A Constituição Federal de 1988 em seu art. 227, caput, estatuí: "É dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, `saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
E dentre as formas de proteção aos direitos da criança e do adolescente está inserida a adoção, que conforme o parágrafo quinto do art. 227 da Lei das Leis "será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições ;de sua efetivação por parte de estrangeiros".
Acudindo ao comando constitucional, o Congresso Nacional votou a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, dispondo sobre o "Estatuto da Criança e do Adolescente". Em outubro de 1990 o estatuto entrou em vigor, e depois de ter admitido no art. 31, a colocação da criança em família estrangeira somente em caráter excepcional e na modalidade de adoção, estabelece nos arts. 51 e 52, as condições para permitir seja ela elevada a efeito.
Percebemos, pois, que a adoção internacional é instituto de índole constitucional.
A adoção internacional tem sido uma preocupação constante de nosso País, a qual representa o único caminho legal e suficientemente segura para garantir o bem estar da criança em lares substitutos no Exterior; todavia, não podemos confundi-la com o tráfico de crianças, que é ilegal e deve ser combatido pela humanidade.
Interessante ressaltar, outrossim, que apesar de serem formas inteiramente distintas, ambas são destinadas à colocação de crianças em lares substitutos no Exterior (RT 641/91).
A imprensa de um modo geral vem reiteradamente levantando suspeitas de adoções de crianças brasileiras que se destinam ao comércio de órgãos no Exterior.
O Juiz de Direito Osvaldo Palotti Jr. entende ser "inimaginável que uma família espere anos, reúna dezenas de documentos, passe por entrevistas com psicólogos e assistentes sociais de seu país e do Brasil para depois matar criança e retirar seus órgãos." (Revista Veja de 14 de abril de 1993).
Salienta, ainda, Palotti Jr.: "o que existe é venda criminosa de crianças brasileiras para a adoção irregular em outros países".
Em face do exposto, podemos afirmar, indubitavelmente, que a alteração do caput do art. 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente seria uma medida salutar e realmente eficaz no combate ao chamado "tráfico internacional; de crianças", ou seja, ao invés de facultar aos Estados a criação de Comissões Judiciais, tornar-se-ia obrigatória a criação dessas comissões em todos os Estados da Federação. Assim sendo, o dispositivo passaria a ter a seguinte redação: "A adoção internacional deverá ser condicionada a estudo prévio de uma comissão judiciária de adoção…"
É oportuno relembrar os ensinamentos de Maria Josefina Becker, ou seja, "no momento em que a adoção perde o seu caráter de prática destinada a proteger crianças e adolescentes real e definitivamente separados de suas famílias biológicas, para se transformar em um mecanismo voltado à satisfação de adultos, passam a surgir práticas irregulares, que sob, o manto de bondade aparente, possuem um caráter francamente criminoso. O que caracteriza tais práticas é a transformação de seres humanos em mercadorias, em objetos de consumo" ("Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado", obra coletiva, Malheiros Editores, São Paulo, 1992, pág. 724).
O Estatuto da Criança e do Adolescente preservou a imagem do País e do povo brasileiro, ao tipificar como crime o fato de alguém subtrair criança ou adolescente ao poder de quem ontem sob sua guarda em virtude da lei ou de ordem judicial, como o fim de colocação em lar substituto (art. 231), ademais, proibiu e penalizou a ação de entregar filho ou pupilo a outrem mediante paga ou promessa de recompensa (art. 238), e também incriminou a conduta de promover ou auxiliar ato destinado ao envio de menor para o Exterior, sem prévio cumprimento das exigências legais, ou com o fito de obter lucro (art. 239). Portanto, qualquer tipo de mercantilização é repudiado in totum, tendo como condição sine qua non, o controle do Poder Judiciário e a fiscalização do Ministério Público.
Edson José da Fonseca
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