INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 276 - Novembro/2015





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

Editorial

Outra vergonha

Algumas coisas, de tão óbvias, não deveriam ser ditas. Em um mundo em que a velocidade e mudanças são tão rápidas que se perdem e fazem perder as referências, é necessário reafirmar mesmo as obviedades: o IBCCRIM empreende todos seus esforços e recursos em produzir ciência voltada à eliminação da violência. Somos contrários a qualquer forma de agressão, dentre elas, e principalmente, o crime: a ação que vulnera as crianças, os idosos, os bens públicos e a dignidade das pessoas. O que diferencia o IBCCRIM é que ele não acredita em milagres e milagreiros, salvações e salvadores, mas na evolução científica e no emprego da racionalidade para o melhor trato dessas questões que afligem todas as sociedades. O IBCCRIM, por exemplo, não quer se colocar na função de qualquer outra instituição pública ou privada, levando-a ao descrédito, usurpando seus papéis constitucionais ou atingindo seus integrantes com pré-conceitos e rótulos pejorativos. Ao contrário, procura auxiliá-las com críticas construtivas, luta por seu espaço constitucional e, principalmente, investe todos os seus recursos (que não são muitos) no estudo de soluções científicas para os vários problemas que compõe a crescente violência da e na nossa sociedade.

Nesse mister da crítica construtiva e da busca do despertar as instituições, não se pode deixar de tecer algumas considerações sobre como se vêm desenvolvendo as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), puras ou mistas, como elas vêm sendo realizadas e utilizadas em nossa realidade político-social. CPI, como o próprio desenho constitucional indica, deveria ser uma atividade parlamentar investigativa e pela qual se buscariam eventuais erros, insuficiências, faltas ou contradições do sistema legal e que impedissem o melhor desempenho das atividades públicas e privadas. Definido o “fato determinado” a se investigar (cfr. art. 58, § 3º, CF), as atividades, energias e recursos públicos despendidos deveriam ser destinados à busca de um exame técnico, real e suficiente para detectar falhas sistêmicas e, portanto, buscar e propor soluções e melhorias.

Tudo isso é o que se deseja, mas não é assim que as Comissões estão realizando seus trabalhos.

Essas Comissões não têm qualquer atividade própria e tecnicamente investigativa, até mesmo porque ouvir testemunhas e interrogar pessoas podem ser atos investigativos, mas isso não significa que a forma ou quem os realize saiba o que é investigar ou pratique aqueles atos com esse desiderato. Pode-se ouvir pessoas para humilhá-las, para autopromoção do inquiridor, para ataques políticos a pessoas ou governos, para proselitismo e para ataques pessoais e até familiares indiretos a terceiros. Tudo isso sem que se dê um único passo na direção de se investigar algo. Também, pode-se deixar de ouvir pessoas (testemunhas e/ou suspeitos) para se “vender” influência, demonstrar poder político e, com isso, cobrar-se em espécie ou em favores. As CPIs são o que se vê e o que não se vê, mas tanto o visível quanto ainda mais o invisível podem ser muita coisa, menos uma atividade técnica, própria ou produtivamente investigativa. Toda e cada vez que uma CPI é assim realizada gera a promoção de alguns, o escárnio (muitas vezes imerecido) de muitos, a diversão da claque e, certamente, perdas ao Poder Legislativo, que se autodesmoraliza sempre e mais.

Tomemos, como exemplo mais recente, o relatório final produzido pela Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) da Câmara dos Deputados, denominada de “CPI da Petrobrás”. Não se perca que essa CPI, seus agentes e resultados não são únicos, mas apenas o exemplo mais próximo dentre as muitas CPIs já realizadas no Congresso Nacional nas últimas legislaturas. Todas bem parecidas em forma, conteúdo e resultado.

O relatório final da CPI da Petrobrás foi aprovado (17 votos a favor, 9 contra e 1 abstenção) na madrugada de 22 de outubro com o seguinte ponto marcante: a Petrobrás foi vítima de funcionários venais e de empresas oportunistas, em uma relação corruptos e corruptores. Nada, absolutamente nada foi dito sobre qualquer parlamentar que tenha se beneficiado dos desvios e, principalmente, do sistema de nomeações políticas atribuídas pelo Poder Executivo aos parlamentares. Este sim, o verdadeiro “ovo da serpente”. O germe do mal introjetado nas veias nacionais que: afasta a meritocracia dentro das instituições públicas; subverte a competitividade para aperfeiçoamento da iniciativa privada; aparelha o Estado com apaniguados incompetentes, em detrimento do investimento em qualificação de carreiras públicas; descontinua políticas públicas e, muitas vezes, tem como única política a dilapidação e desvio dos recursos públicos para os bolsos privados no menor tempo possível, isto é, antes que outro nomeado ocupe o posto e a vez no butim. Olhar com critério para o Caso Petrobrás e não ver na nomeação política esse germe negativo e possivelmente determinante da imensa maioria dos males verificados é zombar do senso comum pela bazófia em tentar esconder a realidade, é trabalhar não para se realizar uma investigação produtiva, mas gerar um resultado protetivo à classe política que faz mal uso de suas funções e cargos públicos. É, enfim, colocar mais um tijolo na parede que separa as esperanças da população e o Congresso. A CPI não falhou em seu mister, ela produziu mais uma peça no teatro da autodesmoralização pública, foi um escárnio à população em um relevantíssimo momento de crise nacional. Demonstra apenas se e quanto podemos contar com a classe política quando no exercício de funções investigativas.

Para se evitar que tal mal se repita, é necessário se reconhecer que o melhor resultado desta CPI é a constatação de que é necessária uma lei que defina objetivos, procedimentos e limites às próprias Comissões Parlamentares de Inquérito. Uma lei que detalhe forma e finalidade, estabelecendo poderes e limites à sua atuação, assim como critérios para sua instalação, prorrogação e desenvolvimento. Tudo a utilizar como base todo um compêndio de decisões dos Tribunais Superiores nesse enfadonho trabalho de ensinar a ausentes.

Mas, pergunta-se: estão os senhores legisladores dispostos a trabalhar dentro dos limites e finalidades constitucionais? Estão os legisladores dispostos a legislar dentro desses parâmetros?

Infelizmente, tudo indica que o silêncio da imensa maioria de nossos parlamentares a essas perguntas será eloquente.



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