INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 313 - Dezembro/2018





 

Coordenador chefe:

Fernando Gardinali Caetano Dias

Coordenadores adjuntos:

Daniel Paulo Fontana Bragagnollo, Danilo Dias Ticami e Roberto Portugal de Biazi

Conselho Editorial

Editorial

Resistir à onda punitiva e antidemocrática

A eleição de um candidato de extrema direita para a Presidência da República, que foi alçado ao cargo com um discurso belicista e uma plataforma de propostas de política criminal com pendor populista, combinada à ascensão de diversos governadores, deputados e senadores alinhados ao seu projeto, coloca o país em uma encruzilhada democrática e demarca de forma inequívoca o aprofundamento da onda conservadora e punitiva no Brasil.

Essa onda, que pode ter encontrado seu ponto mais agudo na atual conjuntura, é, porém, o resultado de um longo processo. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN),(1)o país saltou de 90 mil pessoas privadas de liberdade em 1990 para mais de 720 mil em 2016, num crescente ininterrupto até o momento. O encarceramento feminino, por sua vez, cresceu em ritmo ainda mais acelerado, sendo que, entre os anos 2000 e 2016, a quantidade de mulheres privadas de liberdade aumentou impressionantes 656%.

As consequências desse processo se refletem na indignidade do sistema prisional, caracterizado pela superlotação, pela tortura endêmica e pela carência de serviços básicos fartamente documentados em incontáveis relatórios de organizações da sociedade civil, de órgãos governamentais e internacionais. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” nas prisões do país, nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, ainda que tal declaração tenha restado destituída de medidas condizentes com a sua gravidade.

Para além dos muros do cárcere, o fortalecimento das facções prisionais e milícias, que espraiam sua influência por territórios urbanos e fronteiriços, é um dos mais funestos sintomas dessa política de encarceramento em massa. Política essa, aliás, também incapaz de responder à escalada de homicídios — que em 2016 atingiu a marca histórica de 62.517 assassinatos, segundo o Atlas da Violência — ou contribuir para o aumento da sensação de segurança da população, solapada pela espetacularização midiática da violência.

Mas ao contrário do que se poderia esperar, diante do retumbante fracasso das políticas de recrudescimento penal que marcaram o período — pelo menos em relação aos seus objetivos declarados de promoção da segurança pública — a opção do atual presidente eleito e de seu grupo político parece ser redobrar a aposta na barbárie.

Entre as medidas prometidas na área pelo novo mandatário do país, resumidas na expressão “prender e deixar preso”, podemos destacar a redução da maioridade penal para 16 anos; o fim da progressão de regime e das saídas temporárias; o armamento da população e a “excludente de ilicitude” para todos os atos praticados por policiais em serviço. Além disso, o novo superministro da Justiça promete uma cruzada anticorrupção, aos moldes da “operação lava-jato” e das “10 medidas contra a corrupção”,(2) que, levada a cabo, invariavelmente arrastará ao abismo do cárcere ainda mais pessoas, especialmente aquelas oriundas dos estratos sociais historicamente vulnerabilizados pelo sistema penal.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, estados que abrigam os maiores centros urbanos do país, os governadores eleitos pegam carona na onda conservadora e punitiva e prometem “endurecer” o combate contra a criminalidade. No caso fluminense, o dirigente eleito diz que patrocinará uma “lei do abate” contra pessoas portando um fuzil, que permitirá a atiradores de elite “mirar na cabecinha e… fogo”,(3) independentemente de a medida configurar uma forma de execução sumária — sem qualquer amparo constitucional ou legal — e do fato da polícia, por vezes, confundir guarda-chuva com fuzil.(4)

Para piorar, mesmo antes da posse dos novos congressistas, os efeitos já podem ser sentidos no Parlamento, com ameaças constantes de votação de medidas ainda carentes de debate público e aprofundamento científico, como as reformas da Lei de Execução Penal e do Código de Processo Penal.

Outro tema urgente, é o avanço de propostas de alteração da Lei Antiterrorismo, que buscam inserir, de modo inconstitucional, a motivação política e ideológica entre as razões do cometimento do crime em tela, na esteira das propostas de criminalização dos movimentos sociais — especialmente aqueles engajados na luta por terra e moradia — empolgadas pelo presidente eleito.

A convite do Senado, o IBCCRIM esteve presente em audiência pública no Senado sobre a Lei Antiterrorismo, em 20/11/2018,(5) e manifestou sua posição histórica em defesa da democracia e da liberdade política em sua mais ampla latitude. Tal postura, inclusive, já havia lhe rendido recente homenagem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante mesa de estudos e debates que teve como tema a “Criminalização das Lutas Sociais”.(6)

A política criminal, ao que tudo indica, será o centro nevrálgico de um populismo político embalado numa guerra cultural em prol “dos valores tradicionais”, sem compromisso com fatos, com a fundamentação científica das suas propostas ou com as consequências dos seus atos.

O novo período histórico que se abre para o país será, certamente, repleto de desafios que testarão a capacidade das instituições republicanas e seu compromisso com os princípios, direitos e garantias expressos na Constituição de 1988. À sociedade civil comprometida com essa plataforma democrática, caberá se elevar à altura das novas circunstâncias, recalibrando suas estratégias de resistência e fortalecendo seus vínculos nacionais e internacionais de cooperação. O recuo e o retrocesso não são uma opção.

Notas

(1) Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf>.

(2) Disponível em: <https://www.ibccrim.org.br/noticia/14165-IBCCRIM-manifesta-preocupacao-quanto-ao-apoio-do-ministro-da-Justica-as-10-medidas-contra-a-corrupcao>.

(3) Disponível em: <https://almapreta.com/editorias/realidade/wilson-witzel-a-policia-vai-mirar-na-cabecinha-e-fogo>.

(4) Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/19/politica/1537367458_ 048104.html>.

(5) Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoaudiencia?id=14672&fbclid=IwAR0je6d1q4QMB7PiLU79N-A7J2Oq88UNoe5wxLCyLSgd0KTCzOdqEz3f6lk>.

(6) Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?reload=9&v=aTo4P61GYzY>.



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