INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 15 - Abril / 1994





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

Discriminação hedionda

Ana Sofia Schmidt de Oliveira

Foi enviado ao congresso Nacional anteprojeto de lei, integrante do "pacote antiviolência" do então Ministro Maurício Correa. O anteprojeto inova e prevê a criação, ao lado da remição pelo trabalho, da remição pelo processo educacional. Aquela, feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho, e esta, um dia de pena por doze horas de estudo. Exige-se a comprovação de efetiva presença e aproveitamento nas atividades programadas para o curso.

Certamente, a idéia parecerá liberal de mais a alguns. Talvez em razão deste prognóstico, traga o anteprojeto um argumento em sua própria defesa: é que dispõe certo parágrafo que não terão direito à nova modalidade de remição - e nem àquela que já era prevista - os condenados pela prática de tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes, do terrorismo e dos crimes hediondos.

Aí está. A crítica não ficará sem resposta. O anteprojeto não é liberal. Como poderia sê-lo com tanto violência pelas ruas?

Ora, a questão é séria demais e não pode encerrar-se na necessidade de contra -argumentar aqueles que venham a criticar a criação de "mais um benefício para bandido". Há que ser repensada sob dois pontos de vista.

Primeiramente. O art. 1º da Lei de Execução Penal estabelece o objetivo da execução da pena: proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. O instituto da remição está, pois, em plena harmonia com o espírito da lei. Através dela, aguardar a liberdade não é um processo passivo. O preso não fica esperando a chegada do dia "x". Ao contrário. Caminha em direção a ele. Trabalhando e estudando, encurta, pelo ritmo do seu passo, a distância que o separa do dia em que será livre.

No entanto, a restrição do criticado parágrafo mantém o preso ao seu passado. A cada dia é obrigado a lembrar-se que dele a sociedade nada espera: só se vinga.

Para os outros infratores a pena é um processo de integração. Para ele é um processo de integração. Para ele é só expiação. Os demais encontrarão no trabalho e na educação um caminho para a liberdade. O condenado excluído só terá aumentado seu fardo.

E ainda uma questão prática: todos que lidam no sistema penitenciário sabem que, para o preso, assinar um pedido de benefício, qualquer que seja, é reacender a chama da esperança. E sem esperança, sem luz no final do túnel, é pesado demais o dia - a - dia atrás das grade. Poder-se-ia dizer que estar "excluídos", via de regra, têm penas altíssimas e pouca diferença fariam os dias remidos. Não é assim. Ainda que a pena seja longa, ainda que seja quase eterna, um dia remido dá contorno de realidade à tão esperada liberdade. Como então incentivar ao trabalho, ao estudo, justamente quem mais precisa deste incentivo? Como administrar o dia-a-dia, até em matéria de ordem e disciplina, de quem nada tem a perder porque nada tem a ganhar?

Excluir mais uma vez os autores de terminados crimes é, no contexto do anteprojeto, uma medida cruel porque mexe naquilo que o sentenciado tem de mais precioso: a esperança de liberdade. Temerária, porque, certamente, refletirá na ordem e disciplina dos presídios. E. se veio mesmo para satisfazer a grita popular, inútil. Críticas sempre existirão.

Ana Sofia Schmidt de Oliveira



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