Rogério Fernando Taffarello
Cecília de Souza Santos, José Carlos Abissamra Filho e Matheus Silveira Pupo.
Em 11 de julho próximo a Lei de Execuções Penais completará 30 anos em meio a um projeto de reforma que pretende alterar substancialmente seu texto. Há 30 anos, sua edição promoveu uma significativa reforma no regime penitenciário do país, instituindo novos institutos e recolorindo alguns outros. A Lei 7.210/1984, em seu bojo, foi considerada salutar e corajosa, até mesmo avançada, para os padrões latino-americanos, mas infelizmente manteve algumas regras do regime anterior, talvez por necessidade de algumas concessões que garantissem a sua aprovação. Naquele período o futuro político do país era incerto, e a democracia apenas despontava ao final da colina como um alvorecer tímido de uma manhã de nebuloso inverno.
Agora, em tese, os tempos são outros. Não há dúvidas sobre nosso regime ser o democrático, e possuímos uma Constituição Cidadã.
É neste cenário que surge o PLS 513/13, que à primeira vista traz avanços significativos em tão árduo e esquecido campo jurídico-penal. Desafiando a maioria dos projetos de lei que tem por conteúdo a matéria e que delegam ao cárcere a esdrúxula tarefa de diminuir a criminalidade, o projeto foi conduzido de forma lúcida e racional, e, segundo sua exposição de motivos, tendo por princípio a humanização da sanção penal e a garantia dos Direitos Fundamentais do condenado.
Nesta linha, vários pontos positivos foram acrescentados ao projeto: a previsão do trabalho não mais como apenas um dever, mas como condição de dignidade humana do preso; melhores critérios de classificação do sentenciado; programa de assistência a dependentes químicos; previsão de justiça restaurativa com a participação do Conselho da Comunidade; incentivos fiscais para empresas contratantes de egressos; salário mínimo; trabalho voluntário para fins de remição de pena; fim da exigência de 1/6 de cumprimento da pena em regime semiaberto para exercício de trabalho externo; visita íntima; atenção especial aos presos estrangeiros; defesa técnica em caso de falta disciplinar; definição de faltas leves e médias e a classificação do comportamento prisional pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; extinção de parecer do Conselho Penitenciário em casos de indulto; extinção da casa de albergado e assimilação do recolhimento domiciliar; progressão de regime antecipada em caso de superlotação; extinção das carceragens em delegacias de polícia; libertação direta e sem alvará até às 12h do dia de cumprimento ou extinção da pena; fim da perda dos dias remidos em caso de infração; limitação ao tempo de condenação em caso de superveniência de doença ou perturbação da saúde; reconhecimento de excesso na execução em caso de superlotação, concessão imediata de direitos no prazo de 30 dias se não houver manifestação; restrição do uso de algemas à situação excepcional e motivação por escrito; e uma série de medidas de assistência à mulher encarcerada e a seu filho.
Maior destaque merecem três propostas pela radical mudança cultural que promoverão no sistema jurídico-penal como um todo.
A primeira diz respeito ao inimputável, que se assim for considerado e submetido à medida de segurança não mais ficará sob a responsabilidade do juiz da execução penal e, nos termos da Lei Antimanicomial, a condução da execução da sentença será entregue à autoridade de saúde competente. Por isso, o projeto prevê, inclusive, a extinção dos centros de observação e hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico. A segunda, a revogação de qualquer menção ao exame criminológico e à identificação genética, ranços positivistas que teimavam em permanecer no ideal de execução. A terceira, a instituição da detração compensatória, concedida ao sentenciado em dois dias se permanecer em regime diverso do semiaberto, e em três dias em regime diverso do aberto.
Mas o projeto poderia ter ido além em alguns pontos. Fortalece a atuação dos Conselhos da Comunidade, dando-lhe legitimidade para a promoção de ação civil pública em matéria pertinente ao sistema prisional, para suscitar incidentes por excesso ou desvio, elaborar pedido de graça e para requerer reconhecimento de indulto. Mas poderia ter-lhe dado legitimidade também para inspecionar, e não apenas visitar os estabelecimentos.
A lamentar, ainda alguns pontos importantes. Da mesma forma que em 1984 a manutenção e criação de alguns institutos no texto do projeto apenas se justificariam pela mesma presunção de serem concessões políticas para garantir a aprovação do texto.
No atual PLS ainda encontramos o Regime Disciplinar Diferenciado, a utilização de parte do salário para despesas com a manutenção do preso (com a criação de um fundo rotativo de administração dos recursos provenientes do trabalho prisional para manutenção do condenado e em prol do estabelecimento penal), e o cálculo puramente aritmético para determinação do regime de cumprimento.
Por fim, há novidades projetadas que mereceriam uma melhor reflexão diante da aparente melhora funcional do sistema, mas do possível prejuízo aos diretos e garantias constitucionais, como a entrega da definição do lugar e do estabelecimento para cumprimento de pena para a Central de Vagas, retirando tal função do juiz da execução; a extinção da cela individual e previsão de celas coletivas de até oito pessoas, sem previsão de área mínima, que parece resolver o problema de superlotação, mas contraria o item 9 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de pessoas presas; e a previsão de um exame psicossocial para os sentenciados por crimes hediondos ou praticados com violência e grave ameaça, cujo resultado não possui nenhuma vinculação definida e poderá dar margem à manutenção do examinado no cárcere com base em critérios subjetivos.
Ao que parece, a “tumba onde se enterram os vivos”, como dizia Collin,(1) conquistou atenção política. Que a política, agora, não enterre o bom trabalho da comissão.
Nota:
(1) Collin, Fernand. Il progetto di Codice penale italiano da un punto di vista penitenziario. In: Il progetto Rocco nel pensiero giuridico contemporâneo. Roma: Istituti di Studi Legislativi, 1930, p. 130.
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