INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS

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Boletim - 263 - Outubro/2014





 

Coordenador chefe:

Rogério Fernando Taffarello

Coordenadores adjuntos:

Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho e Matheus Silveira Pupo.

Conselho Editorial

Editorial

Que Judiciário e qual Supremo?

Que o Poder Judiciário, o único da República a não ter os seus membros eleitos, seja, em essência, bastante conservador, não é segredo para ninguém. Há os que justificam tal postura como uma necessária cautela com vistas a previamente sentir os rumos tomados pela sociedade para então fazer incidir a espada da Justiça. Os de olhar um pouco mais crítico enxergam, no entanto, essa tal característica da magistratura como algo bastante funcional à perpetuação do sistema socioeconômico hegemônico, com suas contradições, disfuncionalidades e mazelas.

Aos que não se resignam com o papel tradicionalmente destinado àqueles a quem se atribui o poder de dizer o direito em uma sociedade de enormes desigualdades sociais e carências de toda a ordem e, portanto, ostentam a expectativa de que os membros de tal poder desempenhem, de fato, a essencial missão a eles destinada pela Constituição como últimos guardiões dos direitos e garantias individuais e sociais de todos os que estejam sob o solo brasileiro, resta a esperança de que assumam os juízes e as juízas seu verdadeiro papel em tempos de democracia, exercendo com absoluta independência (inclusive, e principalmente, interna) o seu mister.

Nesse contexto, no qual a legitimação dos membros do Poder Judiciário não advém do sufrágio que alicerça a determinação dos representantes dos demais poderes, mas sim justamente dessa independência como garantia precípua de todos os jurisdicionados, é importante destacar que o seu exercício passa muito ao largo de ser apolítico – atributo, de resto, impossível de se verificar em qualquer membro da polis, mas muitíssimo utilizado por aqueles que, no fundo, ostentam com sua indiferença a perpetuação de práticas autoritárias nada consentâneas com as promessas de cidadania e emancipação plasmadas na Constituição. O agir imparcial, característica que se espera do Estado-juiz, consiste, antes de tudo, em exercer a alteridade, solidarizar-se, sentir-se membro de determinada coletividade e estar sensível aos seus dramas, seus conflitos e a todos os legítimos interesses envolvidos.

É fulcral, portanto, que o juiz ou a juíza assumam sua consciência política e vivenciem as grandes questões éticas e sociais que afetam a vida cotidiana da sociedade de que fazem parte. O magistrado ensimesmado atende muito bem a dados interesses – mas não ao claro chamado que brota do exercício do poder-dever de fazerem vivos no dia a dia os preceitos atinentes ao Estado Democrático e Social de Direito a que nos propomos construir.

Mas como esperar tal assunção de responsabilidade democrática pela magistratura em um contexto no qual não há sequer democracia interna no Poder Judiciário? E mais: como esperar que a sociedade possa estar preparada para cobrar de seus juízes e juízas o desempenho do papel a que se deveriam vocacionar, como defensores de direitos e garantias, se não há qualquer participação social na escolha daqueles que compõem justamente a cúpula de tal Poder?

Estamos na iminência da escolha de um novo membro para o Supremo Tribunal Federal e não temos sequer a oportunidade de conhecer quais seriam os “cotados” para a vaga. Mais do que ao histórico de cargos ou atividades profissionais exercidos e de titulações acadêmicas, não temos acesso às trajetórias de vida dos pretendentes. Não sabemos quais deles já exercem a judicatura e se já vêm cumprindo com o seu papel de garantidores de direitos; quais são sensíveis às lutas sociais dos marginalizados (e quais os enxergam sob a ótica de inimigos); o que pensam sobre o encarceramento em massa das populações excluídas da sociedade do espetáculo e do consumo; como encaram a indevida restrição ao conhecimento e apreciação do habeas corpus nos tribunais superiores, especialmente com vistas ao fato de que diversas das orientações garantistas provenientes de tais cortes são cotidianamente ignoradas e violadas por juízes e juízas de primeiro e segundo graus, de norte a sul do país (conforme indica recente estudo da Escola de Direito da FGV-RJ, realizado em parceria com o Ministério da Justiça e pelo Ipea e apresentado em detalhes no último Seminário Internacional do IBCCRIM). Enfim, são consagrados ministros e ministras de nossa Corte Suprema sem que a sociedade brasileira tenha a oportunidade de os conhecer previamente e expressar opiniões sobre eles.

É , portanto, com o escopo de exigirmos concretamente de toda a magistratura o desempenho de seu verdadeiro papel, que pugnamos por uma maior transparência e participação social no processo de composição da cúpula do Judiciário, oportunizando-se não apenas o conhecimento público daqueles que estariam sendo considerados para a vaga de ministro, mas principalmente que o meio jurídico, por meio de suas organizações, academia e entidades associativas, e toda a sociedade civil, possam debater amplamente os seus históricos, suas posições e seus compromissos com os valores republicanos e democráticos. Assim, a escolha pelo chefe do Poder Executivo, submetida ao crivo do Senado Federal, encontrará uma auspiciosa legitimação popular, indo-se ao encontro das recentes movimentações sociais no sentido de se buscar um maior protagonismo do cidadão na condução da vida do país.



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