INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 264 - Novembro/2014





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho e Matheus Silveira Pupo.

Conselho Editorial

Editorial

Direita, volver?

Após as recentes eleições parlamentares, houve certo consenso em identificar uma significativa onda conservadora que marca a composição do novo Congresso Nacional. Para não mencionar os eleitos com a ideia de encolher as funções (raquiticamente) desempenhadas pelo Estado, houve expressivo número de cadeiras conquistadas, muitas delas com massiva votação individual, por meio de discursos punitivos, raivosos, homolesbotransfóbicos, de intolerância a toda sorte de diferenças e divergências. Tudo isto exige profunda e permanente reflexão.

É bem verdade que o nosso sistema eleitoral admite, não sem causa, a prevalência do poder econômico, com gravíssimos reflexos na gestão da administração pública. O financiamento privado das multimilionárias campanhas eleitorais sempre cobra, e bem mais caro, o preço do “incentivo” ao pleito. Alianças fisiológicas e deformação dos partidos e ideologias completam o cenário, no qual discussões mais profundas e menos emocionais sobre os grandes problemas do país ficam à margem do debate, dificultando enormemente a escolha do eleitor. Isso não quer dizer, porém, que nós, brasileiros, não tenhamos responsabilidade pelo resultado eleitoral, tampouco significa que não estejamos – não obstante as distorções acima mencionadas –, de algum modo, refletidos no perfil dos congressistas. Isto talvez seja motivo de ainda maior perplexidade.

Dentro desse contexto, o que esperar da próxima legislatura para o direito penal e processual penal?

Para responder a essa pergunta praticamente retórica, além de olhar para o Legislativo, é preciso relembrar o quadro em que estamos todos inseridos.

Longe de ser um panorama exclusivamente brasileiro, os tempos atuais têm sido pródigos em promover o hedonismo e o narcisismo. Vendem o consumo como realização pessoal e aprovação social. Ao mesmo tempo, acentuam a concentração de renda. Subtraem a possibilidade de equalização das oportunidades (de estudo, de saúde, de moradia, com reflexos umas nas outras), mas ao mesmo tempo exigem a meritocracia como critério de seleção e promoção, em todos os sentidos. As grandes corporações e estruturas acabaram por criar uma espécie de neofordismo que torna as pessoas cada vez mais dispensáveis. A flexibilização dos direitos dos trabalhadores, o enfraquecimento e a corrupção dos sindicatos, aliados com os processos permanentes de terceirização do trabalho, culminam por desestruturar, ainda mais, os vínculos e as relações interpessoais.

Assim, quando a realidade não permite que todos comprem o que se vende como ideal de vida, é preciso, mais do que depressa, apresentar soluções para dar conta do contingente daqueles que são cotidianamente vomitados para fora do sistema. É justamente aí que aparecem os mercadores (eleitorais) dos delírios quiméricos de que o sistema penal, e pior, mais precisamente o sistema penitenciário, será capaz de dar conta da questão.

Ocorre que a máquina que constrói presídios – e nem se fala aqui da cela individual de 6 metros quadrados e outras condições determinadas pela Lei de Execução Penal – não é páreo para aquela que produz prisões cautelares e condenações.

Mas isso não importa. O sonho foi vendido e, de alguma maneira, será preciso recorrer a outra ilusão: a de que se fará algo pela “população ordeira” (na verdade, os consumidores que ficam do lado de fora dos muros).

É possível prever maior timidez do Congresso no debate pela descriminalização das drogas. Pode-se esperar o retorno de pautas como pena de morte, prisão perpétua, redução da maioridade penal (defendida, inclusive, por candidaturas aos pleitos majoritários), aumento das penas, aumento e reforço das hipóteses das prisões cautelares (para, quem sabe, o número de presos provisórios ultrapassar o número de condenados definitivos). Não menos grave, podemos esperar, ainda, o incremento das buscas de criminalização dos movimentos sociais e de manifestações populares.

Estarão os parlamentares legitimados a tudo?

Sabe-se que não. Vacinados contra nossos próprios surtos de ira e crenças em panaceias, demo-nos a Constituição Federal de 1988. A par das dezenas de emendas feitas até aqui, não se conseguiu transfigurar a face das garantias e direitos individuais. Até porque é a própria Lei Maior que diz não aceitar plásticas nessa parte de seu semblante. Não se pode esquecer, contudo, que, poucos anos depois de sua festejada promulgação, ensaiou-se um movimento de revisão constitucional. Era, ao que tudo indicava, a tentativa de um golpe branco, armado dentro da institucionalidade, para tentar solapar aqueles direitos que, talvez no susto e na empolgação, passaram a constar do texto e que tanto incomodavam os setores mais conservadores – da política, da economia e da sociedade. Não seria de se estranhar se lançassem novamente semelhante ideia. É por este motivo, também, que a Constituição vigente apresenta-se como o primeiro e último bastião da dignidade, dos direitos e garantias mínimas das pessoas que habitam o país.

Por isso, o papel do IBCCRIM, de outras entidades afins e de todos os indivíduos que se identificam com seus ideais, nesse momento, é de se entrincheirar nessa fortaleza político-jurídica edificada em 1988 e resistir a toda e qualquer tentativa de suprimir tais direitos e garantias. Sem prejuízo dessa estratégia de contenção, é necessário que o debate das ciências criminais consiga transpor os muros das instituições e das universidades, para que as informações, as preocupações e conclusões possam ser percebidas e refletidas criticamente pelas pessoas e, quem sabe, mobilizá-las para seguir em uma nova direção no tratamento da questão criminal.



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