INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 273 - Agosto/2015





 

Coordenador chefe:

José Carlos Abissamra Filho

Coordenadores adjuntos:

Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos

Conselho Editorial

Editorial

Os desafios da política de drogas no Brasil e no mundo

A falência da guerra às drogas e suas nefastas consequências para os indivíduos e para a sociedade não podem mais ser escondidas. Em todo o mundo, as drogas proibidas circulam livremente, sem qualquer regulação, sob o monopólio de organizações criminosas transnacionais. Na América Latina, especialmente, a proibição vem promovendo violência, corrupção e superencarceramento, o que contribui para aprofundar a já profunda exclusão social que caracteriza a região.

Recentemente, os presidentes do Uruguai, da Colômbia, da Guatemala e do México conclamaram seus pares a debater francamente novos enfoques que possam afastar a política de drogas do sistema de justiça criminal e aproximá-la de uma abordagem fundamentada na saúde pública, nos direitos humanos e na redução de danos.

A terceira Reunião Especial da Assembleia Geral da ONU (UNGASS), que acontecerá em abril de 2016, em Nova Iorque, para debater a questão global das drogas, é uma janela de oportunidade inédita para avaliar novos paradigmas. Em 1990 e em 1998, na primeira e segunda UNGASS, respectivamente, não houve espaço para debates a respeito de novos enfoques, prevalecendo a quixotesca ideia de que é possível construir um mundo livre de certas drogas.

Entre os temas-chave dessa discussão estão a redução da demanda (drogas e saúde), a redução da oferta (drogas e crime), modelos de desenvolvimento alternativo e os impactos entre crianças, jovens, mulheres, além de outras populações especialmente vulneráveis. A revisão dos tratados internacionais deve levar em conta os novos desafios e as novas experiências, combinando-se a importância da soberania com o princípio da responsabilidade compartilhada entre as nações. Nessa terceira UNGASS, o sistema global de controle de drogas terá sua performance avaliada, oportunidade para aperfeiçoar os marcos normativos internacionais.

Em sintonia com seus princípios fundantes e com seu histórico de ações nessa temática, o IBCCRIM foi escolhido para sediar a Secretaria Executiva da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), rede com mais de 30 organizações da sociedade civil que, em comum, compartilham o diagnóstico de que a política de drogas no Brasil e no mundo precisa mudar.

A PBPD tem o papel de potencializar as iniciativas de seus membros e sistematizar o conhecimento sobre as substâncias, seus usos e impactos sociais, qualificando a discussão sobre o tema por meio de argumentos baseados em evidências científicas.

A PBPD vem trabalhando, ao lado de parceiros e aliados, para que as novas abordagens sejam inseridas na agenda do processo UNGASS, de forma a garantir um debate aberto, sem interdições e preconceitos.

Temas controversos, como a regulação da cannabis, devem constar da agenda de uma declaração política orientada por um esforço negociado. Algumas reformas de tratados e convenções, por outro lado, independem de consenso, como no caso da reclassificação de substâncias.

No âmbito interno, a PBPD acompanha Projetos de Lei e iniciativas governamentais relacionadas com políticas de drogas e está diretamente envolvida no julgamento do Recurso Extraordinário 635659, que deve ocorrer em breve no Supremo Tribunal Federal, no qual se discute a (i)legitimidade da intervenção penal em relação à posse para uso de (certas) substâncias proscritas.

Na circunvizinhança sul-americana, além do Brasil, apenas na Venezuela o porte de drogas para consumo pessoal é tipificado pela lei penal. As Supremas Cortes de Colômbia (por duas vezes) e a Argentina já declararam inconstitucionais normas semelhantes.

Não foram raras as oportunidades em que o IBCCRIM manifestou sua posição institucional favorável a não incriminação do porte de drogas para consumo pessoal, como imperativo de um Direito Penal de mínima intervenção que seja digno dessa qualificação.

Nesse sentido, o IBCCRIM foi ao STF, como amicus curiae, posicionando-se a favor do provimento do referido recurso extraordinário. Ainda em 2012, publicamos uma edição especial do Boletim dedicada ao assunto, em parceria com a Rede de Justiça Criminal, com resumos dos memoriais dos amici curiae e referências jurisprudenciais nacionais e estrangeiras a respeito da matéria. Esse boletim se mantém atual e pode ser acessado livremente no nosso website.

Entre os temas a serem debatidos pelo tribunal no julgamento da constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, merece destaque a problemática envolvendo a ausência de critérios legais objetivos diferenciadores das condutas de uso e tráfico, baseados em quantidades máximas de cada substância que poderiam ser portadas por cada indivíduo, de modo a reduzir a elevada subjetividade que impulsiona o encarceramento. Hoje, um em cada quatro prisioneiros, no Brasil, respondem por tráfico, sendo que entre as mulheres encarceradas essa proporção é de uma em cada duas.

Em uma perspectiva de médio prazo, portanto, abre-se a possibilidade de extirpação do delito de porte de drogas para consumo pessoal do ordenamento jurídico pátrio, em consonância com a tendência do direito comparado, ao mesmo tempo em que surge a oportunidade de o Brasil fortalecer a posição regional que postula mudanças de enfoque na política de drogas, de modo a torná-la menos injusta, desumana e irracional.

O atual paradigma de guerra às drogas se esgotou. Chegou a hora de reduzir os danos e iniciar a construção de um novo desenho regulatório, com ênfase na educação, na prevenção e no cuidado.



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