José Carlos Abissamra Filho
Arthur Sodré Prado, Fernando Gardinali e Guilherme Suguimori Santos
Dia 26 de junho foi o dia mundial da ONU de apoio às vítimas de tortura. Não podemos passar por esta data sem avaliar o que tem sido feito no país para que tal violência deixe de ser uma realidade cotidiana nos cárceres, unidades de internação de adolescentes, hospitais de custódia, delegacias de polícia, em abordagens policiais e em outros tantos casos.
A promulgação da lei 12.847/2013 representou um importante passo do Governo Brasileiro no estabelecimento do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT) no país. Tal Sistema é composto pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN), Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) – que completará um ano de existência em agosto de 2015 – e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), já em ação, com nove de seus onze membros empossados em março de 2015. O SNPCT deve ser reforçado pela indispensável presença da sociedade civil organizada, órgãos do Poder Judiciário, Conselhos Tutelares e corregedorias, ouvidorias de polícia, bem como pelos Comitês e Mecanismos Estaduais e Distritais.
Com a criação do Comitê e do Mecanismo nacionais, o Sistema neste âmbito está dando seus primeiros passos no sentido de consolidar-se como importante ator no cenário de violência institucional pouco enfrentado no Brasil. No entanto, considerando as dimensões continentais do país, é essencial a existência de órgãos estaduais para dar conta da capilaridade que um Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura necessita.
Alguns estados já apresentam seus Comitês e Mecanismos estaduais de prevenção e combate à tortura, como o Rio de Janeiro e Pernambuco. A Lei estadual 5778/10 instituiu o Mecanismo Estadual do Rio de Janeiro, no âmbito da Assembleia Legislativa (ALERJ), criado antes mesmo do Mecanismo Nacional. Apesar das dificuldades estruturais enfrentadas pelo órgão, devido às limitações administrativas e burocráticas impostas pela ALERJ, os membros deste mecanismo realizaram suas prerrogativas de visitas, elaboração de relatórios e recomendações. Em Pernambuco, o processo de implementação do comitê e mecanismo estaduais foi diferente do fluminense, pois a lei 14.863/12 instituiu o mecanismo no âmbito do poder Executivo, sediado especificamente na Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos. Tal mecanismo iniciou efetivamente suas atividades em 2015.
Alguns estados, como Minas Gerais, apresentam legislação que cria o Comitê e Mecanismo, mas ainda não implementaram efetivamente esses órgãos. Há estados como o Maranhão e o Rio Grande do Sul, com Comitês criados informalmente, porém sem mecanismos, bem como alguns nos quais há decreto de criação dos dois órgãos, porém apenas um deles se encontra operante (em geral os comitês, que não exigem contrapartida financeira do estado para pagamento dos seus membros). Outros, ainda, não conseguiram sequer avançar na produção legislativa e consequente implementação de seus comitês e mecanismos estaduais, como Sergipe, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, estado que concentra o maior número de estabelecimentos de privação de liberdade do país e mais de um terço da população prisional brasileira.
Em São Paulo, no ano de 2011, uma série de entidades e movimentos da sociedade civil formulou um projeto de lei, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, com a finalidade de verem criados o Comitê e o Mecanismo estadual de Prevenção à Tortura, em consonância com o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas. O Projeto de Lei foi encaminhado à Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania, que criou uma comissão para sua análise. A Consultoria Jurídica da Secretaria assinalou a impossibilidade jurídica do comissionamento de pessoas da sociedade civil, que passariam a ter vínculo empregatício com o estado, para integrarem o Mecanismo de Prevenção à Tortura. Outro problema levantado foi que o governo preferia aguardar a implementação do Comitê e Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, antes de instituir esses órgãos no estado.
Em 2013, após a aprovação da lei que criou o Comitê e Mecanismo Nacionais, as entidades retomaram os contatos com a Secretaria de Justiça, que apresentou outra série de dificuldades para a implementação desses órgãos no âmbito do poder executivo. Já em setembro de 2014, durante audiência pública realizada na Comissão da Verdade de São Paulo, o deputado estadual Adriano Diogo recebeu das entidades o Projeto de Lei para ser submetido à ALESP. O texto sofreu algumas importantes alterações, com a previsão de criação do mecanismo no âmbito legislativo, e não mais executivo. Daí em diante, apesar da cruel realidade dos privados de liberdade nesse estado, não houve progresso. Atualmente, a urgente necessidade da criação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura motivou as entidades e movimentos sociais a retomarem essa agenda e construírem uma série de mobilizações, nas quais o IBCCRIM está envolvido.
A criação de comitês e mecanismos estaduais exige, em primeiro lugar, vontade política. Diante das inúmeras denúncias de violações de direitos humanos ocorridas todos os dias em locais de privação de liberdade em todo o país – vide recente espancamento, com fotografias comprobatórias, ocorrido em Distrito Policial de São Paulo ou o caso dos porretes “corretivos” usados para espancar jovens, encontrados em unidade do sistema socioeducativo na Paraíba – é urgente a construção e implementação dos órgãos estaduais e fortalecimento do SNPCT. A presença de associados do IBCCRIM em todos os estados tem uma potência importante para o reforço em lutas que envolvem os estados. Assim, convidamos todos a se mobilizarem para garantir que esses importantes órgãos sejam instaurados e efetivos nos seus respectivos estados, assim como conclamamos os poderes constituídos a agirem com a urgência que a questão encerra. Precisamos nos unir para que, definitivamente, nenhuma pessoa seja torturada em nosso país.
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