INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 14 - Março / 1994





 

Coordenador chefe:

Antonio Carlos Franco

Coordenadores adjuntos:

Álvaro Busana, Antonio Carlos Franco, Ana Sofia Schmidt de Oliveira, David Azevedo, Helios A.

Conselho Editorial

Editorial

A mulher, perante a Lei, não é tão igual

Luiza Nagib Eluf

A legislação em vigor em um país é sempre o retrato do pensamento de seu povo num determinado período de sua história. Embora certos preceitos possam ser os mesmo durante séculos, como por exemplo, não roubar ou não matar, outros dispositivos tornam-se desatualizados ao longo dos anos.

Com relação à situação da mulher no ordenamento jurídico brasileiro, é fácil perceber o descompasso entre a lei e a realidade, conseqüência de mudanças rápidas nos costumes, decorrentes dos avanços impulsionados pelos movimentos feministas. Exceção feita à Constituição Federal de 1988 que, por ser recente, é bastante igualitária e justa, os demais diplomas legais carecem de urgente adaptação à nova mentalidade social.

Para citar alguns exemplos das obsolescências que ainda temos em vigor e precisam ser objeto de ateração pelo Congresso Nacional, vejamos: o Código Civil admite que a mulher acrescenta aos seus os sobrenomes do marido, por ocasião do casamento. Embora essa determinação tenha deixado de ser obrigatória com o advento da Lei do Divórcio, continua sendo injusta. A se dar cumprimento ao princípio da igualdade entre os sexos, previsto na Constituição Federal em inúmeros dispositivos, é imperioso que o Código Civil confira ao homem o direito de adotar os sobrenomes da mulher em decorrência do matrimônio, como seria lógico.

Já o Código Penal tipifica o delito de "posse sexual mediante fraude", que consiste em "ter conjunção carnal com mulher honesta mediante fraude". A pena é de reclusão de 1 a 3 anos, mas, se mulher for virgem, sobe para 2 a 6 anos. A lei não diz o que seja a "fraude", mas a "Exposição de Motivos do Código" considera-a a simulação de casamento ou o ato de substituir-se ao marido na escuridão da alcova.

Se a primeira hipótese já parece difícil de se configurar, a segunda é praticamente impossível. Não nos esqueçamos, porém que o Código Penal é de 1940, quando tudo era muito diferente. Nesta época, à mulher não se reconhecia a competência necessária para discernir sobre o mundo em que vivia, para gerir seu próprio corpo ou decidir sobre seu destino. Assim, pode ser freqüentemente usada, enganada e, não raro, ridicularizada.

Dispensa maiores comentários a inadequação desses valores ao atual estágio de nossa evolução social. Moças virgens e ingênuas, sem acesso à informação e enclausuradas na teia de preconceitos que tanto sacrificaram nossas antepassadas, já não fazem parte dos padrões atuais.

Valores como "mulher desonrada" devem desaparecer do ordenamento jurídico, libertando, definitivamente, o sexo feminino destas, imagens resquícios da opressão.

O princípio da igualdade começa justamente por impedir a inferiorização que alguns conceitos retrógrados teimam em dignificar.

Crimes como "posse sexual mediante fraude", "sedução", "rapto consensual" e até o "adultério":, existem na lei porque à mulher nunca foi reconhecido o direito ao sexo desvinculado da procriação legalizada.

A lei deve punir a fraude; o engodo ardiloso e desonesto, enfim, a mentira sob relacionamento entre os seres humanos. Mas, deve proteger a todos desses atos, não apenas à pobres "mulheres honestas".

Luiza Nagib Eluf
Do livro "Brasileiro (a) é assim mesmo". em co-autoria com Jaime Pinsky



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