veículos e produção excessiva de gases ou ruídos. Quanto aos procedimentos ficara estipulado que a disciplina seria estabelecida pelas unidades da Federação, nos termos dos arts. 98, I e 24, X e XI da CF de 1988.

Ao que parece, os doutos do MJ de então não aprovaram o Capítulo proposto, e o anteprojeto que veio a lume no Cap. XIX, reduziu-se significativamente e como tal foi aprovado na Câmara dos Deputados como projeto sob nº 3.710/93, estando presentemente no Senado, sob nº 73/94 com emendas, devendo, portanto, retornar para a Casa de origem.

Se a rapidez pretendida pela mensagem 784 se tornar realidade, ainda que as modificações nela previstas ainda sejam insignificantes quanto a totalidade está exigindo para a coação dos delinqüentes do trânsito, pelo menos que a boa intenção tenha continuidade, em outros projetos.

Geraldo de Faria Lemos Pinheiro



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040