INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 133 - Dezembro / 2003





 

Coordenador chefe:

Celso Eduardo Faria Coracini

Coordenadores adjuntos:

Carlos Alberto Pires Mendes, Fernanda Emy Matsuda, Fernanda Velloso Teixeira e Luis Fernando

Conselho Editorial

Editorial

Crianças e Adolescentes

O assassinato de um jovem casal na cidade de Embu-Guaçu reacende, com vigor desmesurado, a discussão sobre o limite de idade para a imputabilidade penal. O tema volta à tona, uma vez mais, sob o signo da vindicta, e recebe a atenção de sempre da mídia. Todos — do ministro da Justiça a representantes da Igreja, parentes das vítimas, deputados, homem da rua — manifestam suas opiniões neste momento de comoção. Vale o recorrente alerta: elaborar política criminal sob o influxo de casos concretos significa tratar o geral com base na exceção. O máximo que se pode alcançar com isso é generalizar as exceções, de modo inconseqüente.

Segundo os meios de comunicação querem fazer crer, a maioria dos cidadãos seria favorável à redução do limite de imputabilidade penal de 18 para 16 anos. Não seria difícil, com uma simples campanha desinformativa, modificar ainda mais esse limite; afinal, por que 16 e não 14 ou 12? O Governo de São Paulo, que tem na construção de penitenciárias uma de suas prioridades, entregou à Câmara dos Deputados, no dia 19 de novembro p.p., proposta de alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): propõe o aumento, de três para até dez anos, do limite da privação de liberdade para o menor infrator (riscando da vida do menor a integralidade de sua juventude); estabelecer no início da pena um prazo determinado para o cumprimento da medida socioeducativa (o que elimina o juízo permanente de reavaliação da necessidade da medida restritiva de direitos, que deveria ser excepcional); e a transferência para penitenciárias comuns dos adolescentes que completarem 18 anos e ainda não forem considerados recuperados (o que parece querer ressuscitar o juízo — subjetivo — de periculosidade).

A mudança da lei não pode ser resposta à ineficiência das instituições (Administração, Polícia, MP, Judiciário), que falham ao não evitar que o menor seja atraído para a transgressão e, depois, falham novamente ao não reagir à ocorrência de fatos criminosos de modo rápido, eficaz e sem demagogia.

No pretender o agravamento das punições impostas ao adolescente, há a mal velada pretensão de incrementar o caráter preventivo da sanção, principalmente sob o aspecto de prevenção geral negativa e de prevenção especial negativa. A prevenção geral negativa seria o efeito gerado pela pena de prisão ao intimidar potenciais futuros adolescentes infratores, que seriam desencorajados da prática de delitos diante do exemplo da punição aplicada a outros infratores. Percebe-se aí a sombra da exemplaridade da pena, de que falava Feuerbach no início do século XIX, enquanto fator de coação psicológica sobre a sociedade, e que já se revelou um mito. A prevenção especial negativa, por sua vez, decorreria da neutralização do adolescente que, preso, não poderia delinqüir.

No sistema prisional, a pena privativa de liberdade promete considerar em sua aplicação o critério de necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime (CP, art. 59). Na realidade, limita-se a castigar, retribuir o mal com o mal, sem preocupação efetiva com a recuperação do condenado. Se a função preventiva surtisse algum efeito, provavelmente a criminalidade teria diminuído na última década em que, salvo raríssimas exceções, as leis penais e processuais penais somente fizeram agravar o tratamento imposto ao condenado e mesmo ao simples acusado.

De igual modo, não é menos sabido que as medidas socioeducativas aplicáveis aos adolescentes infratores também se têm mostrado ineficientes para os fins a que se destinam. A internação — sanção privativa de liberdade por excelência — nas condições em que é cumprida em estabelecimentos como a Febem, não tem função pedagógica, pois acaba constituindo-se em uma escola de iniciação ao crime.

O Estado, portanto, oferece dois sistemas — penas para os imputáveis e medidas socioeducativas para os inimputáveis — os quais se restringem a punir. No mais, o sistema prisional não previne e o sistema de internação para adolescentes não educa.

Ora, é equivocado o argumento, muito utilizado pelos defensores da redução de idade para imputabilidade penal, de que o entendimento do caráter criminoso da conduta já existe aos dezesseis anos ou menos. Não se trata de simples "inteligência" quanto ao fato, mas sim de maior ou menor possibilidade pessoal de se afastar dele ou de assumi-lo, tendo em vista a formação da personalidade. Há controvérsia também sobre a idade exata em que essa etapa formativa se completa, mas os estudiosos colocam-na seguramente acima dos 21 anos de idade, a exigir tratamento diferenciado por parte da legislação.

Cabe, então, questionar qual sanção seria a mais adequada para os infratores que se encontram nessa faixa etária. As "Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores" — Regras de Beijing — estabelecem que "a resposta à infração será sempre proporcional não só às circunstâncias e à gravidade da infração, mas também às circunstâncias e necessidades do menor, assim como às necessidades da sociedade" (regra 17.1). Se, substancialmente, a proposta dos que advogam a redução da freonteira de imputabilidadepenal para 16 anos é meramente de despejar os adolescentes mais cedo em um sistema prisional falido, como é o caso, que utilidade para a sociedade e para o infrator pode haver nisso? O paradoxo é evidente. De um lado buscam-se alternativas para a prisão, com o estímulo às penas de multa e restritivas de direito, em especial a prestação de serviços à comunidade; e de outro lado cresce o coro para que adolescentes ingressem ainda antes no sistema penitenciário, com todas as mazelas e incapacidade deste para cumprir sua missão de reprovar e prevenir delitos.

Permitir que a sociedade organizada se aproxime do menor infrator, passando a atuar nos estabelecimentos destinados a medidas verdadeiramente socioeducativas, as quais, mantendo o caráter punitivo, também privilegiem o escopo pedagógico, pode ser uma saída para o sistema. Em instituições criadas para abrigar número reduzido de infratores, os familiares, a comunidade e entidades sociais poderão contribuir, ao lado do Estado, para que o ECA seja cumprido de modo efetivo. Nesse modelo, caberia ao Estado a gestão, a fiscalização das atividades e a segurança interna das instituições. Atividades pedagógicas, profissionalizantes, sociais, psicológicas, esportivas, entre outras, poderiam ser confiadas à comunidade e a entes não estatais. Com vontade política, participação social e verbas orçamentárias adequadas pode ser que, em meio ao breu, se veja luz no fim do túnel.



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