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Boletim - 24 - Dezembro / 1994


Editorial

A proposta de novo questionário no Tribunal do Júri

A proposta de novo questionário no Tribunal do Júri

Recente projeto, encaminhado ao Congresso Nacional, propõe alterações em diversas regras atinentes aos processos de competência do Tribunal do Júri. Dentre essas alterações interessam algumas relativas ao questionário a ser submetido ao Conselho de Sentença, e, em particular, as que dizem respeito às fontes, à redação e à ordenação desse questionário.

No que tange às fontes, importam, na elaboração do questionário, a pronúncia, o interrogatório e as alegações das partes. A proposta reduz, sem dúvida, as fontes atualmente consideradas. Com a pretendida supressão do libelo-crime, compreende-se que a pronúncia passe a ser o ponto nuclear do questionário, pois deverá fornecer, no mínimo, dois dados de fundamental relevância, isto é, a prova da materialidade do fato e a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação e indicar, de acréscimo, dois outros, se ocorrentes, ou seja a circunstância qualificadora ou a causa de aumento de pena. Agravantes ou atenuantes não serão mais consideradas no questionário e só serão levadas em conta, pelo Juiz- Presidente, no processo de individualização da pena (art. 492, II, "b").

No que se refere ao interrogatório como fonte do questionário, o texto legal proposto é bastante expressivo e se acomoda com perfeição à garantia constitucional da ampla defesa. Esta não se esgota na defesa técnica, pressupondo, necessariamente, a autodefesa ou defesa pessoal. Sobre essa matéria, guarda sempre atualidade a observação de Espínola Filho ("Comentários ao Código de Processo Penal", vol. 4º , p. 526): "Os quesitos devem contemplar todas as teses da defesa." "É possível, o réu, no interrogatório, invoque um ponto de vista que seu advogado não tenha acolhido, substituindo por outro, com aquele incompatível... em tal conjuntura, convém sejam ao Júri propostas as duas defesas, ficando aos jurados a liberdade de decidir como lhes parecer de acerto." Corretíssima, portanto, a expressa referência ao interrogatório como fonte do questionário.

Por fim, as "alegações das partes" foram também apontadas como fontes do questionário. Qual a extensão que pode se emprestada à referida locução? É óbvio que as alegações do Ministério Público não podem aumentar a carga acusatória já delimitada na pronúncia, sob pena de romper o contraditório e surpreender a Defesa. Para efeito do questionário, portanto, o que interessa, em verdade, são as alegações defensivas.

Na proposta legislativa, o art. 482 fixou, como regra geral, no que se refere à redação dos quesitos, a norma atualmente estatuída no inciso VI do art. 484 do CPP. Os quesitos devem ser expressos em proposições simples e distintas para a boa compreensão dos jurados. Pena que não se tenha exigido, explicitamente, que os enunciados fossem feitos na forma positiva evitando-se, assim, os quesitos em termos negativos, que podem conduzir a conclusões ambíguas.

É evidente que as respostas aos quesitos guardam sempre : suficiente clareza: e "necessária precisão" n medida em que são manifestadas apenas por uma de duas palavras: "sim" ou "não"" (art. 486). A simplicidade e a distinção, nas proposições, não dizem respeito, em verdade, ao modo de expressão da resposta monossilábica do jurado, mas, sim, ao seu processo mental de decisão.

No que se refere à ordenação dos quesitos, propôs-se, o art. 483, um processo simplificador de propicia, num tríplice equacionamento, condições para uma decisão do Conselho de Sentença. Os jurados serão indagados, em dois quesitos distintos, sobre a materialidade do fato e sobre a autoria ou participação. A resposta negativa a qualquer um dos quesitos ensejará o encerramento da votação e a absolvição do acusado. Já a resposta positiva a ambos permitirá a formulação do quesito –chave; o acusado deve ser condenado? Só então, com a resposta positiva a esse quesito é que se poderá formular os quesitos, subseqüentes a respeito da existência de causa de diminuição de pena alegada pela defesa ou de circunstância qualificadora ou de causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia.

O quesito referente à tese desclassificatória deve ser formulada após a confirmação da materialidade e da autoria. A nova ordenação de quesitos acarreta algumas conseqüências: a) tem o efeito redutor do questionário, pondo paradeiro a um sem número de indagações produtoras de argüições de nulidade; b) permite, desde logo, que o Conselho de Sentença tome posição pela condenação ou pela absolvição; c) dispensa a necessidade de fundamentação legal da absolvição; d) vincula a causa de diminuição da pena à alegação da Defesa e as qualificadoras ou causas de aumento à pronúncia; c) transfere ao Juiz Presidente o exame de agravantes ou atenuantes alegadas nos debates. Em resumo, torna, à primeira vista, mais operacional e menos vulnerável a nulidades. a atuação do Tribunal do Júri.

Tal conclusão não impede, no entanto, um grande número de objeções às propostas apresentadas. De todos elas, merece especial atenção a consideração feita por James Tubenschclak ("Tribunal do Júri – Contradições e Soluções", Saraiva, 1994, p. 170) sobre o terceiro quesito que, no seu entender, está redigido em dessintonia com o princípio constitucional da presunção de inocência. Sobra-lhe razão nessa crítica. Por que, ao invés da indagação: "se o acusado deve ser condenado?" , não se propõe a pergunta "se o acusado deve ser absolvido?" Antes de tudo porque se estabelece numa relação correta com o princípio da presunção de inocência. Depois, porque, na psicologia do homem comum, é mais fácil pronunciar um "sim" do que um "não" e o jurado é, sem dúvida, um popular, não um técnico.

Não são, por acaso, freqüentes as situações em que se tende ou para não manter discussão, ou porque não se entendeu os seus termos, dar ao interlocutor, uma resposta afirmativa para pôr termo no assunto? Não se correria o risco, diante do quesito proposto no projeto, de formular-se uma resposta "sim" por ser ela mais confortável? Já, se a indagação for no sentido de ser o acusado absolvido, o "não" corresponderia, por certo, a uma convicção firme e deliberada do jurado e romperia qualquer possibilidade de uma decisão acomodada. O "não" mais do que o "sim" sinaliza uma resposta intimadamente motivada.

Alberto Silva Franco



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