Fernando Gardinali Caetano Dias
Daniel Paulo Fontana Bragagnollo, Danilo Dias Ticami e Roberto Portugal de Biazi
Em outubro de 1992, o noticiário foi tomado por imagens grotescas. O massacre do Carandiru gerou grande comoção social. Não à toa, cenas pavorosas de camburões, corpos enfileirados e chão coberto de sangue se juntaram ao clima de instabilidade que existia pelo recente impeachment do Presidente da nossa República que almejava, por uma Constituição ainda infante, um Estado Social e Democrático de Direito. O clima de recrudescimento penal se instalou.
Quase 25 anos depois, a situação se repetiu. A alvorada de 2017 trouxe um bárbaro massacre em presídio no Amazonas: relatos de corpos decapitados e mutilados, cenas dantescas, famílias chorando à espera de notícias. Os dias seguintes vieram carregados de outras tantas carnificinas no interior do sistema prisional brasileiro (Roraima e Rio Grande do Norte). O Estado ainda se recupera do segundo impeachment verificado no ainda jovem regime democrático. O clima de “combate” à corrupção, de redução de garantias individuais, de “novas” interpretações dadas ao texto constitucional, da primeira à última instâncias judiciais, assemelha-se ao incentivo penal dos anos 90.
Malgrado a perpetuação de atos horrendos, saltam aos olhos posicionamentos críticos fundamentados em rijos estudos jurídico-acadêmicos acerca da violação de direitos e garantias individuais, cuja gênese foi um encontro de indivíduos pouco após a barbárie observada em 1992.
Na noite do dia 14 de outubro daquele ano, 109 mentes inconformadas juntaram-se e fundaram o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Essas pessoas estavam unidas pelo compromisso com o Estado Social e Democrático de Direito e com a (re)construção das Ciências Criminais para que, em conjunto com as demais Ciências Sociais, pudessem racionalizar o poder punitivo e contribuir com a consolidação da Constituição.
Quem olhasse esses dois momentos, como duas fotos, separadas por 25 anos, poderia dizer que pouco ou nada mudou. Que os tempos continuam estranhos e o Direito Penal e Processual Penal se mantiveram tensionados aos seus limites. Que, se naquele momento, a Guerra às Drogas estava em fase de declaração, hoje seus nefastos efeitos já podem ser sentidos, dados os alarmantes números de vidas interrompidas pela prisão ou ceifadas pela letalidade do Estado. Vidas, em sua grande maioria, de pessoas pobres, pretas e pardas.
Um observador pode até pensar se o Estado Democrático e Social de Direito está cambaleante. Seria fácil imaginar que os fundadores daquele projeto já teriam abandonado e desistido de sua ideia inicial. Não foi isso, porém, que aconteceu.
Muitas das pessoas continuaram no Instituto, presentes de uma ou de outra maneira (são tantos e tamanha a importância de cada nome que não caberiam aqui, em poucas linhas).
Mas por que as pessoas permanecem ligadas ao IBCCRIM? Recorrendo-se a uma citação de um dos fundadores do Instituto, Ranulfo de Melo Freire, a perseverança nesse tema é um traço que não necessariamente surpreende. Afinal, “perder o idealismo com a idade é falta de caráter”, ensina o desembargador.
Além disso, a resposta prática para a persistência na causa está no Estatuto do IBCCRIM, especialmente no artigo 4º.
O que as anima, ou melhor, o que nos anima são razões que alimentam as nossas esperanças e nos dão forças: a necessidade de “defender o respeito incondicional aos princípios, direitos e garantias fundamentais que estruturam a Constituição Federal” (inciso I), de lutar por “princípios e a efetiva concretização do Estado Democrático e Social de Direito” (inciso II) ou salvaguardar “os direitos das minorias e dos excluídos sociais, para permitir a todos os cidadãos o acesso pleno às garantias do Direito Penal e do Direito Processual Penal, de forma a conter o sistema punitivo dentro dos seus limites constitucionais” (inciso III).
No mesmo sentido, a inspiração vem da importância de “defender os direitos das vítimas de delito, estimulando ações voltadas à prestação de assistência jurídica, material e psicológica” (inciso IV) e de “estimular o debate público entre os variados atores, jurídicos e não jurídicos, da sociedade civil e do Estado sobre os problemas da violência e da criminalidade, e das intervenções públicas necessárias à garantia da segurança dos cidadãos no exercício de seus direitos fundamentais” (inciso V).
Foram essas finalidades que fizeram com que o IBCCRIM crescesse, de uma pequena sala comercial da Rua Tabatinguera, para hoje, com milhares de associados em todos os estados da Federação, ocupar cinco andares na emblemática Rua XI de Agosto. O edifício abriga uma estrutura sólida, seja por sua infraestrutura (como o auditório, sede de cursos e mesas de estudos e debates; ou a biblioteca, referência nacional para a pesquisa científica), seja por seu qualificado corpo funcional, composto por vários departamentos, voltados à pesquisa, à atuação como amicus curiae e a projetos legislativos, entre tantas outras funções.
Isso sem contar a reconhecida produção científica, por meio da Revista Brasileira de Ciências Criminais (que faz parte do seleto grupo de publicações com classificação A1), do Boletim, do Laboratório de Ciências Criminais, dos Grupos de Estudos, dos diversos cursos frequentemente promovidos e, também, por meio do Seminário Internacional de Ciências Criminais, que se tornou um evento de referência no cenário jurídico da América Latina.
Em 25 anos, o IBCCRIM tornou-se essa sólida e importante Instituição porque seus fundadores, colaboradores e associados inspiram-se nos ideais que foram colocados no papel naquela noite de 14 de outubro de 1992.
Por isso, é momento de olhar para trás e se orgulhar. Mais que isso, ainda, é hora de enaltecer aqueles fundadores que nos mostraram a importância de batalhar pela construção das Ciências Criminais que, muito além dos limites da dogmática, possam consolidar o Estado Democrático e Social de Direito.
Obrigado àqueles que assinaram a ata de fundação e a quem, nesses 25 anos, vem contribuindo e participando do IBCCRIM por acreditar.
Essa edição especial do Boletim, com artigos de membros da primeira à atual gestão do Instituto, é uma singela homenagem, um gesto genuíno de agradecimento a quem faz parte dessa história. Acima de tudo, entretanto, é um chamado para olhar para frente, lutar por mais tantos anos de produção científica, de atuação política e pelo engrandecimento de nossa referência para o estudo das Ciências Criminais, contribuindo, assim, para a democratização desse campo de estudos e de todo o sistema de justiça.
Os tempos – hoje difíceis – mudam e até podem piorar, mas o nosso Estatuto permanece firme, tal como os ideais ali contidos. Assim permaneceu por 25 anos. E é assim que devemos nos manter.
IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - Rua Onze de Agosto, 52 - 2º Andar - Centro - São Paulo - SP - 01018-010 - (11) 3111-1040