INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

     OK
alterar meus dados         
ASSOCIE-SE


Boletim - 20 - Setembro / 1994


Editorial

A crise nos Juizados Especiais e o crime contra a honra no novo Estatuto da OAB

Cláudio Antonio Soares Levada

Dentre outras medidas corporativista (uma delas já suspensa pelo Supremo Tribunal federal, contida no artigo 7º,inciso IX, da lei 8.906/94, ao prever que o advogado poderia sustentar oralmente o recursos "após o voto do relator", manifestamente inconstitucional por interferir diretamente na atividade juriscional), duas mais chamam a atenção, por seu alcance contra a coletividade, uma, e por criar uma categoria profissional acima da lei, outra, respectivamente através das previsões dos artigos 1º. Item I, e artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei que instituiu o novo Estatuto da OAB.

A primeira delas fere nada mais, nada menos, do que o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, ao restringir ;o acesso à Justiça dos menos favorecidos, ao estabelecer que "são atividades privativas de advocacia": "I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais", querendo com isso revogar o artigo 9º, "caput", da Lei 7.244/84, que instituiu o Juizado Especial de Pequenas Causas.

A inconstitucionalidade flagrante dessa disposição decorre do fato de que, além de se impedir que os mais pobres, em causas de reduzido valor econômico, busquem a proteção do Poder Judiciário, também o direito de petição aos órgãos públicos é cerceado, como bem exposto no Comunicado nº 78/94, da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, publicado no Diário Oficial do Estado de 27.07.1994, concordando-se com a afirmação de que "o monopólio da advocacia, defendido pelas associações de classe e pela sua corporação, encontra limites no texto constitucional ao assegurar 'a todos, independente de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder'(artigo 5º, XXXIV, "a")"- grifo do próprio Comunicado.

Não bastasse isso, leia-se o item 21 da Exposição de Motivos nº 007, de 17 de maio de 1983, em que são expostas as razões de instituição dos Juizados de Pequenas Causas:

"considerações de economia ou barateamento de custos levaram o anteprojeto a prever a facultatividade de assistência das partes por advogado (art. 9º). Não se desconhece o valor da assistência judiciária, por advogado, às partes envolvidas em litígio judicial, mas certo é que a obrigatoriedade de tal assistência, nas causas de pequeno valor econômico e reduzida complexidade jurídica, pode impedir o ingresso da parte em juízo afrontando o preceito constitucional que assegura o livre acesso ao Judiciário para satisfação de direitos individuais injustamente lesados. As pequenas lesões de direito sacrificam, indistintamente, os pobres e os mais afortunados. Quando a parte é pobre, é a ela; assegui4ado o direito à assistência judiciária gratuita. Todavia, a parte que não é pobre bastante para obter esse direito passa a não dispor de condições para buscar, no Judiciário, a realização do seu pequeno direito lesado, uma vez que o seu reduzido valor econômico não comporta o pagamento dos honorários profissionais de quem lhe irá prestar assistência.

Fica claro, portanto, que argumentar-se com a possibilidade de indistinta assistência judiciária gratuita, através da Procuradoria do Estado ou da Defensoria Pública, onde este órgão já tenha sido criado, é absolutamente infundado. A Lei 7.244/84 teve em mente situações em que a parte, apesar de ter alguns poucos recurso, não se encontra em condições de pagar honorários advocatícios sem sacrifício tal que ela, em razão do que lhe seria oneroso, prefere o não ingresso ao Juízo para defesa e proteção de seu direito ameaçado ou lesado. É o que Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe chamavam, à época da criação da lei 7.244/84, de "litigiosidade ;social contida", que o novo Estatuto da Ordem procura agora, em evidente retrocesso, restringir ao conhecimento do Poder Judiciário, em afronta ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição brasileira, e em prejuízo direto ao cidadão desprovido de maiores posses, grande maioria de nosso povo, como é notório.

Já a imunidade plena concedida no artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei 8.906/94, em termos que sequer deputados e senadores possuem, e estes para garantia de soberania da atuação do Poder Legislativo ("o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou for a dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelo excessos que cometer"), fere pelo menos a inv9olabilidade do direito à honra (artigo 5º, inciso X, da C.F.) e o princípio do juiz natural, ao transformar a OAB em verdadeiro tribunal de exceção, ainda que apenas para punir disciplinarmente quem injurie, difame ou desacate um Magistrado – e a este caberá, ou a legítima defesa de sua honra, por autotutela, já que o Poder Judiciário estará excluído da apreciação do delito cometido, ou enviar uma reclamação escrita ao órgão de classe do ofensor, para que este, provavelmente, seja desagravado pela entidade pela audácia do Magistrado em se insurgir contra o profissional…

O fato é que o direito à honra é imperativo constitucional, não se podendo dar a nenhum profissional o direito de cometer delitos contra esse direito personalíssimo em nome de uma suposta aidn4pndência funcional. Também aí caberá aos Tribunais, caso a caso, decretar a inconstitucionalidade do citado preceito legal, para que o advogado que, em eventual excesso da atividade advocatícia – cujo regular exercício não abrange injuriar, difamar ou desacatar -, ofenda o Magistrado ou qualquer das partes envolvidas no processo, ou serventuários, responda pelos crimes dos artigos 140, 139 e 331 do Código Penal, respectivamente. Lembre-se que a imunidade prevista a deputados e senadores é também imperativo constitucional, por isso não se podendo inferir de eventual ilegalidade, além do que a própria justificativa da imunidade refere-se à soberania de atuação de um dos Poderes da República, tanto que não se estende além do mandato parlamentar, nem for a dele.

Em suma: é parecido que, respeitada sempre a grandeza indiscutível da atividade profissional do advogado, se declare a cada caso concreto a inconstitucionalidade, dentre outros preceitos, dos dois artigos ;de lei aqui apontados, sob pena, a um caso, de prejuízo inconcebível à coletividade, e, no outro, de atentado ao direito personalíssimo da honra, sem que em ambas as hipóteses se vislumbre nenhuma justificativa, senão a defesa visível de interesses corporativista incompatíveis com a nobreza insista à verdadeira advocacia.

Cláudio Antonio Soares Levada



IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040