INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 17 - Junho / 1994





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

A ação nos crimes contra a honra do funcionário público

Damásio E. de Jesus

A ação penal por crime contra a honra de funcionário cometido propter officium é pública condicionada à representação, nos termos do Código Penal (art. 145, parágrafo único) e da Lei de Imprensa (art. 40, I, b, da Lei nº 5.250, de 9/2/67), sendo incabível a persecução privada. Significa que, vítima um funcionário público de calúnia, difamação ou injúria em razão da função, a opção única que tem é exercer o direito de representação perante o Ministério Público, iniciando-se o procedimento criminal mediante denúncia (Código Penal, art. 100, § 1º; Código de Processo Penal, art. 24, caput), proibida a ação penal exclusivamente privada.

A jurisprudência, nesse sentido era firme: STF, RHC 63.954, DJU 6.6.86, p. 9.933, RTJ 85/367; STF, Inquérito 215 DJU 12.6.87, p. 11.856; RT 387:311, 444:387, 457:377, 478:273, 487:338, 508:391, 522:388, 602:350, 623:360 e 650:334; Julgados do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo 83:213. A não ser que o funcionário já houvesse deixado o cargo ou na hipótese de inércia do Ministério Público (ação penal privada subsidiária), hipótese em que a persecução judicial privada lhe era permitida (STF: Inquérito 370, DJU 30.9.88, p. 24.984; HC 70.736, 2º Turma, DJU 8.4.94, p. 7.242; RT 504:423 e 545:378)

Na doutrina sempre pareceu tão óbvio o descabimento, no casa, da ação privativa do ofendido, que o tema nunca chamou maior atenção dos autores.

Darcy de Arruda Miranda, entretanto, já vinha insistindo na possibilidade de o funcionário público oferecer queixa (Comentários à Lei de Imprensa, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1969, II/704, nºs 627 e 630). E vez por outra surgiam decisões isoladas no sentido da legitimidade do processo penal privado (primitivo TASP,RT 357:332)

Recentemente, o Plenário Supremo Tribunal Federal, por maioria, no Agravo Regimental em Inquérito nº 726, em 10.11.93, relator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu a matéria de forma a tornar o pronunciamento um dos mais importantes dos últimos anos no plano da ação penal. Ficou assentado que no caso de crimes contra a honra de funcionário público em razão de suas funções definidos no Código Penal ou na Lei de Imprensa, a legitimação para a iniciativa do processo criminal é alternativa: do Ministério Público e do ofendido.

Significa que o funcionário público atingido propter officium em sua honra tem duas opções: exercer o direito de representação ante o Ministério Público ou propor ele próprio desde logo a ação penal. Na primeira hipótese a ação penal é pública, iniciando-se pela denúncia; na segunda, privada, promovida mediante queixa. E isso for a da execução da ação penal privada subsidiária da pública. De modo que as alternativas se apresentam mesmo quando não existem inércia do órgão público da acusação.

Fundamenta-se a decisão no art. 5º, X, da Constituição Federal, segundo o qual a honra é violável. "Se a regra geral para a tutela da honra é a ação privada", consta da ementa do acórdão, "compreende-se, não obstante, que, para desonerar, dos seus custos e incômodos, o funcionário ofendido em razão da função, o Estado, por ele provocado, assuma a iniciativa da repressão da ofensa delituosa. O que não se compreende, porém, é que só por ser funcionário e ter sido moralmente agredido em função do exercício do cargo público - o que não ilide o dano às sua honorabilidade pessoal -, o ofendido não possa defender pessoalmente em juízo - como se propicia a qualquer outro cidadão -, mas tenha de submeter previamente a sua pretensão de demandar a punição do ofensor ao juízo do Ministério Público."

Por isso - prossegue o Ministro Sepúlveda Pertende, "a admissão da ação penal pública quando se cuida de ofensa propter officium, para conformar-se à Constituição (art. 5º, X), há de ser entendido, como alternativa à disposição do ofendido, jamais como privação do seu direito ;de queixa". E conclui "pela legitimação concorrente do Ministério Público e do ofendido, independentemente de as ofensas, desde que propter officium, ou a propositura da conseqüente ação penal serem, ou não, contemporâneas ou posteriores à investidura do ofendido".

Provido o agravo, determinou-se o processamento da queixa. O relator sorteado, Ministro Celso de Mello, votou pelo improvimento do recurso, entendendo incabível a ação penal privada, no que foi seguido pelo Ministro Moreira Alves. Votaram pelo provimento, admitindo a queixa, os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Carlos Velloso e Paulo Brossard (DJU 29.4.94, p. 9.730)

A orientação é de grande relevância, uma vez que o princípio que a consagra pode estender-se a outras hipóteses em que a promoção da ação penal pública esteja condicionada à representação ou em que o crime atinge também um interesse particular do ofendido, como no desacato.

O tema apresenta desdobramentos, levando-se em conta que, conforme a natureza da peça inicial do processo criminal, se denúncia ou queixa, o procedimento apresenta ou não diversos institutos que podem alterar a situação das partes em litígio. A permitir-se a promoção mediante queixa cria-se o problema de admitir-se ou não que a opção do ofendido pela ação penal privada carregue consigo os institutos próprios da espécie, como a renúncia, a perempção, a retratação o perdão, a fase da reconciliação, etc., além de problemas na exceção da verdade na calúnia.

A renúncia do direito de queixa é possível antes do início da ação penal privada. Suponha-se que o funcionário público, ciente de que pode oferecer a queixa, nos termos da orientação em debate, renuncie a esse direito no inquérito policial. subindo os autos, pode o Ministério Público oferecer denúncia, levando-se em conta que a Administração Pública foi também atingida pelo fato? Admitida a ação penal pública, não deixa de ser estranho compelir o ofendido, que não deseja o processo contra o ofensor, a depor em juízo contra o réu. E se, exercida a representação dentro do prazo, o Ministério Público entende não haver delito? Poder ser oferecida a queixa for a do prazo? Note-se que o funcionário manifestou vontade no sentido do processo criminal dentro dos seis meses legais.

Na ação penal mediante queixa é admissível a retratação na calúnia e na difamação (Código Penal, art. 143), causa extintiva da punibilidade incabível da hipótese de processo iniciado mediante denúncia condicionada à representação (RTJ 87: 454 e 108:586; RT 523:419). Certamente a ação da tese irá permiti5r questionar-se, na hipótese, a possibilidade da retratação, uma vez que o fato, além de lesar a honra do funcionário, atinge também a Adminstração Pública.

A perempção, outra causa extintiva da punibilidade, só é possível na ação penal privada, (Código de Processo Penal, art. 60), inocorre no procedimento público. De indagar-se sobre sua admissibilidade quando promovido o processo mediante queixa, tendo em vista que, como ficou consignado, o crime lesiona também objeto jurídico cujo titular é a Administração Pública. A permitir-se a perempção, o desfecho do processo não obstante a lesão a um concorrente interesse público, ficaria dependendo do empenho do funcionário,

Permitida a iniciativa privada, de indagar-se sobre a fase inicial de reconciliação (Código de Processo Penal, art. 520), inexistente na ação penal pública (RTJ 101:1.027 e 113:560). Na ação privativa do ofendido o entendimento entre as partes conduz ao arquivamento da queixa ( estatuto mencionado, art. 522). De ver-se, contudo, que no caso do funcionário ofendido propter officium há também a lesão ao normal funcionamento da máquina administrativa. O acordo entre ele e o acusado envolveria o interesse público, cuja disposição não lhe pertence.

O perdão do ofendido extingue também a punibilidade (Código Penal, art. 107, V). Só é possível na ação penal privada (Código de Processo Penal, art. 51), permitindo o encerramento do processo (Código Penal, art. 105). Não obstante a dupla ofensa, à Administração Pública e à honra do funcionário poderia este perdoar o acusado na totalidade da lesão?

A admissibilidade da queixa privada, afastando-se a obrigatoriedade da promoção do processo pelo Ministério Público, teria o sentido de o Estado abrir mão de parte da pretensão punitiva no que concerne à ofensa ao seu interesse, permitida a apuração do fato somente em relação à lesão à honra do funcionário?

Por fim, é preciso cotejar o princípio da inviolabilidade da honra com o art. 129, I, da Constituição Federal, que prevê a legitimação exclusiva do Ministério Público para propor a ação penal pública.

Como se nota, o assunto não se restringe à simples admissibilidade da queixa, envolvendo outros temas de relevante interesse, cuja revelação, que ora fazemos, certamente encontrará soluções justas e jurídicas na argúcia dos nossos doutrinadores e tribunais.

Damásio E. de Jesus



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